quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

DRIVE

NOTA 8,0

Longa dá uma reciclada no
gênero thriller com novas
dinâmica e narrativa, incluindo
um protagonista enigmático
Infelizmente hoje em dia muita gente leva em consideração os efeitos especiais e sonoros na hora de escolher um filme, o que dá certa vantagem para as produções de ação e a possibilidade de retornar aos holofotes brucutus característicos dos anos 80 como Sylvester Stallone, e não é mais nem preciso ir ao cinema para curtir imagens e sons inacreditáveis. Para os amantes de produtos desse tipo certamente um enredo que fala sobre um sujeito esquisitão que leva uma vida dupla se dividindo entre o trabalho como dublê em filmes e uns bicos para o mundo da máfia deve soar como adrenalina pura ainda mais quando nos deparamos com o titulo, Drive, assim mesmo sem traduções literais ou estapafúrdias para o português. Porém, basta acompanhar a introdução para que muitos comecem a chiar. Ryan Gosling vive o protagonista cujo nome nunca é revelado, simplesmente ele é o motorista. Logo no início ele está prestando serviços para uma dupla de ladrões que está em fuga após um assalto. A perseguição clássica de mocinhos aos bandidos está em cena, mas esqueça de qualquer barulho ensurdecedor, capotagens e frases idiotas ou manjadas trocadas entre as partes envolvidas. O recado está dado. Apesar do estilo ação hollywoodiana se fazer presente, aqui o conteúdo prevalece sobre o tiroteio e o corre-corre e deve causar estranheza a longa apresentação dos créditos iniciais ao som de uma música melosa e nostálgica em substituição as tão tradicionais batidas do rock, hip hop ou som eletrônico pesado. Quem vencer nos primeiros minutos a resistência quanto a esta estética visual e sonora diferenciada, parabéns! Certamente estará pronto para acompanhar uma trama que dá certa reciclada no gênero ação, mas que infelizmente em seus últimos atos volta a investir em velhos clichês, mas sem deixar a narrativa ficar tediosa. Baseado no livro homônimo de James Sallis, o roteiro de Hossein Amini, do drama de época Asas do Amor, acompanha o cotidiano de um motorista que trabalha como mecânico e dublê em produções de ação de Hollywood, mas nas horas vagas faz alguns servicinhos sujos. Sempre muito calado e sem esboçar sorrisos, o rapaz estranhamente acaba desenvolvendo uma amizade com Irene (Carey Mulligan), sua vizinha que tem um filho pequeno. Eles passam a conviver cada vez mais próximos como se formassem uma família, mas não demora para que Standard (Oscar Isaac), o marido da moça, saia da prisão e queira retomar seu lugar de chefe do clã, todavia ele ainda tem dívidas a serem acertadas com outros prisioneiros. Vendo a situação difícil dos vizinhos, o motorista convence Standard a realizar um último assalto, mas o golpe dá errado e agora todos eles correm risco de vida.

Estreando no cinema mais comercial e fora de sua terra natal, o diretor dinamarquês Nicolas Winding Refn, premiado em Cannes por esta obra, foi bastante habilidoso e demonstrou sensibilidade e objetividade para conduzir a trama aparentemente simples, mas se analisarmos com atenção é um tanto difícil contar uma história em que não há vilões no núcleo principal. É curioso, mas apesar do protagonista ajudar criminosos, não conseguimos enxergá-lo como um deles também. Talvez pelo mecanismo que rege suas ações ilegais. Os bandidos têm exatos cinco minutos para invadirem o local que desejam assaltar, roubarem o que podem e ainda conseguirem voltar para o carro. Caso ultrapassem o tempo estipulado, o motorista vai embora sem culpa alguma e deixa seus contratantes a mercê da sorte. Este foi mais um excepcional trabalho de Gosling que em 2011 atuou em diversos filmes, colheu inúmeros elogios, mas o Oscar deixou de escanteio. Neste caso, ele construiu um personagem de múltiplas facetas. Misterioso, introspectivo, solitário, ardiloso, sensual, justiceiro, mau-caráter e calculista. O ator conseguiu realizar uma mistura de diversas personalidades em uma mesma personagem de forma homogênea e totalmente crível. Sua expressão facial constantemente apática é usada como se fosse um escudo que resguarda um verdadeiro turbilhão de sentimentos e emoções, uma máscara tão dura que não deixa nem mesmo transparecer claramente o que ele sente por sua vizinha. Embora não declare por meio de palavras ou gestos explícitos, fica no ar a atração que o motorista sente por Irene, esta que corresponde o interesse da mesma forma. Isso fica latente através de constantes momentos de silêncio e nos poucos diálogos que travam. É uma maneira excêntrica de se conduzir a trama. Winding ao mesmo tempo em que parece querer evitar o envolvimento do espectador com os personagens também sugestiona que o elo deve se estabelecer no campo sensorial. Quem assiste deve se sentir inserido na narrativa como se fosse um voyeur das situações, alguém a espreita dos personagens seguindo seus passos, e nesse sentido o uso da fotografia e a baixa luminosidade são elementos fundamentais criando uma atmosfera bastante característica para o longa. Não fica claro em que época a ação se passa, mas o fato é que as equipes técnicas conseguiram gerar uma ambientação que transita entre os nostálgicos anos 80 e os dias atuais, uma mistura do vintage com o moderno não apenas esteticamente, mas também em sua trilha sonora. Através de planos e enquadramentos de câmera estratégicos, o cineasta conseguiu captar imagens de uma cidade marcada pela marginalidade e fragilidade, mas ao mesmo tempo brindou os espectadores com sequências belíssimas e de difíceis realizações, um trabalho que também dependeu muito de uma iluminação bem planejada principalmente por boa parte das cenas serem noturnas ou em ambientes escuros.

Voltando a falar sobre os personagens, o papel de Gosling jamais é apresentado como o antagonista, pelo contrário, mesmo demonstrando de forma excêntrica um carinho acima do normal por Irene e seu filho, uma relação quase platônica, ele se dispõe a ajudar o marido dela em um momento de dificuldades, ainda que por meios ilícitos. Rotulá-lo como uma pessoa fria, portanto, não cai bem. Muitos filmes já foram protagonizados por homens corajosos e sisudos que vez ou outra soltavam uma frase de efeito e sempre se safavam dos problemas como verdadeiros heróis, mas neste caso temos em cena um anti-herói carismático e seu dilema é dividido com o espectador. Mais que criar a expectativa se ele irá ou não se safar do último golpe, a grande questão aqui é humana, é colocar a própria vontade em primeiro lugar ou abrir mão da felicidade em detrimento do outro. Nem mesmo Standard conseguimos enxergar como alguém do lado do mal, principalmente depois que ele ferido é encontrado pelo filho e pede para que o garoto guarde segredo do que viu. Simplesmente o vemos como uma vítima da sociedade que se antes da prisão não havia encontrado oportunidades para uma vida digna, agora então suas chances diminuíram drasticamente e um último roubo para saldar uma dívida seria apenas uma ilusão de que a criminalidade o abandonaria. A banda ruim é representada na realidade pelos atores Albert Brooks e Ron Perlman, respectivamente Bernie, o chefe do motorista na oficina mecânica, e Nino, um homem cuja importância é revelada a partir do tal crime que salvaria Standard, ambos com caráter discutível. Com uma narrativa simples, eficiente e sem apelar para manjadas sequências de produções de ação, este sem dúvidas é um produto atípico. É diversão garantida, mas com conteúdo. Agrada aos fãs de adrenalina menos tradicionalistas e também não deve decepcionar quem gosta de uma pitada de drama para justificar os fatos. É quase silencioso, econômico inclusive nos diálogos, porém, ainda assim causa certo barulho, principalmente quando uma violência gráfica de dar inveja ao polêmico cineasta David Cronenberg é inserida na trama, com direito a uma cabeça literalmente estourando. É a partir da cena em que o suposto último crime de Standard está prestes a se concretizar que Winding lança mão de clichês, investe mais em recurso sonoros e apresenta sequências que destoam da primeira metade do longa, mas já é tarde demais para dizer que isso estraga a produção. A essa altura quem já está fisgado pela narrativa não a abandona e deve se divertir caçando as inúmeras referências a títulos clássicos e diretores famosos, principalmente citações que nos remetem à produção cinematográfica dos anos 70 e 80. Drive é um respiro bem-vindo para o cinemão americano que diante da escassez de boas ideias tenta sobreviver vendendo tecnologia aos montes, mas pouco cinema de verdade. Imagem pode significar tudo, desde que carregue conteúdo em seus gráficos e nesse ponto esta obra é bem servida guardando em cada fotograma algum significado, assim como em seus momentos de silêncio que são usados como ferramenta dramática.

Suspense - 100 min - 2011

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3 – 4 Regular, serve para passar o tempo
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