quinta-feira, 23 de abril de 2015

LOUCA OBSESSÃO

NOTA 10,0

Filme com boas narrativas nunca
envelhecem e esta adaptação de uma
obra de Stephen King é a prova contando
com magistral atuação de Kathy Bates
Alguns filmes ficam melhores quanto mais o tempo passa e muitas vezes é melhor assistir a uma produção antiga que o lançamento do momento. Loucura pensar assim em uma época em que as pessoas se contentam a ver um filme incompleto ou com falhas através de atividades ilícitas pelo puro prazer de dizer que viu antes de quase todo mundo? Santa ignorância dos adeptos da cultura do imediatismo. Muita informação em tempo recorde e quase nada de aproveitamento. Muitas pessoas que se dizem cinéfilas e adoram prosear sobre o assunto ignoram a própria falta de cultura sobre o tema, limitando seu repertório a produções lançadas no máximo há dois anos e ainda assim com dificuldades para resgatar lembranças. Pior quando se vangloriam por saber de cabo a rabo como é a produção que promete bombar nas férias sem ao menos ela ter estreado em seu país de origem. É uma pena que as coisas estejam nesse pé. Existem muitos títulos excelentes do passado que são praticamente desconhecidos pelas novas gerações. Não importa o quanto o tempo passa e eles ficam cada vez melhores. O aspecto antigo que tanto incomoda alguns pode se tornar fascinantes para outros e contribuir e muito para a vida útil do longa. Nesta definição podemos encaixar tranquilamente Louca Obsessão, um arrebatador suspense que colocou o nome de Kathy Bates entre as grandes estrelas do cinema. Hoje uma atriz muito conceituada, na época ela acumulava trabalhos pequenos em seu currículo, mas encontrou aqui a grande chance para aparecer e aproveitou muito bem a oportunidade, tanto é que foi super premiada pela atuação, incluindo a conquista do Oscar. Ela dá vida a Annie Wilkes, uma ex-enfermeira que se considera a maior fã do escritor Paul Sheldon (James Caan). Ele ficou muito famoso com uma série de publicações cuja personagem principal se chama Misery Chastain, mas sua glória também significou seu fracasso. Devido a um bloqueio criativo sua vida profissional se resumiu em continuar a escrever histórias para essa coletânea, assim, conforme o tempo passava, ele perdia a vontade de escrever por prazer e só trabalhava pensando em sua sobrevivência. Porém, ele está decidido a colocar um ponto final na saga e se isola em um hotel em uma cidade afastada para se inspirar e fugir de problemas que pudessem atrapalhar seu trabalho. Quando finalmente pode voltar para sua casa, ele é surpreendido pela estrada coberta de neve e acaba sofrendo um acidente, mas é salvo por Annie que mora nas proximidades do hotel e vigiou cada passo do autor como se fosse uma fã de um artista de cinema ou da música.

Bem, não é legal contar as viradas do roteiro, mas neste caso é preciso porque além da reviravolta não demorar a acontecer e ocupar bem mais da metade da narrativa, provavelmente poucos se interessariam em ver um filme estruturado na sinopse do parágrafo acima. Poderia até caminhar para o lado da comédia tal premissa, mas o viés escolhido pelo diretor Rob Reiner é bastante tortuoso. Annie leva Sheldon para sua casa e diz que vai cuidar dele enquanto a rodovia não é liberada para levá-lo ao hospital. Tudo poderia estar bem até então, isso se o escritor não estivesse imobilizado em uma cama. A princípio, a estranha mulher se mostra muito bondosa, porém, muda radicalmente quando ele a deixa ler a versão final de seu último livro. Annie fica transtornada ao saber que Misery, sua personagem favorita, irá morrer no último volume da série. Imediatamente o autor percebe que sua grande fã na realidade sofre de graves distúrbios mentais. Por viver extremamente sozinha, a mulher do livro é como uma pessoa de carne e osso para ela, a sua única companhia. Totalmente dependente neste momento, Sheldon é obrigado a fazer todas as vontades dela, inclusive queimar o manuscrito de seu livro e começar a escrever uma nova edição da série "Misery" de acordo com o que ela deseja. O descontrole emocional desta mulher vai aumentando gradativamente e o desfecho desta história nem mesmo o criativo escritor consegue prever. Praticamente é a cultura a serviço da loucura. As tentativas frustradas do autor em tentar fugir do cativeiro são de fazer roer as unhas, assim como as aparições da ensandecida mulher que ora é um anjo e em poucos instantes é o demônio em pessoa. Histórias como esta, da admiração de um fã extrapolando limites, já renderam outros títulos de cinema nos mais diversos gêneros e fatos idênticos também ocorrem na vida real envolvendo celebridades. De pessoas simplesmente inconvenientes até outras extremamente violentas que podem até matar por ódio ou amor àquele que tanto idolatra, os históricos dos noticiários estão cheios. Este suspense é tão intenso e perturbador que até hoje as pessoas que prezam pela história da sétima arte ainda fazem questão de lembrar que as cenas entre Kathy e Caan são memoráveis e de um nível de tensão jamais alcançados novamente. A todo o momento ficamos apreensivos e na expectativa de qual será a próxima louca atitude de Annie.

O cultuado Stephen King é o autor de "Angústia", o livro que deu origem a essa produção e, felizmente, sua obra foi respeitada e seguida ao máximo. Só o nome dele envolvido em uma produção já chama muito a atenção e garante sobrevida a qualquer filme, mas o tempo ajudou e muito a este título. O autor escreveu uma trama madura e realista bem diferente de seu estilo de contar histórias de arrepiar, já que o mundo do além e seus habitantes eram e continuaram sendo seus temas favoritos. É certo que muitas obras cinematográficas que ostentam o nome do escritor em seus créditos deveriam virar caso de polícia por achincalharem seu trabalho e até mesmo enganar seus fãs de tão ruins que são, mas no caso o roteirista William Goldman, de Todos os Homens do Presidente, conseguiu fazer dignamente a transição das páginas impressas para o celulóide, um trabalho com uma repercussão intensa que é provável que nem mesmo Reiner imaginaria que alcançasse, já que ele não é conhecido por uma filmografia calcada em gêneros específicos, mas o responsável por sucessos cults dos anos 80 como Conta Comigo e A Princesa Prometida. Falando em passado, é muito interessante observar os objetos cênicos e a ambientação da casa de Annie, principal cenário de todo o longa. Máquina de escrever, telefone com discador de dedo, muitos bibelôs, enfim há diversos elementos hoje obsoletos que ajudam a dar a obra um irresistível tom nostálgico ao mesmo tempo em que colaboram para dar um ar amedrontador, como se cada canto da residência escondesse uma surpresa. Para quem gosta de temas ligados à psicologia, a protagonista é um prato cheio para ser estudado, assim como sua vítima, que tem que se manter calmo e estudar bem as maneiras como lidar com a enlouquecida fã, a ponto de também se tornar uma pessoa cruel e capaz de atrocidades, atos justificados por sua luta pela sobrevivência. Richard Farnsworth e Lauren Bacall têm importantes participações,  embora pequenas, mas o show fica mesmo por conta de Caan e Kathy que carregam o filme nas costas. A atriz conseguiu vencer a predileção por Anjelica Huston e Bette Midler, nomes de peso na época, e agarrou com unhas e dentes a oportunidade e alcançou uma das interpretações mais viscerais da História do cinema, um trabalho que parece que os membros do Oscar esqueceram, caso contrário jamais teriam dado uma estatueta para Gwyneth Paltrow, Marisa Tomei, entre outras atrizes. O quesito comparação não existe nesta e em outras premiações, infelizmente é o mercado da época que dita quem ganha e quem perde. Para aqueles que acreditam que Louca Obsessão já não tem espaço nem mesmo no “Super Cine” da Globo, favor jamais se intitulem cinéfilos de carteirinha. Esta é sem dúvida uma das experiências mais angustiantes de todos os tempos do cinema e merece ser revista de tempos em tempos para lembrarmos o que é suspense de verdade. Muitos diretores e roteiristas de Hollywood metidos a assustar plateias com efeitos de quinta categoria precisam urgente de um tratamento de choque a base desta produção e algumas outras direto do túnel do tempo para aprenderem o significado das palavras medo e tensão. Recomendadíssimo.

Vencedor do Oscar de atriz (Kathy Bates)

Suspense - 107 min - 1990 

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Um comentário:

renatocinema disse...

Adoro esse filme e ao estudar história estou analisando um livro que fala sobre a loucura......ou seja, estou viajando na insanidade. kkkk