quarta-feira, 25 de outubro de 2017

ERNEST E CELESTINE

NOTA 9,0

Com traços delicados e narrativa,
singela, animação francesa aborda
o preconceito através de uma relação
de amizade que desperta ira e medo 
Disney, Pixar, Dreamworks e alguns esforços intensificados nos últimos anos por empresas como Fox e Paramount. Com os avanços das animações digitais o mercado cinematográfico ganhou muito e a concorrência acirrada fez com que os enredos cada vez se tornassem mais inteligentes, até para também poderem fisgar o público adulto que agora não usa mais a desculpa de levar o filho ou sobrinho ao cinema. Tranquilamente os marmanjos podem assistir a produções animadas com a certeza de que estão vendo uma obra tão boa quanto um elaborado filme com atores de carne e osso. Hollywood abriu os olhos para essa possibilidade dos anos 2000 para cá e ao passo que cada vez mais busca modernidades no campo também volta-se à simplicidade jogando certa luz sobre produções estrangeiras ou do próprio circuito alternativo ianque que se não fossem indicadas ao Oscar da categoria certamente não chegariam a ser conhecidas nem mesmo pelos cinéfilos de carteirinha. A delicada animação Ernest e Celestine é um bom exemplo. Coprodução da França e Bélgica, o longa é baseado nos contos infantis da escritora e ilustradora Gabrielle Vicent que através da fábula aborda a valorização da amizade acima de qualquer obstáculo, principalmente tabus sociais como o preconceito entre raças. A trama conta a história da ratinha Celestine, uma aspirante a pintora que cresceu em um orfanato e nunca compreendeu o medo que outros roedores habitantes do subterrâneo tinham dos ursos, os moradores do chamado mundo de cima. Fascinada pelo desconhecido, pois é justamente desbravando esse outro universo que ela conhece Ernest, um grande urso que em nada lembra a imagem da fera que fora forçada a imaginar com as histórias sobre como os grandalhões peludos eram malvados e forçavam as ratazanas a se refugiarem nos esgotos. Divertido, simpático e prestativo, ele ganha alguns poucos trocados tocando música nas praças, mas garante o sustento da família com pequenos furtos. Ernest encontra a roedora em uma lata de lixo e rapidamente conquista a sua confiança, porém, precisam viver essa amizade escondido, pois as sociedades de ambos não aceitam que animais tão distintos, tanto no físico quanto na personalidade, se relacionem.

É interessante que a relação entre os protagonistas não anula as diferenças típicas de suas espécies. Eles procuram o equilíbrio entre suas característicos para um convívio harmônico, mas os demais de suas respectivas castas são antiquados e reforçam a visão mesquinha de que a única solução para manter a divisão entre os animais é isolar os amigos. A ideia sustentada é que para ser aceito em um grupo você deve se submeter a certas regras e imposições, mesmo que assim esteja suprimindo desejos e sonhos. No caso da narrativa, Enest deveria aceitar que como um urso precisa vestir a carapuça de malvado e soberano enquanto Celestine deveria aceitar uma condição diminuta e submissa. Transportando o tema para a realidade, é como ainda muitas sociedade machistas vivem oprimindo as mulheres ou exercendo pressão sobre grupos de homossexuais. Contudo, a animação não  investe em violência e deixa o preconceito explícito de maneira bastante delicada. Desde pequenos tanto os ursos quanto os ratos sabem da existência de ambos os grupos, mas convivem de certa forma pacificamente. A exceção se deve ao fato dos ratinhos constantemente invadirem o universo alheio para roubar dentes mais resistentes para realizarem implantes, isso porque acreditam que uma boa dentição é o que permitirá a sobrevivência da espécie. Os ursos também se preocupam com o sorriso devido ao alto consumo de doces, o que pode ocasionar cáries e consequentemente a perda de molares e caninos que tanto necessitam para se alimentarem. Compartilhando uma preocupação semelhante, os distintos grupos se unem na primeira parte do enredo sustentando a mensagem de que ninguém sobrevive sozinho e que sempre será necessário algo do próximo, seja material ou simplesmente solidariedade. Contudo, a relação entre Ernest e Celestine acaba virando caso de polícia. Eles são condenados por infringirem as regras de convivência estabelecidas ao longo dos anos entre as partes e os roedores, teoricamente mais frágeis e oprimidos, surpreendem mostrando-se enérgicos durante o julgamento, cercando-se do máximo de justificativas possíveis para afastar a todos da espécie do grupo de predadores.

Com diálogos curtos e de fácil assimilação, esteticamente o filme também opta pela simplicidade reproduzindo o estilo de ilustrações dos livros originais. Com aspectos aquarelados e tingidos em tons pastéis, é interessante observar que a sensação de rascunhado dos personagens é acentuado na apresentação dos cenários, em geral propositalmente inacabados. Feitos à mão, o modelo é sugestivo uma vez que serve como ferramenta para convidar o espectador a participar da história completando o cenário com sua imaginação. Animações estrangeiras costumam investir em visuais diferenciados e em tempos em que a maioria dos diretores busca cores vibrantes e formas arrojadas é muito bom ver traços e tons delicados que estimulam o intelecto ao mesmo tempo em que passam uma mensagem sensorial, assim mantendo quem assiste com a atenção totalmente focada motivado pelas surpresas que as próximas imagens podem revelar. Só pela diferenciação estética, Ernest e Celestine já merecia atenção por remeter automaticamente a uma animação nostálgica como se fosse uma pérola do gênero resgatada dos tempos das fitas cassete, mas ainda soma-se ao conjunto uma inteligente e agradável fábula capaz de fazer os humanos refletirem e repensarem seus atos em relação aos seus semelhantes. A partir de uma história de amor e cumplicidade que remete ao enlace e proteção de um pai e uma filha, o roteiro de Daniel Pennac aborda de forma leve a maneira como o preconceito entre raças e o medo do que é considerado anormal afasta as pessoas. Mais que isso. As força a aderirem à segregação, fechando-se em grupos unidos por características e interesses em comum, mas sem brecha para os diferentes. Reiterando essa separação podemos destacar as cenas iniciais em que uma velha rata, a governanta do orfanato, conta a história dos ursos malvados usando a tática de incutir medo do desconhecido, algo que felizmente não afeta nossa altruísta heroína e tampouco seu fiel e grande amigo. Com direção de Stéphane Aubier, Vicent Patar e Benjamin Renner, o longa merecidamente ganhou o prêmio máximo de seu país, o César, além de receber uma menção honrosa no Festival de Cannes e uma indicação ao Oscar de Melhor Animação, assim ganhando certa projeção e felizmente sua mensagem perpetuada a fim de chegar às mentes daqueles que estão em desenvolvimento e nos representarão no futuro e ainda a tempo de ampliar os horizontes de quem hoje alimenta preconceitos tolos e ideias antiquadas.

Animação - 80 min - 2012

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