NOTA 2,0
Com diálogos difíceis, pouca ação, personagens sem carisma e sem um vilão propriamente dito, ficção naufraga do início ao fim |
O título é direto, mas ao mesmo
tempo intrigante. Simplesmente Esfera. Em tempos em que ficções científicas
enfrentavam relutância de público e crítica, embora na mesma época os cinemas
abrigassem o hoje cult Tropas Estrelares e já havia um esquenta para o retorno
da saga Star Wars, esta produção teoricamente tinha tudo para dar certo, a
começar por ser baseada em uma obra de Michael Crichton, o mesmo autor do livro
que originou Jurassic Park. Após o retumbante sucesso desta aventura,
produtores de Hollywood correram para adaptar outras de suas obras, como Twister
e Assédio Sexual, este produzido por Barry Levinson que viria a dirigir o filme
em questão, um suspense com toques psicológicos tendo como cenário o fundo do
mar. Bem, talvez o oceano nunca tenha sido mostrado de maneira tão
claustrofóbica, mas no sentido negativo. Dividindo-se entre o interior de uma
estação cientifica marítima e seus arredores, a impressão é que a história se
passa em um grande aquário. Com base em um relatório feito a toque de caixa
simplesmente para ganhar um dinheiro extra, o psicólogo Norman Goodman (Dustin
Hoffman) reúne um grupo sem a menor afinidade para uma expedição marítima. O matemático
Harry Adams (Samuel L. Jackson), a bioquímica Elizabeth Halperin (Sharon Stone)
e o astrofísico Ted Fielding (Liev Schreiber) são chamados às pressas para acompanhá-lo
em uma aparente missão de resgate. Algo estranho caiu no Oceano Pacífico e
eles, cada qual com os conhecimentos de suas respectivas áreas, precisam auxiliar
nas investigações que inicialmente acreditam se tratar da queda de um avião com
sobreviventes. Na verdade a equipe liderada pelo capitão da marinha americana
Harold Barnes (Peter Coyote) depara-se com um objeto não-identificado cujo
interior mantém flutuando uma imensa esfera brilhante, de cor dourada e aspecto
gelatinoso que causa um estranho fascínio sobre todos. Pela espessura dos
corais que cresceram na nave estima-se que tal objeto estava lá há cerca de 300
anos, porém, uma inscrição numérica indica que poderia ter vindo do futuro.
A expedição coloca em xeque a
lógica científica e o inexplicável, além de desvendar os egos e as inseguranças
da equipe que entram em choque entre eles mesmos e também com a maneira de
conduzir os trabalhos do enigmático Barnes. A certa altura Adams se voluntaria para ser absorvido pela
estrutura e descobrir o que há em seu interior, mas retorna diferente, como se
possuído por alguma coisa. Seu comportamento acirra as discussões entre Goodman
e Beth, sua ex-paciente com um histórico de problemas psicológicos. Aos poucos
são revelados os mistérios da espaçonave. Dentro dela a tal esfera parece ter
vida própria e as análises revelam a presença de uma substância semelhante ao
mercúrio. Chega um momento em que ela parece fazer contato com os cientistas,
ou talvez a entidade que a habita, através do computador do refúgio submarino
comunicando-se por meio de uma linguagem que somente o matemático consegue
decifrar. Apresentando-se como Jerry, todos acreditam estar mantendo contato
com um alienígena que sabe tudo o que acontece e é conversado dentro da base. Embora
no inicio pareça amigável e ávida por informações dos humanos e da Terra, não
demora muito para a esfera se apresentar hostil e preparar armadilhas para
testar os cientistas como, por exemplo, um ataque de dezenas de medusas
assassinas que atacam violentamente a expedicionária Alice Fletcher (Queen
Latifah) em uma das poucas cenas realmente boas e tensionais do longa. Os fãs
mais ardorosos de ficção científica conseguem identificar de imediato as várias
referências aos maiores clássicos do gênero, como um polvo gigantesco (ou ao
menos sua sombra) que parece ter sido importado de 20 Mil Léguas Submarinas e
não faltam lembranças à Alien - O Oitavo Passageiro (curiosamente na mesma
época chegava aos cinemas Alien - A Ressurreição). Em cerca de meia hora de
projeção inicial a trama tenta ganhar ritmo apresentando personagens,
ambientação e a ameaça, mas ainda assim tudo parece muito distante para o
espectador que, desculpe o trocadilho, fica boiando do início ao fim.
O livro que originou o filme foi
publicado em 1987 e até então era um dos menos conhecidos de Crichton, mas a
pouca repercussão do longa não ajudou a transformá-lo em um best-seller. Levinson,
vencedor do Oscar por Rain Man, bem que tentou acertar na mescla de ficção,
suspense e diversão no melhor estilo para Hollywood adaptar conforme a proposta
original de Crichton confiando nos serviços dos roteiristas Stephen Hauser e
Paul Attanasio, este que viria a ser o criador da série "House".
Todavia, por mais que todos tenham se esforçado o resultado é prejudicado pela
temática difícil, distante dos espectador. Na maioria das cenas o elenco parece
estar declamando frases como em uma apresentação de trabalho de ciências de
colégio e o excesso de termos técnicos fazem a atenção dispersar. Os efeitos
especiais também deixam a desejar. Com exceção do momento em que Goodman e Beth
descobrem como a nave foi parar no fundo do oceano, o resto não convence.
Conforme vinham a tona notícias sobre Titanic que estava em filmagens na mesma
época, o diretor se intimidou e preferiu confiar no fascínio da história que
contaria e nos astros de peso que tinha em mãos e poupou orçamento justamente
nos efeitos digitais, afinal sabia que não teria como enfrentar o naufrágio do
lendário navio nesse quesito. Os executivos de cinema deveriam confiar mais em
seu sexto sentido. Se em um primeiro momento não existe total certeza quanto a
um projeto, o melhor seria abortá-lo para evitar desperdícios. Quando os
cenários já estavam sendo construídos, Esfera ficou na mira do cancelamento
porque teve gente consciente que percebeu que faltava uma ameaça real para
justificar a tensão da tripulação dentro da estação de estudos. O vilão, se é
que podemos rotular assim, é uma estrutura amorfa com o poder de fazer as
pessoas que tomem contato com ela vivenciar seus maiores pesadelos por meio de
alucinações. Contudo, só a tensão psicológica instaurada entre a equipe por
conta de divergências de pensamentos, desconfianças e comportamentos estranhos é
pouco para prender a atenção do espectador que ainda no primeiro ato começa a
se entediar. A longa duração também compromete, afinal pouco nos importamos com
o destino dos personagens e até a curiosidade em torno da esfera vai por água
abaixo logo em sua primeira manifestação.
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