NOTA 7,0 Casal deseja fugir dos festejos de Natal, mas na última hora precisam organizar uma ceia e recuperam o espírito de amizade |
Hoje é véspera de Natal, dia de muita correria e compras de
última hora. Em outras palavras, dia de muito estresse, mas a noite vem a
calmaria e as alegrias e emoções devem predominar. No Brasil não temos o mesmo
fanatismo que os americanos têm com esta festa cristã, mas ainda assim muitas
pessoas vivem o clima natalino intensamente meses antes. Para elas todas
aquelas enxurradas de reprises de comédias e dramas típicos de fim de ano na
televisão são uma dádiva. Para quem ainda sente apreço pela comemoração, mas
todo o ano promete que da próxima vez vai fazer algo diferente entre os dias 24
e 25 de dezembro, certamente se identificará com o casal protagonista de Um
Natal Muito, Muito Louco, longa que já pode ser considerado um clássico
natalino tal qual Férias Frustradas de Natal, figurinha carimbada na TV
praticamente todos os anos há várias décadas. Ambos tratam do
respeito e cultivo das tradições, do espírito de solidariedade e de família
unida, mas claro que tudo temperado com muito humor. A receita é
muito simples e agrada em cheio quem curte essa data festiva justamente por
tirar um sarro daqueles que tentam manter o espírito de harmonia e
solidariedade quando a reunião familiar se resume em uma sucessão de equívocos
e bolas foras dos parentes queridos. Obviamente não é um tipo de produção que agrada
a todos os tipos de plateia, pois investe em humor pastelão, mas convenhamos
quem não tem pelo menos uma história engraçada ou tragicômica que ocorreu na
ceia ou no almoço de Natal? É curioso, mas em meio ao corre-corre das compras
de presentes e dos ingredientes dos pratos tradicionais, os filmes que
acompanham esse clima não chamam muito a atenção aqui no Brasil, pelo menos
quando exibidos nos cinemas. Pode ser o fato da ambientação contrária a nossa,
branquinha e fria pela neve, a repetição de situações cômicas ou a mensagem
clichê de esperança e amor que deixam no final, mas é certo que dá para contar
com os dedos de uma mão só os títulos que trabalham o tema e que escapam do
crivo do público e crítica sem serem extremamente chamuscados, como O Grinch e O
Expresso Polar, ambos com características visuais evidentes para se
sobressaírem no farto cardápio de filmes com histórias parecidas em cima da
expectativa da chegada do Papai Noel. Para os produtores americanos os batidos
filmes do tipo podem significar a salvação da lavoura quando o ano não rendeu
boas bilheterias, por isso eles ainda continuam sendo feitos anualmente.
Apelando para um visual tradicional, com cenários
aconchegantes e decoração exagerada e de apelo nostálgico, além de uma narrativa
previsível concluída de forma bastante emotiva, o fato é que este longa
dirigido por Joe Roth é muito divertido e explora de forma proporcional tanto o
lado tirano quanto o feliz do festejo. Luther (Tim Allen) é o patriarca dos
Kranks, uma família que sempre preservou as tradições natalinas e dividiu as
alegrias da data com amigos e vizinhos por muitos anos seguidos, até que certa
ocasião, apenas por uma vez, decidiram esquecer o Natal, algo praticamente
impossível, ainda mais em solo americano em que a maneira de comemorá-lo é uma
referência para todo o mundo. Como a filha Blair (Julie Gonzalo) está
realizando trabalhos voluntários no Peru, Nora (Jamie Lee Curtis) e o marido
decidem fazer um cruzeiro e viajar para terras ensolaradas e não pensam sequer
em enfeitar a casa (ainda que uma guirlanda adorne a porta principal), o que
acaba despertando a ira dos vizinhos que correm o risco de perder um concurso
de decoração de ruas por causa desse capricho, além de acreditarem que entre
eles há pessoas egoístas. Começa então uma verdadeira batalha para os Kranks
conseguirem planejar a tão sonhada viagem sem a interferência de terceiros,
estes que não dão folga, principalmente por causa das intervenções de Vic
Frohmeyer (Dan Aykroyd), um dos vizinhos mais xeretas. Porém, alguém nos céus
não quer permitir que o espírito do feriado seja esquecido e um dia antes da
véspera de Natal Blair avisa a família que voltará para a ceia trazendo a
tira-colo o novo namorado para participar dos famosos festejos natalinos dos
Kranks. Agora Nora e Luther têm menos de 24 horas para organizar uma festa com
tudo que há de mais tradicional e para isso recorrem aos vizinhos que tanto hostilizaram até então. A lição que tiramos do longa é das mais
explícitas possíveis. Solidariedade e união são primordiais. Só para reforçar a
mensagem, ainda temos um casal de idosos, Walt (M. Emmet Walsh) e Bev
(Elizabeth Franz), passando por um período difícil e que abrandará o coração do
homem que ousou mandar as favas o bom velhinho e tudo mais que lembre sua
imagem. Contudo, a primeira metade do filme é dedica a questionar que essa
festa ganhou contornos muito mais comerciais que sentimentais, justamente o que
desencadeia a decepção do casal protagonista que decide deixar seu boneco
gelinho (nosso popular boneco de neve) escondido no porão. Em rápidas
aparições, vemos quantas pessoas contavam com o dinheirinho dos kranks em troca
de cartões ou biscoitos, por exemplo. Na reta final, alguns outros clichês
batem cartão para manter o humor: a ceia do clã recebe a visita de um
desconhecido com jeitinho de Papai Noel de shopping e até um bandido tenta se
aproveitar da atenção dispersa dos convidados para roubar a família.
O roteiro de Chris Columbus é muito simples e até pode soar
como uma reciclagem de piadas, inclusive de dois grandes sucessos do escritor, Esqueceram
de Mim e sua primeira continuação, mas ainda assim funciona muito bem pelo fato
de que a correria do fim de ano está presente ativamente na vida de qualquer
pessoa e a identificação com o conflito dos protagonistas é imediata, embora o
humor pastelão possa ser um empecilho para alguns. Chama a atenção que o argumento
é extraído de uma criação de John Grisham, o mesmo autor de obras sérias como O
Dossiê Pelicano e O Júri. Claro que a ideia original sofreu modificações para
ficar com um humor mais familiar, mas nas mãos de um especialista em tramas
ingênuas o texto cresceu e tornou-se uma divertida crítica ao que é o Natal
atualmente. Roth, que já havia experimentado timidamente o clima natalino
quando produziu O Sorriso de Mona Lisa, conseguiu imprimir um delicioso ritmo
narrativo e ótimas piadas aproveitando-se da entrega total de Curtis e Allen a
seus personagens, como no caso da sequência em que o casal é flagrado por
conhecidos fazendo bronzeamento artificial em trajes mínimos. A atriz ainda tem
momentos hilários como quando protagoniza uma acirrada disputa no supermercado
por uma peça de presunto enquanto o ator que já interpretou o bom velhinho em Meu
Papai é Noel se complica desde a montagem da árvore até colocar o famigerado
gelinho sobre o teto da casa. Aparentemente ambos tiveram liberdade para
improvisar, o que torna as situações ainda mais divertidas e longe do deboche
proposital. Ainda temos Aykroyd que consegue ser pentelho e carismático, ainda
mais quando divide as cenas com Erik Per Sullivan que vive Spike, seu filho, uma
dupla de ferrenhos defensores dos costumes natalinos. Provável que muita gente
sem nem mesmo ter assistido já tenha tirado suas próprias conclusões negativas
a respeito de Um Natal Muito, Muito Louco a começar pelo título digno de
telefilmes, mas não se engane pelas aparências. Esta é uma comédia bem
divertida e que satiriza o comportamento dos americanos de classe média e que
serve até para o brasileiro rir de si próprio. É quase impossível não
reconhecer no longa alguma situação que nós mesmos ou conhecidos viveram por
conta de alguma gafe própria ou de algum parente, seja antes ou na hora da
festa. Entre no espírito do longa e da época para a qual ele foi feito para
descobrir suas qualidades. Reclamem o quanto quiser, mas é certo que o Natal
perderia boa parte de seu encanto caso produções do tipo fossem extintas. Na
pior das hipóteses, elas fazem companhia para aqueles que não podem festejar ao
lado dos familiares ou amigos e deixam no ar a mensagem que o maior presente
que alguém pode receber é um sincero feliz Natal, mesmo que ele seja dito por
um ator que não faz a menor ideia de que você existe.
Comédia - 94 min - 2004
Nenhum comentário:
Postar um comentário