sexta-feira, 22 de maio de 2015

A CASA MONSTRO

NOTA 8,5

Animação traz de volta o
contagiante clima dos filmes
clássicos de sessões da tarde
com pitadas de modernidade
Qual criança nunca sentiu aquela vontade de curtir um filme de terror, mas ainda assim o pavor era maior e a impedia? Ainda bem que no mundo das animações tudo é possível e até mesmo o que é feito para amedrontar pode ser uma excelente opção para divertir. Na onda das produções feitas para agradar crianças e adultos, A Casa Monstro é um desenho com ar deliciosamente retrô que veio para suprir a necessidade de sustos dos pequenos e de quebra fazer muito marmanjo relembrar bons tempos, porém, apesar de todo estilo nostálgico, o filme em nenhum momento diz em que época a história se passa. Fita cassete de música, estilo gótico de alguns personagens, carros de modelos antigos e gírias ultrapassadas já são exemplos bem claros de que o túnel do tempo foi aberto, provavelmente levando o espectador a saudosa década de 1980, mas a atmosfera envolvente criada pelo diretor Gil Kenan logo em sua estréia em longas animados não deixa em nenhum momento criança alguma desconectada, muito pelo contrário. O enredo criado por Dan Harmon, Rob Schrab e Pamela Petiler é bem no estilo de antigas produções que misturavam suspense, comédia e aventura e eram repetidas a exaustão nas sessões da tarde da televisão (algumas até hoje). O jovem e retraído D.J. sempre achou que havia algo muito estranho na velha casa dos Nebbercraker do outro lado da sua rua. Tudo que passa perto da propriedade simplesmente desaparece, desde uma simples folha de árvore até brinquedos bem grandes. O dono da residência, o senhor Epaminondas, é muito rabugento e não permite que nada e ninguém se aproximem nem mesmo do seu gramado. Após o afastamento do velho senhor devido a problemas de saúde (as crianças acreditam que ele foi desta para melhor), a casa ainda parece muito estranha e ganha vida própria. Na véspera do Dia das Bruxas, quando a residência literalmente se transforma em um monstro, D.J. convoca seu amigo Chowder e Jennny, uma garota pela qual ambos se apaixonam, para descobrir o que há dentro da misteriosa residência que a mantém viva, já que os pais do garoto não acreditam no que ele diz a respeito do espírito do caquético senhor ainda estar por perto. O trio recorre a Skull, um preparador de pizza preguiçoso que ganhou fama por no passado ter jogado videogame por vários dias seguidos. Ele acredita que a casa tenha adquirido alma humana e o único meio de eliminar o perigo que ela representa seja acertando-a direto em seu coração. Assim, o trio de aventureiros elabora um plano que permita que entrem lá dentro e destruam o que a mantém viva, mas obviamente nada é muito simples e grandes sustos estão por vir.

As ideias de um grupo de crianças reunidas na época do Halloween, alguma coisa estranha rondando a vizinhança e a presença de uma babá que está mais preocupada em namorar do que fazer seu trabalho não são nada revolucionárias, simplesmente eram os elementos essenciais de receitas que fizeram o sucesso de muitos filmes infanto-juvenis décadas atrás. Inicialmente o roteiro seria filmado com atores de verdade, mas isso traria dificuldades para a realização de algumas sequências, principalmente as que fazem parte do clímax, que, diga-se de passagem, quebra um pouco do clima da obra e exagera na modernidade, mas nada que estrague o resultado final. Assim Kenan preferiu utilizar a técnica de captura de movimentos de atores e animação posterior, mesmo recurso usado, por exemplo, em O Expresso Polar e Os Fantasmas de Scrooge. Para muitos, os personagens da trama são um tanto estereotipados, mas a repetição de tipos tem uma razão: facilitar a identificação do espectador com a história. Dessa forma, temos os velhos clichês do garoto espertalhão que gosta de desvendar mistérios e parece deslocado no mundo em que vive, o gordinho atrapalhado que sempre tem uma piada na ponta da língua, a menina que se mostra mais madura e inteligente que os meninos, o velho rabugento e com feições de bravo, a babá que usa a profissão apenas de fachada e que só quer se divertir na casa dos patrões e até os policiais que surgem lá pela metade do filme lembram o estilo de vestimenta usado na cinessérie Loucademia de Polícia e nem o jeitão de cegos perdidos em um tiroteio destes homens da lei é deixado de lado. Vale lembrar que perfeição nos traços não era a prioridade. Assumidamente caricaturais, todos os tipos criados foram pensados para se adequarem as características físicas e de personalidades que lhe foram atribuídas. Apesar da tecnologia de ponta utilizada para a criação dos personagens o que chama mesmo a atenção é a ambientação criada. Kenan apresentou interessantes perspectivas visuais para contar sua história em um espaço limitado, praticamente composto por três cenários: a casa de D.J., a residência de Epaminondas e a rua quase deserta que separa estes dois locais. Estabelecer o conflito entre as duas calçadas e definir cada uma como se fossem mundos opostos não é uma tarefa fácil, mas o desafio foi vencido com muitos méritos.
Em alguns momentos é perceptível que o diretor pensou no filme como um projeto live-action antes de visualizá-lo no campo da animação, incluindo alguns movimentos de câmera consagrados o que de certa forma deu um toque de realismo ao trabalho, apesar do enredo fantasioso que perfeitamente poderia ser confundido com uma obra do cultuado cineasta Tim Burton, declaradamente adepto do estilo gótico e bizarrices (talvez ele tenha até ficado com uma pontinha de inveja por tal projeto não ter caído em suas mãos). O roteiro aparentemente simples e infantil em certas partes revela-se um tanto complexo, como a explicação dada para os mistérios que cercam a casa do velho senhor, sequência em que há uma sutil mudança no tipo animação e até a personagem que surge lembra os traços de Botero, pintor colombiano que gosta de estampar em suas telas pessoas gordas e obesas. No geral, mesmo sendo uma produção computadorizada, há uma simplicidade visual que nos remete a desenhos feitos a mão e só nas cenas mais agitadas é perceptível o uso de técnicas avançadas de animação, como no clímax da trama quando a história ganha um ritmo mais acelerado e traços mais próximos de animações ligeiras feitas para exibição na TV, mas nada que estrague o resultado final, embora o modelo da casa quando adquire características de monstro seja um tanto esdrúxulo e o roteiro possa deixar a desejar um pouco depois da metade quando o tom imaginário toma conta quebrando o clima de realidade e mistério que tanto cativa inicialmente os espectadores. Indicado ao Oscar e ao Globo de Ouro de Melhor Filme de Animação, só não foi premiado porque tinha fortes concorrentes naquela temporada, ainda que em seus créditos os nomes de Steven Spielberg e Robert Zemeckis constem como produtores. A Casa Monstro dá um tímido passo para a modernização das animações dependendo do ponto de vista, mas é inegável que ele já nasceu com pinta de clássico das sessões da tarde e o tempo só deve confirmar isso. Recomendadíssimo para curtir em família e com amigos.

Animação - 90 min - 2006 

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