O nome Stephen King na publicidade de um filme é um chamariz incontestável, embora nem todos os filmes adaptados de suas obras tenham feito sucesso. Realmente é difícil adaptar livros para a linguagem cinematográfica e nos últimos anos textos mais enxutos do autor tem encontrado espaço nos serviços de streaming. Nas telonas, que sempre exigem investimentos mais pesados, parece que a tendência é refilmar o que já foi testado do extenso currículo do escritor. Depois do remake de It – A Coisa, outro clássico da galeria do autor recebeu nova adaptação. Três décadas depois do original, Cemitério Maldito foi atualizado pelas mãos dos diretores Kevin Kölsch e Dennis Widmyer que pretendiam explorar mais o potencial dramático do romance homônimo. A primeira adaptação tinha em sua mensagem de discussão sobre a aceitação da morte um melhor resultado. As consequências que sofrem aqueles que perdem algo ou alguém continuam como espinha dorsal do enredo, mas a temática não fora bem desenvolvida neste revival que nos apresenta ao cético médico Louis Creed (Jason Clarke). Ele se muda com a família para uma pequena cidade no interior dos EUA onde existe um misterioso cemitério da animais que, segundo a população local, foi construído em cima de um terreno indígena amaldiçoado. Em meio a uma sucessão de eventos trágicos, o rapaz descobre através das histórias contadas por seu vizinho Jud (John Lithgow) que quem é enterrado nas terras adjacentes pode voltar à vida, porém, jamais retornam como antes. Os mortos, mesmo que fossem animais, ressuscitam com corpos disformes e apresentando tendências violentas.
Depois de um tempo o doutor irá aprender da pior maneira
possível o sentido da frase “morto às vezes é melhor”, palavras reunidas que sintetizam toda a essência do
argumento. Churchil, O gatinho de estimação de Ellie (Jeté Laurence), filha de
Creed, é atropelado e enterrado sem que a menina soubesse, mas não demora a
reaparecer na casa da família. Os pais ficam momentaneamente aliviados por não
precisarem dar a triste notícia para a garota, mas o bichano volta literalmente
colocando suas garras de fora atacando a todos. Embora não tenha conhecido em
vida Victor Pascow (Obssa Ahmed), um adolescente que morreu no hospital da
escola em que Creed começou a trabalhar, o médico já havia tido visões com o
adolescente que seriam como avisos que o terreno próximo a sua casa seria
perigoso para toda sua família, incluindo a esposa Rachel (Amy Seimetz) e o
filho caçula Cage (papel revezado entre os gêmeos Hugo e Lucas Lavoie). O medo
de falar sobre e da morte em si são os eixos do roteiro de Jeff Buhler e Matt
Greenberg que traz algumas modificações quanto ao original para tentar frisar o
lado mais humano e reflexivo do livro. Temos agora um maior desenvolvimento dos
perfis de Rachel e Ellie com a intenção não só de repaginar a trama como também
dar mais estofo à crença do cemitério.
Se a versão de 1989 investia com parcimônia em sangue, em pleno século 21 parece que estamos ainda mais comportados e os diretores usaram o gore economicamente, afinal a ideia era trabalhar mais o terror psicológico e a dor emocional. Inclusive a morte mais impactante do primeiro filme aqui é apenas ensaiada cedendo a honra, digamos assim, a outro personagem com possibilidades de trazer a tona mais conflitos quando volta a vida fora de seu juízo, neste caso mais para trazer alguma mudança significativa ao enredo e talvez por não terem encontrado um intérprete a altura da escolha do original. Neste momento fica latente que o egoísmo de Creed torna-se o epicentro de uma ruína familiar. Até que ponto podemos considerar um ato de amor desejar a todo custo que aqueles que já partiram retornem ao convívio dos vivos? E a partir de quando essa ideia passa a caracterizar um processo de loucura? As alterações feitas na narrativa realmente são promissoras quanto a possibilidade de explorar mais a fundo o ceticismo inicial do protagonista em contrapartida às suas ações e consequências quando a morte se torna uma realidade em sua vida pessoal e não apenas um percalço em seu ambiente de trabalho. O livro é considerado por alguns a obra mais assustadora do catálogo de King, inclusive ele própria deixou registrado em um prefácio publicado em algumas reedições que este era seu trabalho que lhe despertava mais medo, cogitando até mesmo não o publicar por receio das reações. Provável que a declaração fosse apenas uma jogada de marketing do escritor ou então tanto o filme antigo quanto a refilmagem estão bem distantes do real teor da publicação. Nem um nem outro são amedrontadores ao extremo em termos visuais, isso sem falar na continuação do original que foi lançado sem colaboração alguma de King, o que já não é um bom sinal.
Os primeiros minutos são promissores revelando aos poucos a ambientação e a rotina dos personagens. Suas características, medos e crenças são esmiuçados a fim de criar identificação, todavia, pouco nos importamos com o clã dos Creeds e o que prende a atenção é a expectativa parar ver quantos deles ou pessoas envolvidas com eles irão morrer para depois ressuscitarem com sede de vingança. Após o atropelamento do felino as coisas desandam com acontecimentos desencontrados e culminando em um final corajoso, porém, que pode passar despercebido aos olhos do espectador a esta altura já saturado. O que mais assusta acaba sendo uma trama paralela e do passado de Rachel envolvendo a morte de Zelda (Alyssa Brooke Levine), sua irmã mais velha que sofria de uma doença generativa. Tal gancho é melhor amealhado ao conflito principal nesta releitura que tenta se equilibrar entre o terror clássico e o drama intimista, mas que acaba decepcionando em ambos os campos. Pode ser que a versão moderna de Cemitério Maldito esteja no mesmo patamar que a anterior, mas o filme antigo ainda está muito vivo em nossa memória, assim comparações são inevitáveis. Três décadas parece tempo mais que o suficiente para lançar um novo olhar sobre uma obra, mas para a que está em questão aparentemente é pouco. Não se trata de um daqueles filmes que ficaram esquecidos nos tempos das videolocadoras ou que a TV já o jogou de escanteio. O longa oitentista ainda é figurinha carimbada nos canais fechados e a imagem e som envelhecidos potencializam a experiência assustadora, provavelmente até mais que na época de seu lançamento.
O ritmo contemplativo inicial da
refilmagem tenta seguir os passos do antigo, mas por algum motivo não consegue.
Os personagens não nos conquistam como os de outrora mesmo tendo intérprtes
competentes, destacando-se Lithgow e a jovem Laurence, ainda que ambos com
menos tempo em cena do que mereciam para desenvolver seus enigmáticos perfis.
Seimetz também se sai bem, até por conta do trauma com a memória da irmã aqui
ser mais significativo, mas acaba tendo sua participação no ato final
enfraquecida ainda que Clarke não tenha o carisma necessário para fazer o papel
de herói destemido. No conjunto, toda a memória afeitiva ou curiosidade
inerentes ao título acabam se esvaindo em poucos minutos em um trabalho
genérico, uma produção qualquer de terror cujo objetivo nada mais é que pregar
alguns sustos e justificar sua existência com o pífio argumento de que hoje há
recursos tecnológicos mais avançados para contar histórias que teoricamente
necessitam de efeitos especiais. Tudo babela, dê preferência ao original.
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