sábado, 6 de janeiro de 2024

O ÚLTIMO TREM


Nota 6 Com premissa razoável, longa não tarda a se tornar refém de cenas com violência gráfica


Muitos filmes de terror não se levam a sério, isso é fato, e parecem fazer questão de efeitos especiais precários, mortes estupidamente divertidas ou bizarras e litros de sangue falso percebidos a olhos nus. Já outras produções do gênero realmente se esmeram em tentar fazer o espectador roer as unhas e suar frio, o problema é quando o perfeccionismo acaba causando o efeito inverso ao desejado. É justamente isso que acontece com O Último Trem, longa com premissa interessante, bem feitinho tecnicamente, mas que peca pelos excessos de computação gráfica que tiram qualquer sensação de asco ou comoção quando alguém é morto por um assassino mal encarado que ataca nas madrugadas no metrô. Adaptado da obra "Livro de Sangue", mais especificamente do conto "O Trem de Carne da Meia-Noite" de Clive Barker, o responsável pela publicação que deu origem ao cultuado Hellraiser – Renascido do Inferno, o roteiro de Jeff Buhler conta a história de Leon Kaufman (Bradley Cooper) um fotógrafo acostumado a captar com sua câmera fatos cotidianos, até mesmo os mais banais, porém, ele deseja ser um profissional conceituado. Graças ao amigo Jurgis (Roger Bart) ele conhece Susan Hoff (Brooke Shields), uma conceituada organizadora de exposições, mas infelizmente ela esnoba seu trabalho aconselhando-o a ser mais ousado. 

Perdendo o sono por conta do comentário, certa noite o rapaz decide sair para fotografar Nova York sob uma nova ótica, a do submundo marcado pela criminalidade e comportamentos fora dos padrões, e no metrô acaba salvando uma jovem prestes a ser estuprada por uma gangue, não perdendo a oportunidade de registrar as imagens do episódio obviamente. No dia seguinte, Kaufman vê a foto dela no jornal, uma modelo que estaria desaparecida, e quando o fotógrafo revela seus filmes encontra um importante indício: a imagem de um misterioso homem. Intrigado, ele decide voltar ao metrô na noite seguinte e novamente vê o tal figurão. Ele é Mahogany (Vinnie Jones), um grandalhão que está sempre bem vestido e segurando uma maleta, mas com cara de poucos amigos. Obcecado em desvendar o caso da modelo e para desespero de sua namorada Maya (Leslie Bibb), Kaufman transforma em hábito rotineiro as visitas noturnas ao metrô e diariamente encontra o suspeito sozinho ocupando o último vagão da condução. A obsessão do fotógrafo aumenta ainda mais quando ele fica sabendo de outros estranhos desparecimentos envolvendo pessoas que costumavam usar o metrô a noite, inclusive casos registrados anos antes, e assim ele passa a seguir Mahogany e a se envolver em situações perigosas, contudo, mais que revelar que existe um serial killer a solta, Kaufman quer conseguir closes de cenas chocantes capazes de turbinar sua carreira, assim a qualquer momento ele próprio pode se tornar a próxima vítima. Em uma dessas caçadas, o rapaz vai parar em um frigorífico onde encontra seu alvo trabalhando, o que explica seu talento para fatiar corpos, mas quando sua presença é notada passa a ser perseguido. 


O diretor japonês Ryuhei Kitamura optou em realizar este trabalho por dois motivos. Além de considerar um vagão de trem um ambiente claustrofóbico e que naturalmente desperta tensão por conta de que cada viagem é única e não se sabe o que pode acontecer, ele também se identificou com o protagonista, um homem aparentemente frágil, mas que demonstra coragem e determinação para conseguir o que quer. Cooper convence na pele de um pacato cidadão que pouco a pouco vai perdendo a sanidade, uma transformação gradual que acaba sendo a grande força do enredo visto que parte do mistério é revelada precocemente. O vilão de Jones, mesmo sem falar uma única palavra durante todo o filme, causa arrepios e sem dúvidas é um dos mais cruéis que o cinema já viu, tensão ampliada por aparentemente ele matar simplesmente para ter o prazer de esquartejar e destrinchar corpos guardando as partes que julga serem interessantes para sua bizarra coleção de vísceras e afins. Ok, mocinho que enlouquece e assassino colecionador de estranhos souvenires não são novidades, mas a forma como eles são apresentados faz toda a diferença neste caso. O protagonista não difere muito de outros protótipos de heróis desse tipo de produção, mas só por evitar frases de efeito e piadinhas fora de hora já merece um pouco mais de consideração. Agora quem segura mesmo a atenção é o cara do mal, frio e violento ao extremo. Mesmo tendo sua identidade revelada ainda faltando muito filme para rolar, sua personalidade é intrigante afinal ele age com o rosto totalmente exposto e não esboça reação alguma de impacto quando é pego em flagrante curtindo sua carnificina. 

O mistério que leva o criminoso a prática de atos tão cruéis é o que instiga o espectador a ir até o fim, embora a certa altura o filme se torne refém das cenas explícitas de violência, maneira encontrada para contornar o mirrado roteiro visto que o conto original se resume a algumas poucas páginas, além é claro de não faltar a intervenção da polícia. Quem procura um filme como esse geralmente não quer saber de muita conversa e quer logo ver ação, ou em outras palavras muito sangue e perversão. Kitamura dosa bem a quantidade de tais cenas para tentar não transformar seu trabalho em um show de violência gratuita, mas capricha quando a palavra de ordem é detonar. As cenas de mortes são um tanto impactantes, para o bem e para o mal. Elas são explícitas e o diretor investe em mutilações e angulações de câmeras pouco vistas no gênero, mas para tanto acaba precisando lançar mão de efeitos digitais que dividiram opiniões. Algumas pessoas gostaram de ver profunda e detalhadamente corpos sendo estraçalhados (na base de marteladas, facadas, machadadas e tudo o mais que possa ferir até fazer saltar os olhos e o cérebro de um pobre coitado), mas a maioria reprovou o resultado afirmando que as cenas ficaram artificiais, principalmente o aspecto do sangue. Por outro lado, não é sempre que vemos a agressão pela ótica da vítima e tampouco corpos em carne viva dependurados. Destaque para a cena em que Mahogany se distrai com o corpo de um adolescente com a câmera capturando os detalhes mais escabrosos e doentios possíveis como corte de cabelo, retirada de unhas, dentes e até dos olhos, transformando a vítima literalmente em uma carcaça como a de um animal abatido. O espectador mais corajoso a essa altura está sentindo um misto de nojo, angústia e curiosidade, pois é perceptível o deleite do vilão realizando tal tarefa. 


Para os sedentos por gore, logo na introdução já temos uma ideia do que virá a seguir. Um rapaz sozinho em um vagão de trem é violentamente alvejado por um objeto estranho e tal sequência terá importância para compreendermos o final. Falando nisso, a conclusão da história é outro ponto que suscita discussões. Embora compreensível encarando a trama como pura fantasia, não deixa de gerar ao menos uma pontinha de frustração visto que o desfecho teria subsídios suficientes para justificar tanta violência pelo viés psicológico e/ou social. Os minutos finais confirmam a vocação de filme B de O Último Trem, mas até que esta obra não é das piores. Argumento interessante, desenvolvimento do roteiro satisfatório, atuações convincentes e mortes não gratuitas ajudam a elevá-la de patamar, porém, o emprego de tecnologia sofisticada e efeitos de edição pouco convencionais para o gênero de horror foram usados em excesso e não estamos nem na metade da projeção quando eles acabam se tornando a verdadeira razão de ser do produto. A história já não importa mais, o clima de suspense que já não era dos melhores desmorona completamente e resta aos que tiverem estômago forte seguir adiante e ver até onde esta doentia trama chegará. Após ver a citada cena-fetiche da sádica e bizarra dilaceração de um adolescente, o que mais se pode esperar da mente de Kitamura?

Terror - 96 min - 2008

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