quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

AMIZADE COLORIDA


Nota 7 Comédia começa de forma ousadamas trata de voltar atrás e honrar as leis do gênero


A liberdade e as possibilidades que a juventude propicia sempre foram muito exploradas pelo cinema investindo principalmente no lado sexual da situação, o que acabou sendo confundido com libertinagem e resultando em pérolas como a franquia American Pie e uma porção de títulos estrelados por Ashton Kutcher e contemporâneos. Os atores e o público-alvo crescem e assim os estilos de filmes precisam ser reciclados também. Hoje homens e mulheres quarentões já estão bem representados nas comédias cuja faixa etária dos protagonistas é de meia-idade e conquistam espectadores de variadas épocas. Agora os novos jovens maduros, aquela turma que já passou dos 25 anos, mas ainda está um pouquinho longe dos 40, quer se ver representada. Eles em geral (pelo menos no cinema) são pessoas com um bom emprego, são independentes, vão a festas frequentemente e estão abertos a relacionamentos rápidos, até mesmo de poucas horas, mas o curto tempo para se conhecerem não os impede de ir aos finalmentes.  Em 2011, Kutcher estrelou ao lado de Natalie Portman Sexo sem Compromisso, que deixa no título de forma escancarada as intenções dos protagonistas. De um jeito mais sutil (só no título) meses depois surgiu Amizade Colorida que traz Mila Kunis e Justin Timberlake encabeçando o elenco. 

Pela introdução, aparentemente, temos a ideia de que vamos assistir a um daqueles filmes em que o casalzinho briga o tempo todo e no final se acerta. O final é esse mesmo (todos sabemos o que esperar na conclusão de uma comédia romântica, salvo raras exceções), mas o que importa é como chegar a esse final feliz e nisso o roteirista e diretor Will Gluck é bem esperto desde a primeira cena. Responsável pelo sucesso teen A Mentira, parece que ele está se especializando em histórias cujos protagonistas tem comportamentos fora dos padrões e até mesmo surreais, mas consegue fazer com que eles cativem o espectador. Jamie (Kunis) é uma especialista em encontrar talentos para atuarem em uma grande empresa de Nova York, mas no amor não tem sorte. Decidida a não se envolver mais emocionalmente, apenas fisicamente, não demora para que um rapaz com o mesmo objetivo surja em seu caminho e ainda podendo lhe render algum dinheiro. Dylan (Timberlake) é um excelente profissional das artes com computação e é o perfil adequado que a caça-talentos procura para apresentar aos seus superiores, mas acaba encontrando nele o amante ideal também. 


Reticente inicialmente com a proposta de se mudar de Los Angeles e aceitar o novo emprego, o rapaz toma essa decisão muito por conta da insistência de Jamie que apresenta em detalhes todos os atrativos que o agitado mundo nova-iorquino poderia lhe oferecer, inclusive o sexo casual. A grosso modo a proposta pode espantar. No mundo todo ainda predominam as tradições e regras básicas do envolvimento amoroso, embora a ida para cama que era o último estágio para um casal já esteja sendo aceita com naturalidade antes do casamento. O roteiro ironiza os clichês dos relacionamentos (inclusive dos presentes no cinema) e nos mostra praticamente dois animais no cio que parecem insaciáveis, porém, Gluck se arma contra o apedrejamento. Ao mesmo tempo em que se mostram irracionais quanto ao sexo e blindados ao amor, os dois são pessoas com vazios a serem preenchidos emocionalmente por conta de problemas familiares, mas o roteiro não apela ao dramalhão. A mãe de Jamie, Lorna (Patricia Clarkson), é uma beberrona compulsiva sexual que tem uma relação franca com a filha. Aliás, a garota tem o exemplo em casa do sexo sem compromisso. Já Harper (Richard Jenkins), o pai de Dylan, sofre de Alzheimer, mas é o orgulho da família e também tem algumas cenas engraçadas, mas sem explorar de forma desrespeitosa os sintomas da doença. Assim, os protagonistas que pareciam vazios ganham certo sustento.

Mas como se envolver com a história de duas pessoas que aceitam passar a noite juntas e no outro dia conversarem sobre a possibilidade de um novo parceiro para cada um ou resolvem passar o tempo assistindo um filme como amigos que jamais se tocaram? Esta comédia romântica é dúbia. Começa as avessas para no seu segundo ato sucumbir ao politicamente correto. Agrada alguns pela inovação inicial (apesar do tema já estar ficando batido) e deixa muita gente boquiaberta com o excesso de cenas de sexo, ainda que não sejam totalmente explícitas, mas faltou pouco. Embora Mila e Timberlake causem empatia e tenham química, não sabemos se ficamos mais ruborizados com as imagens ou com os diálogos e piadas de duplo sentido. Realmente o filme é um pouco extenso e se beneficiaria com os cortes de alguns desses abusos, partindo logo para o segundo ato que também não agrada unanimemente. Tem gente que preferia que o comportamento devasso dos protagonistas fosse levado adiante, mas qual seria o desfecho desta relação? Quem busca ver uma comédia romântica até aceita um pouco mais de ousadia, mas há certas regras que o gênero deve obedecer. Dessa forma, Gluck passa a trabalhar mais com o romantismo do que o liberalismo da metade para o final. 


O ponto de virada da trama é a visita de Jamie na casa da família de Dylan. Antes um boneco sexual, o rapaz agora ganhava uma história de vida que viria a mexer com a mocinha. A liberdade dá lugar ao recato e ao previsível. O aconchego do lar que tanto segurou Dylan a tomar a decisão de mudar de cidade acaba embriagando Jamie que não tinha lembranças tão inocentes e felizes de sua família. O mundo nova-iorquino onde tudo é possível é posto em xeque e a valorização do campo afetivo triunfa. É até uma crítica implícita no roteiro. Todo jovem sonha em ser bem-sucedido, morar só, poder passar cada noite com alguém diferente, enfim vivenciar um momento onde o tempo parece voar e o descartável ser imprescindível.  Essa fase pode demorar a passar, mas uma hora acaba. É justamente isso que faz de Amizade Colorida um projeto convencional e no conjunto bastante agradável. O amor toma as rédeas da situação. Curiosidade: o ator Woody Harrelson tem um papel pequeno, mas responsável por bons momentos cômicos vivendo um gay nada estereotipado e, ironicamente, funcionário da editoria de esportes de uma publicação conceituada. É de pitadas de ousadia que as receitas básicas do cinema vão atravessando gerações, mas de preferência sem alterar o sabor original.

Comédia romântica - 109 min - 2011

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Um comentário:

Gilberto Carlos disse...

Ainda não assisti o filme. Mas parece ser bem parecido com outro que o Ashton Kutcher fez: Sexo sem compromisso...