quinta-feira, 30 de março de 2017

ALATRISTE

NOTA 4,0

Apesar de literalmente ser uma
grandiosa produção, épico espanhol é
tedioso e peca por condensar muitos
eventos e excesso de personagens
Filmes épicos costumam ter público cativo e consomem orçamentos generosos, assim é de se estranhar quando produções do tipo não chegam a ter lançamentos nos cinemas, ainda mais quando se tem um nome de peso encabeçando o elenco. Apesar de ser uma produção espanhola, Alatriste tem como protagonista Viggo Mortensen, na época ainda se aproveitando da fama da trilogia O Senhor dos Anéis, talvez por isso mesmo tenha sido recrutado para este trabalho. Aqui ela dá vida ao capitão Diego Alatriste, um soldado veterano do exército espanhol famoso por seus heroicos atos, mas isso não o torna diferente. É apenas um homem sem aspirações que sobrevive aos desafios que a vida lhe impõe. A trama se passa no século 17, época em que a Espanha dominava boa parte do mundo e as áreas que não eram suas subordinadas automaticamente passavam a ser consideradas inimigas. Reinava então Felipe IV (Simon Cohen) e seus territórios eram governados com mãos de ferro por seu ministro, o inescrupuloso conde-duque de Olivares (Javier Cámara). Muitos países resistiram a dominação espanhola, mas foi Flandres através de uma longa e cruel batalha que colocou a força do império em jogo. Para contra-atacar, foram formados exércitos profissionais cujos principais representantes eram veteranos da infantaria espanhola e Alatriste era um destes homens. Em 1622, durante um ataque justamente em Flandres, Lope de Balboa (Alex O’Dogherty), seu fiel companheiro de batalhas, acaba falecendo e confia ao soldado seu filho para que ele tome conta. Um ano depois, regressando a Madri, o capitão recebe uma carta da filha do falecido reiterando o pedido para que acolha o irmão Iñigo (Unax Ugalde), jovem inteligente que desejava seguir carreira como soldado, mesmo sem o consentimento da moça. Então porque fazer questão que ele seja criado por um membro do exército? Os problemas financeiros forçaram a situação e Alatriste o aceita em sua casa cumprindo sua promessa. Nas guerras, o capitão geralmente era chamado para atuar como espadachim, mas também costumava aceitar fazer saques e serviços de mercenários para nobres, porém, sempre fazia questão de tomar alguns cuidados para não ferir sua própria honra. Certa vez, lhe é encomendado pelo inquisidor Emilio Bocanegra (Blanca Portillo – sim, uma mulher interpretando um homem), o assassinato de dois hereges, estrangeiros desconhecidos que estariam em Madri sob atitudes suspeitas.

A ação seria realizada em conjunto com outro mercenário, Gualterio Malatesta (Enrico Lo Verso), mas quando nota algo de estranho na missão Alatriste afronta o parceiro e decide poupar a vida dos forasteiros. A benevolência do capitão lhe custaria caro. As vítimas seriam o Príncipe de Gales (Javier Mejía) e seu companheiro, o duque de Buckingham (Quim Vila), e quando descobre suas identidades Alatriste entende que teria que enfrentar inimigos poderosos. O crime teria também como mandante Luis de Alquézar (Jésus Castejón), o tio de Angélica (Elena Anaya), garota manipuladora que se aproxima propositalmente de Iñigo para ter acesso ao seu tutor. Da guerra de Flandres ao combate de Rocroi em 1643, o “traidor” precisa enfrentar diversas manipulações políticas e religiosas além de se meter em outros trabalhos sujos, mas ainda assim tenta viver um romance com a atriz Maria de Castro (Ariadna Gil), a amante do rei. O longa é baseado em “Las Aventuras Del Capitán Alatriste”, uma série de livros do escritor Arturo Pérez-Reverte cujo primeiro volume foi lançado em 1996. A ideia surgiu quando o autor percebeu que no livro de História de sua filha, na época com 12 anos, havia uma única página dedicada ao chamado “Ciclo de Ouro”, período entre os séculos 16 e 17 em que a Espanha exercia grande poder sobre as demais nações. Ao todo são cinco títulos dedicados a narrar a saga deste herói, sendo que as últimas cenas pertencem ao último volume que ainda não havia sido publicado quando o filme foi finalizado. O autor teria se inspirado no próprio filme para redigir as últimas páginas da coleção. Imagine a citada aventura de Frodo e companhia bela condensada em cerca de duas horas e meia e você terá uma ideia dos problemas que cercam esta produção, diga-se de passagem, a segunda mais cara já bancada pela Espanha até então. O diretor e roteirista Agustín Díaz Yanes até demonstra ter boa vontade para alinhavar os ganchos principais de cada livro, mas antes mesmo de uma hora de duração já estamos fatigados. Apostando na mistura de personagens e situações reais e históricas, obviamente com alguma licença poética aqui ou ali, a obra certamente é singular e marcante para o cinema espanhol. O problema é que fora o recorde de gastos, em nenhum outro quesito ela atinge seu ápice, nem mesmo de popularidade em seu país de origem. Talvez por ser protagonizada por Mortensen a Fox tenha comprado os direitos de distribuição, mas a maioria dos países a recebeu diretamente em DVD. Quando produtos do tipo são lançados sem pompa alguma...

Anos antes, já havia o desejo de transformar a trajetória de Alatriste em filme e Antonio Banderas estava interessado no papel principal e até em assumir o cargo de diretor, mas provavelmente os direitos não foram cedidos na época devido a saga ainda não estar praticamente completa. No entanto, a espera revela-se frustrante, sendo que uma adaptação em formato de minissérie para a TV ou para consumo direto em DVD poderiam ser opções mais interessantes e de respeito com o material original. A obra poderia se encaixar perfeitamente aos propósitos do autor dos livros, servindo como um registro intelectual de um período desconhecido da História espanhola, uma época sombria em que o império começava a desmoronar pelo comodismo de um rei fajuto que se fazia de cego diante de intrigas palacianas e ações corruptas de mercenários. A partir das aventuras, dramas e paixões do protagonista e também de Iñigo que vive uma conturbada relação amorosa com Angélica, Yanes buscou traçar um panorama de cerca de duas décadas, mas não conseguiu transitar por essa viagem no tempo com naturalidade. Os constantes saltos temporais e mudanças geográficas das ações tornam tudo muito confuso para o espectador e não colaboram para agilizar a trama, ao contrário, a tornam ainda mais arrastada. Nem mesmo os personagens ajudam a prender a atenção. Fora Alatriste que identificamos por conta do rosto conhecido de seu intérprete, mas que também não desperta empatia, todos os demais personagens surgem, somem, reaparecem ou simplesmente fazem uma ponta, mas não conseguimos identificar por completo suas funções na trama, inclusive algumas passagens chegam a parecer incoerentes diante do comportamento destas figuras. As cenas de batalha não empolgam e o gancho romântico também não consegue trazer brilho algum à uma produção literalmente escurecida. Apesar do visual obscuro, ele é condizente com o período negro que a Espanha vivia. Cenografia e figurinos ricos em detalhes e fotografia e iluminação privilegiando a penumbra fazem com que pensemos duas vezes antes de tecer comentários negativos à obra, mas infelizmente ela se resume a uma bela embalagem com conteúdo equivocado. Desculpe o trocadilho, mas Alatriste realmente é triste de aguentar. Em tempo: Reverte já havia tido outra obra sua mal adaptada para as telonas, “O Nono Portal”, que virou O Último Portal, com direção furada de Roman Polanski.

Aventura - 144 min - 2006 

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