terça-feira, 13 de janeiro de 2015

MINHAS MÃES E MEU PAI

NOTA 7,5

Longa tenta mostrar uma
família pouco comum de
modo natural, mas acaba
esbarrando em convenções
O mundo está mudado e cada vez mais aceitando os grupos que outrora eram considerados diferentes e, portanto, excluídos da sociedade. O cinema acompanhou este avanço social e não é de hoje que tem procurado retratar as relações homossexuais de forma digna e natural, embora ainda os estereótipos do “bichinha” e da “sapatona” ainda imperem. Aliás, o lesbianismo que antes era introduzido em produções B ou com conteúdo duvidoso para o delírio de fetichistas de plantão hoje é tratado de forma mais realista como prova Minhas Mães e Meu Pai, uma agradável mistura de comédia e drama que conquistou a crítica provocando boas risadas e até emocionando, porém, tal tema também fez muita gente torcer o nariz. Talvez não seja o conteúdo em si o motivo de certa repulsa, mas sim a superexposição que o longa teve sendo apontado como um dos melhores títulos lançados em 2010. Este trabalho da diretora Lisa Cholodenko ganhou projeção ao vencer o Globo de Ouro de Melhor Comédia e ter conquistado quatro indicações ao Oscar, mas visto pelo prisma das premiações o longa decepciona. Despretensiosa e muito simplória em sua apresentação, a obra é honesta e até ousada em certos momentos, mas longe de poder ser considerada algo excepcional, embora talvez seja um caso isolado de comédia com conteúdo lançado no período. Visto principalmente levando-se em consideração seu humor inteligente e peculiar, ai sim podemos dizer que é um bom filme. Com o foco na adaptação social de famílias formadas por homossexuais, a trama nos apresenta à Nic (Annette Bening) e Jules (Julianne Moore), duas mulheres que vivem um relacionamento amoroso já a algum tempo e não abriram mão do desejo de serem mães e cada uma teve um filho por inseminação artificial com o material genético de um mesmo doador anônimo. Ao longo dos anos elas construíram um lar harmonioso ao lado dos filhos, hoje adolescentes, Joni (Mia Wasikowska) e Laser (Josh Hutcherson) que nunca demonstraram preconceito ou estranharam a situação da família. Tudo ia muito bem, até que os irmãos se unem para tentar encontrar o pai biológico e conseguem os documentos do laboratório onde foram feitos. Indo contra a vontade das mães, a dupla entra em contato com o pai, Paul (Mark Ruffalo). Quando as progenitoras descobrem que os filhos se encontraram com o pai as coisas complicam, mas ainda assim elas respeitam o direito e a vontade deles e Paul é convidado para um almoço em família, no qual se mostra muito simpático com Jules, o que deixa sua companheira atenta. O rapaz fecha um acordo com a moça, que é paisagista, para que ela trabalhe na reforma de seu jardim, mas eles extrapolam os limites profissionais. Na medida em que o pai começa a fazer parte da vida de todos, de forma positiva ou negativamente, um novo e inesperado capítulo se inicia para esta família pouco convencional e o amor do casal lésbico é colocado em xeque.

As temporadas de premiações geralmente são marcadas por produções luxuosas, milionárias, com elenco de primeira e são cercadas de cuidados pelos estúdios responsáveis para causar o maior impacto possível. Todavia, já faz algum tempo que o cinema independente tem conseguido excelentes brechas nos festivais e festas cinematográficas. Podem surgir travestidos de superprodução ou com um visual quase amador, mas tais obras conquistam a crítica geralmente com seus roteiros que chamam a atenção por serem lapidados cuidadosamente para serem a alma de um filme, sobrepondo-se assim a quaisquer firulas técnicas. A possibilidade de trabalhar com um bom texto em mãos chama atenção de boa parte dos atores que entre um blockbuster e outro arranjam tempo na agenda para aderirem a projetos experimentais, intimistas ou simplórios. O trabalho roteirizado pela própria cineasta em parceria com Stuart Blumberg caiu no gosto da crítica por na época as comédias estarem em baixa, repetitivas e apelando ao que podiam para juntar alguns trocados mundo a fora. Entre os populares, a obra gerou muita expectativa, mas realmente é até fraquinho para estar na lista dos cinco ou dez melhores títulos do ano de 2010, mas é inegável a coragem de Lisa em lidar com uma história sobre lésbicas tentando levar uma vida comum, como um casal hétero, e ainda mais com dois filhos adolescentes a tira-colo. Após a chegada de Paul, a relação de todos os personagens é tímida, mas logo se identificam e criam laços de amizade ou no mínimo de respeito. Joni e Laser têm consciência que o pai não tem culpa, pois foram as mães que omitiram a gravidez do rapaz, procedimento totalmente aceito no caso das inseminações, mas um ponto que certamente deve ser avaliado antes da decisão de ter um bebê. Qualquer um tem direito a conhecer suas origens e talvez esse pequeno detalhe passou batido pelo casal lésbico. O roteiro, eficiente e correto, começa apontando uma linha narrativa pendendo para o humor, mas quando o triângulo amoroso é instaurado, as coisas mudam de figura e a cineasta mostra o quanto sua trama pode ser complexa e precisa ser discutida, contudo, no fundo tal história é apenas uma variação da base que nove em cada dez filmes utilizam: um casal tem sua relação estremecida por uma terceira pessoa que surge para na verdade constatar a medida do amor, respeito e confiança existente entre os pombinhos. Opa, revelação do final! Não faz mal, todos sabemos como essa produção termina, mas o importante é ver os pontos positivos que ela possui.

As intérpretes das lésbicas estão em perfeita sintonia e parecem muito a vontade em seus papéis. Aliás, Julianne parece ter uma tendência a aceitar interpretar tipos nos quais precisa se envolver e até beijar outra mulher, como já fez em diversos outros trabalhos. Estranhamente nem chegou a ser indicada ao Oscar, mesmo sendo tão protagonista quanto sua colega de cena e responsável pelos momentos mais divertidos. Annette foi privilegiada certamente pela veia dramática de sua personagem que tenta de todas as maneiras preservar seu casamento, destacando-se a cena em que sua ficha cai e ela reconhece que sua parceira está tendo um caso extraconjugal e com o agravante de ser com alguém do sexo oposto. Vale ressaltar o cuidado em evitar mostrar as lésbicas de modo masculinizado, preservando as características femininas das protagonistas, guardadas as devidas proporções na comparação de uma e de outra, ao mesmo tempo em que podem fazer o papel do homem da relação bem sutilmente. Nic parece comandar a casa como um chefe de família, é rígida com a educação dos filhos, mas o ciúme que sente da companheira é uma característica da mulher. Já Jules quando está com Paul mostra-se extremamente bela e sedutora, mas, por trair a parceira, faz as vezes do macho que pula a cerca. De qualquer forma, são seres humanos comuns que só desejam ser felizes e aceitas por suas escolhas. Ruffalo, por sua vez, sobe mais um degrau em sua carreira com um papel grande e longe de ser o mocinho dos sonhos, papel que ele já fazia de olhos fechados de tanta experiência que já acumulava neste campo. Também não chega a ser o vilão da trama, até porque aqui tal figura é inexistente e enxergamos seres humanos comuns que poderiam ser nossos vizinhos ou parentes. O ator literalmente desestrutura os alicerces deste clã aparentemente perfeito, reforçando o enredo com o viés das dificuldades em se lidar com adolescentes quando não há uma figura paterna como exemplo. Paul na realidade parece um irmão mais velho dos próprios filhos. Traçando o caminho popular das comédias de costumes, Minhas Mães e Meu Pai em suma é uma obra honesta e divertida a respeito de temas relevantes na sociedade moderna sem chocar. Apesar de algumas rápidas e inofensivas sequências de nudez ou carícias, o objetivo principal deste trabalho é transmitir a sensação de que essa família diferente é extremamente bem relacionada e aceita, afinal ela continua sendo um tanto provinciana e resistindo as novas formas de amar. Apesar da trama se fechar em um único núcleo familiar que parece viver isolado em um bairro amigável, é preciso lembrar que cada vez mais as tais famílias modernas estão surgindo, legais ou ilegais, e precisam ser respeitadas. O longa suscita a discussão, mas não se aprofunda e esbarra em convenções. Talvez esse seja o motivo de muitos que assistiram não terem gostado do resultado final. Espera-se algo com muito mais conteúdo de um produto característico do cinema independente. De qualquer forma uma boa opção para o lazer.

Comédia - 106 mn - 2010

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2 comentários:

renatocinema disse...

Humildemente, discordo.

Me falaram tanto que criei uma expectativa que não foi correspondida. Achei que seria melhor.

abs

Rafael W. disse...

Achei ótimo, narrativa moderna, levem, sem didatismos ou maneirismos. Excelente.

http://cinelupinha.blogspot.com/