Nota 7,5 Produção bizarra cativa com protagonista problemático dividido entre ser mocinho e vilão
Um trash movie, ao pé da letra, é
aquele que deseja ser levado a sério, mas involuntariamente acaba se tornando
melhor que uma comédia assumida. Isso se deve a cenas mal dirigidas,
interpretações vexatórias e quando há necessidade de uso de efeitos especiais e
maquiagem pesada, mas pouco orçamento, aí é que o caldo entorna de vez. Por
conta desse percalços, muitas fitas de terror são rotuladas como filmes B, mas
não que isso seja um problemão, que o diga o diretor Sam Raimi que até hoje
colhe elogios com seu tosco longa de estreia The Evil Dead - A Morte do Demônio. Também é muito comum o termo
terrir, aí sim a mescla proposital de terror e comédia, dois gêneros
antagônicos já misturados em diversas oportunidades, mas raramente com resultados
satisfatórios. Geralmente são produções muito bem equiparadas, mas que fazem
questão de parecerem toscas. Esse é o caso de As Vozes,
à primeira vista ridículo, mas que após o baque inicial do festival de absurdos
torna-se uma obra relativamente bem estruturada. O início alto astral, com
direito a trilha sonora dançante, pode indicar uma inofensiva comédia
romântica, mas as aparências enganam. A trama nos apresenta à Jerry (Ryan
Reynolds), aparentemente um pacato operário de uma fábrica de banheiras, mas
que vive em constante acompanhamento pela Dr. Warren (Jacki Weaver), sua
psiquiatra, por conta de traumas da infância manifestados por seu dom (ou
maldição?) em ouvir vozes de animais. Recém saído de uma clínica, ele acaba
ficando obcecado por Fiona (Gemma Arterton), uma colega de trabalho que não
demonstra real interesse em ter um caso, mas quando finalmente aceita uma
carona acaba sendo morta brutalmente pelo rapaz. Isso mesmo! Por um mal
entendido, ela acabou faltando a um encontro e o sentimento de rejeição
perturbou ainda mais o cara que já não estava tomando seus remédios de forma
controlada. Influenciado por conselhos que parecem vir do além, Jerry deixa
seus instintos assassinos aflorarem ao atropelar um alce na estrada e assusta a
moça que tenta fugir, mas acaba sendo capturada e ele sem querer lhe dá o mesmo
destino que o animal.
Para não ser incriminado, Jerry
resolve levar o corpo para seu apartamento e parti-lo em diversas partes que
acondiciona em potes plásticos, mas mantém a cabeça dentro da geladeira, afinal
mesmo sem o corpo ela está mais tagarela do que nunca e não perde a chance de
perturbar seu assassino. Está bom ou quer mais? Tentando levar sua vida
normalmente, não demora muito e o rapaz se envolve com outra colega de
trabalho, a meiga Lisa (Anna Kendrick), esta que realmente demonstra estar
apaixonada. Contudo, ele tenta ao máximo preservar seu segredo da garota, mas
fica difícil esconder seu medo de repetir seu erro. No meio desse turbilhão de
sentimentos, o rapaz ainda dá ouvidos a seu adorável cachorro Bosco e ao
malvado gato Mr. Whisker, seus animais de estimação que respectivamente assumem
os papéis de anjinho e diabinho confundindo-o ainda mais com seus
contraditórios conselhos. A diretora Marjane Satrapi, da premiada animação Persépolis, leva o espectador a uma
viagem bizarra junto a seu protagonista cheio de questionamentos psicológicos e
equilibra o lado cômico e o trágico proposto pelo roteiro de Michael R.Perry.
As situações, apesar de surreais, encaixam-se perfeitamente no contexto sem
insultar a inteligência do espectador, sendo a forma como a doença mental de
Jerry é retratada um dos pontos altos. Ao mesmo tempo que nos divertimos com
suas perturbações e enrascadas, em paralelo não nos esquecemos que para quem
convive com o problema diariamente as situações não são nem um pouco engraçadas.
Essa humanidade que o personagem transmite é graças ao ótimo trabalho de
Reynolds num papel que requer muitas nuances de interpretação. Vai e volta do
cômico ao drama com muita facilidade e ainda transita por terrenos obscuros.
Embora o clímax deixe a desejar, no conjunto As Vozes revela-
se uma grata surpresa que cativa com seu espírito nonsense que não raramente
confunde o público que não consegue distinguir o que é realidade e o que
constitui fantasia da mente problemática do protagonista.
Comédia - 109 min - 2015
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