Nota 7,5 Mostrando uma faceta sombria de Jim Carrey, comédia ainda mostra-se atual e crítica
Impressionante a capacidade das
sociedades em aprender o que é errado e mais surpreendente ainda como os erros
são perpetuados. Apesar dos vários alertas visando a segurança e também o valor
do bom senso, infelizmente o hábito de pagar um dinheirinho a mais para o
sujeito que instala os aparelhos de TV à cabo para ter todos os canais
disponíveis desembolsando o mínimo possível enraizou-se na cultura mundial, mas
em meados da década de 1990 ainda era um mal costume apenas dos norte-americanos.
Antes o serviço sujo era feito às escondidas, mas há alguns anos já foi
incorporado pelos funcionários ao expediente de trabalho, algo encarado com um
bico para complementar o salário. Essa busca incessante por levar vantagens com
tal atitude inspiraram o ator Ben Stiller a realizar O
Pentelho, seu segundo trabalho como diretor e que ficou famoso
por ser o primeiro trabalho do ator Jim Carrey após ter seu cachê turbinado
devido ao sucesso de O Máskara e de
pelo menos outras quatro produções que estrelou em seguida. Contudo, o valor
recebido nem de longe condiz com o pífio desempenho desta fita de humor negro,
porém, com um pouco mais de conteúdo que os demais trabalhos do astro até
então. Ele dá vida à Chip Douglas, um
técnico de TV que ganha uma graninha extra de Steven (Matthew Broderick) para
que desbloqueie alguns canais a mais para sua assinatura, uma forma ilusória de
ocupar seu tempo e não pensar na namorada Robin (Leslie Mann) com quem acabara
de romper. O instalador, um rapaz desequilibrado e que sofre de carência
crônica, está desesperado para conquistar ao menos um amigo e vê na proposta a
oportunidade ideal. Se o cliente lhe confiou um serviço escuso isso indicaria
que havia se estabelecido uma relação de confiança entre eles, assim Douglas
começa a persegui-lo e tenta de todas as formas participar ativamente de sua rotina,
provocando uma série de transtornos para Steven tanto em sua vida pessoal
quanto profissional. Conquistar essa amizade torna-se uma questão de honra para
o pobre instalador. Ou será que de coitadinho ele não tem nada?
O argumento e a primeira versão
do roteiro são creditados à Lou Holtz Jr. que teve a ideia quando viu um
instalador de TV no corredor do apartamento de sua mãe altas horas da noite. O
tal "cable guy", que intitula originalmente o longa, seria um sujeito
simpático, porém frustrado, mas sua invasão à vida alheia não se configuraria
de uma maneira fisicamente ameaçadora. Quando Judd Apatow assumiu o texto
decidiu pegar mais pesado nas palhaçadas e na parte obscura da situação. Apesar
dos problemas emocionais, Douglas é muito inteligente e faz uso da tecnologia
para invadir de todas as formas possíveis a vida de seu cliente. Sinônimo de
comédias anárquicas nos anos 2000, o roteirista na época era um ilustre desconhecido
e sua participação foi creditada apenas como produtor por questões
burocráticas, contudo, seu estilo de escrita já deixava suas marcas. No final,
prevaleceu a ideia de fazer uma comedia que satirizasse os suspenses com
psicopatas como Atração Fatal, A Mão Que
Balança o Berço, Cabo do Medo entre outros. Tantas referências pesadas
reunidas causaram certo impacto negativo, ainda mais porque esperavam o humor
convencional de Carrey. Ele ainda mostrava-se um careteiro de primeira, mas sua
faceta perversa não agradou muito na época. O
Pentelho não rendeu o dinheiro esperado, o que nos poupou de uma
continuação, mas hoje o longa até tem seu valor, talvez até uma aura cult
devido as críticas que expõe. Com o avanço do tempo, agora são muito mais
claras as provocações quanto a submissão que a televisão induz, os efeitos da
solidão e a respeito da banalização da sexualidade, o que revela que a rejeição
ao filme tem uma simples justificativa: a produção estava a frente do seu
tempo. Não há nada de errado com a narrativa mais densa ou a opção de Carrey
explorar outros recursos interpretativos. O filme acerta seus objetivos, apenas
foi lançado na época errada, mas nunca é tarde para apreciar uma obra com
conteúdo, mesmo que ele esteja diluído em meio a algazarra orquestrada por
Stiller que mostra-se inteligente ao não imprimir em sua direção a mesma linha
sistemática que norteia os filmes em que atua.
Comédia - 96 min - 1996
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