sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

UMA VIDA ILUMINADA

NOTA 7,0

Drama aborda a questão da
importância da preservação da
memória através dos objetivos de
um colecionador de lembranças
Todos ouvimos diariamente a exaltação aos avanços da modernidade e o pessoal que é ligado em tecnologia não tem do que reclamar. Praticamente toda a semana uma bugiganga nova é lançada e hoje é possível em um pequeno aparelho arquivar centenas de lembranças em forma de mensagens de texto, de voz, fotografias ou vídeos, podendo ser materiais pessoais ou de domínio público. O curioso é que mesmo com esses avanços parece que a população mundial está a cada dia com a memória mais curta. O dia-a-dia atribulado ou simplesmente por puro desprezo emocional acaba por fazer com que as pessoas esqueçam até mesmo momentos importantes com a família ou da sua própria vida. Você se recorda de algum objeto característico para lembrar-se da casa de seus avós? Lembra quem lhe deu aquele brinquedo que você tanto desejava no Natal quando era criança? Consegue ter a memória gustativa para lembrar o sabor do bolo de aniversário que ganhou e que mais gostou?  Podem parecer bobagens, mas são estas pequenas lembranças materiais ou emocionais que ajudam a contar a história de cada ser humano, justificar seu presente e de repente apontar caminhos para o futuro. Quem gosta de colecionar objetos provavelmente tem uma sensibilidade superior e desse hábito surgem histórias emocionantes, divertidas e até bizarras. Tem gente que coleciona selos de cartas, outros miniaturas de bonecos ou carrinhos e até moedas e notas de dinheiro antigas podem ter valor sentimental para alguns. O protagonista de Uma Vida Iluminada tem uma coleção bastante curiosa. Ele não se prende a um ou dois tipos de itens, simplesmente ele coleciona momentos da vida de alguém. Jonathan Safran Foer (Elijah Wood) é um judeu americano que após a morte recente do avô decide ir até a Ucrânia para tentar achar a suposta mulher que salvou a vida de seu avô durante a Segunda Guerra Mundial. Uma foto dela acompanhada do falecido e o pingente que ela usava na ocasião são as únicas recordações que ele tem do avô, itens que ele faz questão de guardar com todo cuidado em saquinhos plásticos individuais e etiquetados. Nessa viagem ele recebe a ajuda de Alex Perchov Jr. (Eugene Hutz), um atrapalhado tradutor, e do avô do rapaz, Alex (Boris Leskins), um homem mal-humorado e que está sempre na companhia de um cão-guia, pois afirma que está cego. Durante a jornada este inusitado grupo descobre segredos sobre a ocupação nazista que mexeram como o emocional de todos eles.

O jovem Jonathan sem dúvidas é um rapaz fora de seu tempo em todos os aspectos. Seu visual nerd e sempre vestindo ternos alinhados já demonstram o estilo intelectual do rapaz. Ou seria estilo bizarro? Se para alguns um guardanapo de papel é simplesmente lixo depois de usado, para ele aquilo pode ser uma relíquia. Ele mantém em casa uma parede forrada de lado a lado com objetos que remetem as lembranças de pessoas que fazem ou fizeram parte de sua vida. Durante a viagem à Ucrânia, por exemplo, o rapaz não esquece sua mania e guarda desde um simples pedaço de batata cozida até um aparentemente inútil inseto. Só mesmo o próprio Jonathan para explicar os significados que tais elementos têm.  Aliás, se o protagonista é um tanto estranho, seus companheiros de estrada não ficam atrás. A dupla Alex e Alex trabalha conduzindo turistas que visitam o país pouco explorado em busca de notícias de seus ancestrais ou herança cultural, na verdade uma empresa familiar que conta apenas com um carro velho para transportar os clientes. Enquanto o avô diverte o público com suas caras de rabugento e tiradas sarcásticas, o neto arranca gargalhadas com seu estilo “mano” de ser e de se vestir e por falar errado, além é claro de improvisar absurdos quando faz traduções, o que deveria ser sua especialidade. É bem interessante o contraponto do personagem de Wood e de Hutz, cada um com suas esquisitices, mas que acabam criando uma amizade totalmente crível. E não podemos esquecer o quarto integrante da viagem, a cão-guia, que na realidade é só para companhia, batizado de Sammy Davis Jr. e que causa certo estranhamento a Jonathan já que o rapaz tem fobia de cachorros, pena que tal gancho é pouco explorado pelo roteiro. Aliás, para quem acredita que este road movie leva a assinatura de algum cineasta cult como Wes Anderson, um especialista em tramas sobre famílias e personagens disfuncionais, ou Emir Kusturica, devido as situações surreais, se engana.

Baseado no livro “Everything is Illuminated” do próprio Jonathan Safran Foer, o roteiro e a direção ficaram a cargo do estreante Liev Schreiber. Quem? Seu nome não é muito famoso, mas seu rosto com expressão sisuda já figurou em muitos filmes sendo os mais famosos Pânico e A Profecia. A estreia do ator em funções atrás das câmeras passa longe do estilo comercial americano e é bastante satisfatória, embora a indefinição pelo tom do filme, ora cômico, ora dramático, incomode um pouco. O romance parecia uma obra inadaptável, mas Schreiber foi esperto e não quis arriscar além do que acreditava que poderia arcar assim ele optou por focar as atenções em cima de apenas uma das histórias do livro, provando que tem consciência de suas limitações, um importante passo para um cineasta promissor. Como escritor ele também possui talento, tanto que o roteiro foi premiado na Mostra de Cinema de São Paulo, além de o longa ter faturado o Prêmio Lanterna Mágica no Festival de Veneza. Até mais da metade o filme adota o humor como fio condutor, explorando a personalidade excêntrica dos personagens e as diferenças de idiomas. Quando as lembranças do Holocausto entram em cena, o tom dramático toma conta da película. É interessante observar os contrastes de imagens propostos. A Ucrânia, na realidade as imagens de paisagens da República Tcheca, é captada com um colorido bucólico e vez ou outra as cores suaves abrem espaço para lembranças tingidas com agressivos tons escuros, predominando o preto e o cinza, mas com detalhes vermelhos para evidenciar o sangue derramado durante a guerra, um recurso eficiente para imprimir um estilo documental às imagens dos fatos históricos. Porém, sem dúvidas, nenhuma cena chama tanto a atenção como o vasto campo de girassóis sob um céu limpo e extremamente azulado, uma sequência-chave, tanto que tais flores são marcas registradas da produção. Uma Vida Iluminada, em resumo, é um projeto simples, mas ao mesmo tempo complexo. Pode parecer banal, porém, não deixa de tocar o emocional do espectador. Tem um ritmo lento em diversos momentos, mas condizentes com a trama. Guarda em seu visual e narrativa um quê de modernidade ou alternativo, mas na realidade quer se comunicar com o cinéfilo que sente falta de uma boa e bem contada história. Único, essa seria a melhor definição. Além de deixar latente o desejo de despertar no espectador o hábito da preservação da memória, incluindo o resgate da cultura cinematográfica (basta saber absorver um pouco do universo e dos sentimentos do protagonista para compreender a mensagem), o longa ganha pontos pelo fato de falar dos horrores da Segunda Guerra Mundial sem precisar recorrer a clichês como combates e torturas nos campos de concentração, mas sem enterrar as atrocidades. Com muita sutileza, e talvez sem perceber, Schreiber trouxe duas grandes contribuições para a humanidade, além de ser mais uma prova de que dentro de um ator que para sobreviver precisa aceitar as regas do jogo do cinema sempre pode existir um cineasta entusiasmado a fazer coisas muito melhores para a sétima arte. Uma pena que a fraca repercussão talvez tenha desanimado um profissional promissor que preferiu manter-se apenas diante das câmeras, mesmo que em papéis pequenos ou subaproveitados.

Drama - 100 min - 2005 

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