Nota 6 Remake de comédia britânica apenas copia a original, adicionando desnecessários exageros
Antigamente eram muito comuns comédias em que durante reuniões familiares a câmera passeava ocultamente entre os diversos espaços da ambientação a fim de bisbilhotar os momentos mais íntimos e vexatórios dos convidados e anfitriões até culminar em um desfecho em que as diversas tramas se fundiam para o pronunciamento da mensagem-clichê de que família é tudo, é preciso esquecer as mágoas e todo esse papo meloso. Para fazer humor essa tática é um prato cheio, mas a fórmula nem sempre é bem aplicada e hoje em dia, talvez pelo excesso de obras do tipo no passado, caiu em desuso. Entretanto, vira e mexe algum novo exemplar da seara é lançado e Morte no Funeral tentou reativar o estilo aproveitando-se da boa repercussão do filme homônimo original, uma comédia de humor negro de origem inglesa e que fez sucesso no circuito alternativo de vários países, todavia, não havia uma justificativa plausível para a realização de uma versão americana, ainda mais em um espaço de tempo tão curto. Apenas três anos separam o lançamento da obra britânica e o remake ianque e neste caso não cola a velha desculpa de que o público da terra do tio Sam não curte legendas e tampouco dublagens. Filmes-pipoca são símbolos da cultura norte-americana e deve ser um baque e tanto quando um produto alheio do tipo consegue sucesso e apoio da crítica.
O ator Chris Rock, em parceria com Aeysha Carr, tratou de adaptar o roteiro original de Dean Craig, mas basicamente só mudou os nomes dos personagens, escolheu um elenco predominantemente afrodescendente e nem se deu ao trabalho de procurar outro ator para viver um tipo-chave da trama. Aaron (Rock) é um rapaz íntegro e responsável que está apreensivo para a cerimônia de funeral do pai. Como filho mais velho, ele se encarregou de tudo, inclusive redigir um belo discurso para homenageá-lo, enquanto seu irmão Ryan (Martin Lawrence), um escritor de sucesso e que esbanja dinheiro com futilidades, parece pouco ligar para a perda da família. Aparentemente os irmãos se dão bem, apesar de Aaron se ressentir de também não ter conseguido sucesso como escritor, ainda mais sabendo que o caçula da família ganha a vida escrevendo textos medíocres. Contudo, o clima entre eles azeda por causa das despesas do funeral, mas nada que se compare ao que está por vir. Com parentes e amigos reunidos, muitas situações inusitadas começam a acontecer e impedem que a cerimônia siga tranquila e cumprindo os trâmites tradicionais. Mágoas, picuinhas, vexames e até um pequeno grande segredo revelado vão fazer os planos para uma cerimônia perfeita caírem por terra.
Oscar (James Marsden) está apreensivo por reencontrar Duncan (Ron Glass), o pai de sua namorada, Elaine (Zoe Saldana), pois eles não se bicam pelo fato do futuro sogro ser racista e não apoiar a relação da filha com um branquelão. A garota incentiva o rapaz a tomar uma espécie de calmante que é tiro e queda, mas por engano lhe entrega um frasco com comprimidos alucinógenos que seu irmão Jeff (Columbus Short) ia entregar a um cliente antes do velório. Quando chegam à casa do falecido, a moça encontra o primo Norman (Tracy Morgan), um sujeito neurótico com doenças e que trouxe o não menos complicado tio Russell (Danny Glover), um idoso resmungão e mal educado, mas que depende da caridade dos outros já que está preso a uma cadeira de rodas. Elaine também reencontra Derek (Luke Wilson), seu ex-namorado, e o rapaz obviamente não vai perde a chance de tentar reconquistá-la. Enquanto isso, Michelle (Regina Hall), a esposa de Aaron, tenta engolir as provocações de Cynthia (Loretta Devine), sua sogra que mesmo recém-viúva está com a língua afiada e reclama da falta de netos. A moça está louca para engravidar para ver se a relação entre elas melhora, embora não veja a hora que o marido coloque as mãos na herança. Dos males esses são os menores, pois o pior ainda está por vir quando surge Frank (Peter Dinklage), um pequenino e misterioso homem que ninguém sabe o porquê de estar presente na cerimônia. Seria melhor que eles nem ficassem sabendo o motivo.
Comparando com a sinopse do original, o filme é exatamente o mesmo do início ao fim. Até a animação que acompanha os créditos iniciais mostrando o trajeto de um caixão até o velório foi copiada. Quem teve a oportunidade de assistir ao longa britânico deve ficar incomodado ao assistir a versão americana assinada pelo diretor Neil LaBute, bem menos inspirado que nos tempos da comédia A Enfermeira Betty. A sensação é de ser enganado, gastar tempo ou dinheiro para ver um repeteco que, apesar de bem realizado, parece não ter vida própria e tentar ao máximo copiar sua fonte. Por outro lado, quem não assistiu a comédia original deve se divertir com a obra que atende as expectativas (talvez até supere) de quem se sentir atraído pelos nomes de Lawrence e Rock nos créditos, mestres na arte de fazer rir lançando mão de trejeitos e expressões faciais exagerados. Além disso, há o fator da identificação. É difícil não reconhecer o perfil de algum parente ou conhecido em cena ou até mesmo já ter vivido momentos parecidos com os dos personagens, o que é um ponto positivo do filme. Qualquer reunião familiar tem ao menos uma fofoca, mico ou barraco, assim como algum resmungão, beberrão ou fanfarrão. A decepção de um evento planejado nos mínimos detalhes não ser realizado como se esperava torna-se o elo infalível com o espectador. É uma pena que o elenco pareça atuar no piloto automático ou buscar desesperadamente o tom alcançado pelos intérpretes britânicos, mas no final das contas os personagens soam demasiadamente unilaterais.
Sem conseguir manter a mesma classe e o tom sarcástico da produção europeia, praticamente tudo na refilmagem de Morte no Funeral tem cara de deboche e o fato de uma família negra bem numerosa ser a protagonista da história contribui para a produção ganhar um tom requentado. A opção deixa clara a tentativa de atrair um público mais amplo e popular apelando para uma fórmula já consagrada até mesmo na TV, o que agrega ao produto um estilo de episódio de seriado esticado. Dinklage é o único que oferece o verdadeiro tom de humor negro que fez a fama do longa britânico. Pudera, seria o cúmulo errar a mão interpretando o mesmo papel e se bobear até as falas não tem uma vírgula de diferença. E como explicar a presença do veterano Glover em um papel tão aquém de seu talento? O resto do elenco está razoável com os picos de exagero já esperados nas comédias hollywoodianas, mas curiosamente o público norte-americano não deu muito atenção ao filme. Com baixa bilheteria e críticas fracas, a produção inevitavelmente acabou carregando aquela publicidade extra e ingrata de que é um legítimo exemplar de obra do tipo caça-níquel. Regrinha básica para os amantes de cinema: cuidado com as cópias. Prefira sempre o original.
Comédia - 92 min - 2010
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