segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

MISSÃO BABILÔNIA


Nota 3 Interferência de estúdio colabora no resultado de ficção mal estruturada e sem graça


O que dizer de uma obra que aparentemente tem toda a pompa de superprodução, mas seu próprio diretor e até mesmo o protagonista não ficaram satisfeitos com o resultado final? Pois é, essa é a situação de Missão Babilônia que não chega a ser uma ficção científica cafona cheias de engenhocas e naves espaciais (pelo menos não em números exagerados), porém, não foge do clichê de imaginar um futuro apocalíptico. Com muitos problemas na fase de finalização, o longa tem um visual chamativo e uma ótima parte técnica, mas o conceito do imagem é tudo aqui não funcionou. Sem um bom roteiro não há efeito especial que segure a atenção do espectador. Baseado no livro "Babylon Babies", escrito pelo francês Maurice Georges Dantec, a trama até começa de forma instigante. Um mercenário está correndo apressadamente pelas ruas sob uma forte chuva até que encontra seu alvo, um asiático que lhe vendeu uma arma que não funciona e agora ele quer seu dinheiro de volta. Parece uma introdução tola? Somando-se a outros detalhes que percebemos nesta e em algumas cenas seguintes tomamos conhecimento da visão de futuro que o longa quer apresentar. O mundo não está totalmente devastado com alguns poucos sobreviventes, porém, está caminhando para isso. O individualismo impera, o comércio ilegal dita as regras, militares armados ocupam em peso as ruas, os efeitos do aquecimento global são plenamente perceptíveis, a violência cresceu espantosamente e tantos outros detalhes negativos visuais vão pouco a pouco situando o espectador. 

A ideia de introdução do diretor Mathieu Kassovitz já mostra seu respeito em manter o espírito da obra literária que o inspirou, todavia é quase impossível não ficar com o pé atrás com a produção desde os minutos iniciais por um motivo crucial: Toorop, o tal mercenário, é interpretado por Vin Diesel. Astro de filmes de ação, novamente ele surge inexpressivo, quase como um robô contratado para escoltar a jovem Aurora (Mélanie Thierry) e sua protetora Rebeka (Michelle Yeoh) do Cazaquistão para Nova York. No percurso eles acabam tendo que enfrentar alguns contratempos com indivíduos que estão de olho na moça que por anos viveu reclusa em um convento e que aos poucos revela ser uma pessoa incomum, alguém com inteligência e intuição acima do normal. As limitações artísticas de Diesel neste caso vem bem a calhar. Ele é um assassino profissional e, em tempos em que o lema cada um por si é regra básica para sobrevivência, não pode nem mesmo se dar ao luxo de ser um homem de poucos amigos, ainda mais porque ele segue rigidamente alguns códigos de honra e de conduta que comumente são descumpridos por seus colegas de profissão. Numa época em que a degradação das sociedades divide espaço com o ápice do desenvolvimento tecnológico, incluindo o rastreamento de humanos via satélite, Toorop vive exilado em terras europeias e proibido de retornar aos EUA, mas a chance de reverter isso vem justamente da proposta feita pelo chefão Gorsky (Gérard Depardieu), personagem, aliás, que já é uma das pontas soltas do roteiro escrito pelo próprio Kassovitz em pareceria com Éric Besnard. 


Aurora poderia ser um perfil dos mais interessantes já que pode prever o futuro, fala diversas línguas e é dotada de conhecimentos gerais que seriam impossíveis de serem adquiridos de acordo com a educação que teria tido no convento, fato no último ato explicado da forma mais estapafúrdia possível, mas sua intérprete é fraca demais, seus atos não deixam no ar a mínima sensação se seria a salvação ou a definitiva destruição da humanidade visto que a partir do momento que inicia sua travessia rumo ao solo americano ela teria exatos seis dias para revelar seu bombástico segredo. Realmente tal revelação é uma verdadeira bomba, no mal sentido da expressão, mas algo que poderia beneficiar a ascensão de uma seita religiosa perigosa e de princípios manipuladores cuja líder é High Priestess (Charlotte Rampling), mais uma que surge do nada só para encher linguiça. Considerada apenas um pacote do qual o mercenário quer se livrar o mais rápido possível, discretamente é forçada a certa altura algum tipo de envolvimento emocional entre a jovem e o brucutu, mas que também não acrescenta nada a trama. Outra criação mal estruturada é a da Irmã Rebeka. Deveria ser uma pacifista e conselheira nata, mas na reta final praticamente vira uma lutadora de vale tudo, aproveitando-se do talento para artes marciais de sua intérprete, fora que sua primeira cena é marcada por um constrangedor diálogo com Toorop o que já ajuda a não colocarmos fé nesta guardiã. Todavia, até que a dupla Yeoh e Diesel funciona por encontrar o equilíbrio entre a disciplina dela e a agressividade inerente dele. 

Completando o pacote de erros básicos, ainda temos o cientista Darquandier (Lambert Wilson) que surge nos minutos finais trajando um figurino ridículo e para tentar explicar algumas coisas a respeito de Aurora, mas tudo é em vão quando já estamos fatigados de tanta correria, brigas, tiroteios e um roteiro que seria mais apropriado para um jogo de vídeo game. Em meio a jornada por vários ambientes destruídos e sujos, travessia na qual o trio passa por campos de refugiados, enfrenta a neve e se depara com pessoas do pior tipo possível, Kassovitz demonstra talento para construir uma verdadeira babilônia, um mundo a beira de um colapso com uma direção de arte que nos remete a outras produções futuro-apocalípticas, mas que peca pelo exagero de propagandas espalhadas ao longo da narrativa, principalmente quando a ação é transportada para Nova Iorque que segundo a visão do diretor no amanhã será ainda mais iluminada e agitada. Apesar do conceito interessante que poderia render entretenimento e reflexão, infelizmente não há traços de complexidade na trama que acabou sendo resumida a uma montanha de clichês de filmes de ação e ficção e até mesmo a questão do fanatismo religioso sugestionada não vinga. Culpa do cineasta? No caso de Missão Babilônia talvez não seja certo descarregar toda a culpa em suas costas. A empresa produtora se achou no direito de mandar e desmandar de acordo com seus interesses deturpando a ideia original.


Os produtores interferiram pesado no trabalho de Kassovitz e priorizaram a ação e os efeitos especiais na expectativa de realizarem um blockbuster. O diretor e o próprio Diesel confirmaram em entrevistas as divergências de ideias entre as partes e dizem que aproximadamente uma hora de cenas da versão originalmente programada foram excluídos para diminuir a faixa de censura e o tempo de duração visando atrair mais público e só isso já explica os problemas narrativos. Para que explorar o perfil dos vilões, dar maiores detalhes sobre os interesses que diversos grupos tinham em Aurora ou incitar a reflexão sobre os rumos da humanidade quando o público alvo no final das contas seriam adolescentes e adultos com síndrome de Peter Pan que só querem adrenalina, imagens e sons alucinantes ou uma desculpa para namorar ou se entupir de pipoca e refrigerante? De qualquer forma é Kassovitz quem assina a obra para todos os efeitos, embora também tenha sua parte de culpa na decepção final visto que boa parte dos diálogos e situações são muito ruins e não há edição que justifique tais fatos. 

Ação - 90 min - 2008


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