Nota 7 Apesar do rótulo de comédia romântica, obra também destaca seu cunho dramático
Nem só de refilmagens de terror e suspenses orientais vive o cinema americano quando existe escassez de ideias. Muitas obras europeias pouco a pouco vão ganhando suas versões americanizadas e antes que alguém se desespere acreditando que um filme muito bom será reduzido a pó em sua releitura é bom deixar avisado que sempre há uma luz no fim do túnel. A comédia romântica Sem Reservas é um bom exemplo que mostra que o que já era bom pode ficar ainda melhor. Baseada no longa alemão Simplesmente Martha, esta produção é um achado em meio a mesmice que se encontra no gênero das comédias românticas, em geral sempre repetindo velhas e manjadas fórmulas que não acrescentam nada de novo. Neste caso as coisas não são muito diferentes, porém, é perceptível que a atualização do texto original para os padrões hollywoodianos foi bem feitinha, as atuações são vigorosas e sentimos certo ar europeu na idealização das imagens e narrativa. Pode soar como um pouco de exagero dizer que este trabalho do diretor Robert Scott Hicks é excepcional, mas ao menos o remake não manchou a reputação da obra original, ainda que muitos o considerem apenas mais uma historinha água com açúcar para agradar a mulherada e facilmente esquecível.
O longa conta a história de Kate Armstrong (Catherine Zeta-Jones), uma famosa chef de restaurante reconhecida por seu talento, perfeccionismo e personalidade forte. A moça leva uma vida solitária e encontra na cozinha o seu melhor refúgio, porém, sua rotina irá mudar drasticamente por causa de um fato inesperado. Sua irmã morre em um acidente de carro e ela é obrigada a tomar conta de sua sobrinha de apenas dez anos, Zoe (Abigail Breslin), embora ela não seja muita amigável com crianças. O relacionamento das duas não é dos melhores, mas as coisas pioram quando os ânimos de Kate ficam em ebulição com a chegada de um novo cozinheiro, o espaçoso e animado Nick Palmer (Aaron Eckhart), o que ela encara como uma ameaça a seu emprego. Bem, com uma trinca de atores talentosos e simpáticos em cena dificilmente alguém não se sente instigado a dar uma conferida no filme. Obviamente a maioria se encanta pelo profissionalismo absurdo da então atriz-mirim Breslin que, talvez sem perceber, rouba as atenções para sua personagem e em certo momento parece que as mudanças comportamentais da tia e até seu entendimento com seu rival no fogão dependem unicamente da pequena.
Vale destacar que a protagonista não chega a ser um grande personagem capaz de extrair todo o potencial de Zeta-Jones, mas é um tipo interessante com o qual muitas mulheres podem se identificar graças aos desafios e mudanças na vida pessoal e profissional da chefe de cozinha. Transitando na casa dos trinta anos, é como se Kate estivesse vivendo uma crise interna talvez por viver sozinha, não ter tido filhos, porém, não deixa a mágoa transparecer protegendo-se atrás de uma imagem de mulher metódica e firme. Já Eckhart, o galã da história, é o típico homem dos sonhos do público-alvo da obra. Bonito, culto, simpático, com sensibilidade apurada e, o melhor de tudo, um ótimo cozinheiro. Todavia, ele também usa o trabalho como escudo para não deixar que sua solidão tenha vazão. Juntos eles formam um belo e cativante casal que tempera com ingredientes suaves esta receita que ora emociona e ora faz o espectador esboçar sorrisos. É preciso ressaltar que ambos apresentam interpretações acima da média para o tipo de produção. cujo humor é adicionado em pequenas quantidades e até mesmo o romance não é utilizado com exagero. O tom de drama leve é que prevalece, mas como é preciso atrair público o rótulo de comédia romântica é o mais comercial, embora possa não atender plenamente as expectativas de quem seja atraído por ele.
A obra original é um romance com carga dramática mais acentuada e algumas poucas pitadas de humor, mas Hicks preferiu trilhar o caminho da comédia romântica seguindo alguns conceitos da cartilha do gênero, motivo que afugenta muitos de conhecerem esta obra que não se envergonha e assume seu caráter previsível, afinal de contas um final feliz é o que o público deste tipo de filme deseja, algo que a versão alemã não contemplou totalmente. Ainda assim, até mais ou menos a metade do longa a equipe técnica tentou reproduzir ao máximo a atmosfera do filme alemão repetindo inclusive enquadramentos, situações e até detalhes e acessórios da cenografia, porém, o restante seguiu os padrões hollywoodianos, inclusive substituindo o mocinho da obra antes bonachão por um homem desejável de forma a ser mais crível a relação amorosa que irá ser criada entre os protagonistas. Para completar, como já dito, uma dócil criança na mistura fisga a atenção de qualquer um, ainda mais quando ela tem um choro tão sincero como o de Abigail.
Com a sensível direção, aliada a uma narrativa agradável escrita pela roteirista Carol Fuchs, e ainda carregando um pouco da essência feminista da obra original, é inegável que Sem Reservas é fadado a ser rotulado eternamente como um filme exclusivo para o público feminino, mas os homens que se aventurarem a encarar esta viagem gastronômica e romântica não devem se arrepender. O roteiro enxuto e com diálogos ágeis e eficientes ajudam a envolver o espectador que acredita na relação sentimental que nasce aos poucos entre uma solteirona sisuda, uma criança esperta e cativante e um trintão de bem com a vida. O relacionamento é construído com muito cuidado, apesar de nos minutos finais as coisas acelerarem, mas nada que estrague o conjunto que deve saciar a vontade de se emocionar de muita gente. Para aqueles que não curtirem nem um pouquinho da produção pela pegada romântica, ao menos os deliciosos pratos e garrafas de vinhos que desfilam por pouco mais de uma hora e meia em cena devem servir de consolo.
Comédia romântica- 104 min - 2007
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