quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS

NOTA 8,0

Embora suavize o quanto pode as
feridas do nazismo, drama consegue
emocionar e divertir de forma equilibrada
e conta com elenco afiado e cativante
O nazismo é uma das temáticas de época mais exploradas pelo cinema. A intensa e controversa ditadura do alemão Adolf Hitler já rendeu diversos filmes, cada qual abordando um viés diferente seja por meio de um acontecimento específico, consequências de algum fato ou a maneira como um grupo de pessoas ou até mesmo um único indivíduo vivenciou tal período. Baseado no best-seller de Markus Zusak, em A Menina Que Roubava Livros temos um modesto retrato da época pelos olhos da esperta e sensível Liesel Meminger (Sophie Nélisse), ou melhor, a história da garota está inerentemente atrelada às atrocidades do regime alemão e curiosamente nos é contada por ninguém menos que a própria Morte (que se faz presente pela voz soturna de Roger Allam no original). Sim, o espectro que tantas boas almas levou por conta da guerra se interessou pela menina quando veio buscar seu irmão mais novo durante a viagem que faziam rumo a um subúrbio da Alemanha para serem adotados por uma nova família depois que a mãe fora acusada e perseguida por comunismo. A popularmente chamada de "ceifadora de almas" poupou a jovem certamente por ter sua curiosidade aguçada já que ela surrupia durante o sepultamento do irmão um livro que o coveiro deixou cair, uma espécie de manual para rituais funerários. Por que uma criança se interessaria por tal leitura? A Morte então passa a acompanhar a trajetória de Liesel desde sua chegada à rua Paraíso, de fato um local que parece transpirar tranquilidade, mas seus moradores apenam tentam levar uma rotina normal, no fundo vivem em constante clima de tensão já que nunca se sabe quando haverá uma batida policial ou uma bomba pode ser lançada por lá. Em troca de dinheiro um casal de meia-idade, adoradores do nazismo apenas de fachada, aceita dar asilo à Liesel que curiosamente aos dez anos de idade ainda era analfabeta, porém, demonstrava uma enorme vontade de saborear a descoberta das palavras. Essa é a deixa para que Hans Hubermann (Geoffrey Rush), seu afetuoso pai adotivo, possa estreitar laços com ela ensinando-a a ler e a escrever.

Já o relacionamento com Rosa (Emily Watson), a mãe de criação, inicialmente não é tão amistoso, pois ela só aceitou a garota com a garantia de que viria junto seu irmão para ajudá-la nas tarefas domésticas. Apesar de ranzinza e durona, essa mulher entre um resmungo e outro consegue demonstrar preocupação com Liesel, esta que revoltada com a ideia imposta pelo regime nazista de que qualquer livro, independente de seu conteúdo, deveria ser queimado começa então a surrupiar e a compartilhá-los com seus amigos Max (Ben Schnetzer), um judeu que os Hubbermann acolhem e escondem em seu porão por conta de uma dívida de gratidão com sua família, e Rudy (Nico Liersch), o vizinho que a ajuda a se adaptar à escola e a nova vizinhança. Enquanto o adolescente perseguido, mesmo a maior parte do tempo doente e inerte, lhe incentiva a também aprender a escrever e o valor de uma verdadeira amizade, com o outro garoto a pequena alemã se torna mais expansiva, tem com quem trocar confidências e fica latente um clima de primeiro amor, mais por parte dele que apesar das investidas tem seu sentimento ignorado inocentemente pela pretendente. Apesar do título, curiosamente são poucos os livros que a protagonista rouba e todos são oriundos da casa do prefeito. Na verdade os furtos logo são descobertos por Ilsa (Barbara Auer), a primeira-dama que se enternece pelo interesse da menina por leitura e oferece total acesso a sua vasta biblioteca, embora ainda às escondidas para que seu marido não descubra. O roteirista Michael Petroni tomou certas liberdades criativas para poder condensar as quase quinhentas páginas da história original em pouco mais de duas horas de filme como, por exemplo, omitir que Liesel e Rudy roubavam não só a casa do prefeito e buscavam outros itens além de livros. Também foi alterada a ordem de alguns acontecimentos, outros foram descartados, algumas ações foram absorvidas por certos personagens a fim de se ter um elenco enxuto em cena, mas a principal modificação foi a suavização no retrato dos horrores da guerra de olho em uma fatia de público mais jovem. Fome, desemprego, humilhações e sacrifícios acabam ficando em segundo plano na narrativa que se contradiz. Se a intenção era conquistar espectadores mais novos, acostumados com agilidade, o ritmo lento compromete tal objetivo, assim como a mistura de diálogos em inglês (ou dublados) com alemão soa bastante incômoda.

Os amantes do livro certamente devem reclamar das mudanças no enredo, mas elas são necessárias em qualquer tipo de adaptação e ainda é preciso lembrar que o filme é a interpretação de um grupo fechado de pessoas para um material imaginado por uma outra. É impossível agradar a todos e apesar da sensação que o potencial da obra original não foi explorado ao máximo, Petroni consegue emular o essencial da trama, como a importância da palavra como instrumento de expressão e libertação, principalmente em uma época de tanta manipulação e opressão política. O elenco ajuda, e muito, a dar credibilidade ao  texto e a envolver o espectador com o melodrama. Nélisse, que venceu uma acirrada disputa pelo papel-título, com sua sensibilidade e energia conquista de imediato a atenção, assim como Liersch que contagia com sua espontaneidade. Ambos consegue expressar com nitidez a vontade inerente a qualquer criança de descobrir o mundo e ver tudo com um olhar mais brando, mesmo cientes dos problemas que os cercam. Se a relação das crianças é cativante e convincente, o mesmo não se pode dizer da amizade estabelecida entre Liesel e Max, com passagens muito artificiais para justificar a extrema preocupação da garota com o jovem. Já Rush e Watson estão perfeitos, mesmo interpretando papeis com perfis pouco complexos. Ele como um homem doce e compreensível, com momentos em que deixa aflorar seu espírito infantil, e ela com seu mau-humor e jeito irônico, escondendo seu lado sensível, garantem cenas tocantes e por vezes divertidas. Investindo rigorosamente seus esforços na ambientação, com direção de arte, figurinos e trilha sonora meticulosamente concebidos, o diretor Brian Percival, oriundo de séries e filmes para TV, não quis arriscar e realizou uma obra convencional, bem aos moldes de A Vida é Bela e O Menino do Pijama Listrado. Até nos momentos que exigiam manchar a tela com sangue ele o usou com extrema parcimônia para não chocar visualmente, afinal o contexto da época já e suficientemente traumático. Com esse cuidado, o maior deslize de A Menina Que Roubava Livros é justamente se escorar na inocência de sua protagonista que parece feliz e conformada demais com sua situação. A morte do irmão, o afastamento da mãe, a adaptação a uma nova rotina e conviver com o perigo iminente diariamente. São muitos os fardos para uma criança encarar com tamanha tranquilidade, mas nada que comprometa a emoção almejada.

Drama - 135 min - 2013

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