NOTA 2,0 Mais uma vez Nicolas Cage surge inexpressivo em produção esquecível, um remake bobo e cheio de erros narrativos |
Um assassino
profissional deve ser rápido, não deixar pistas, ter sangue frio e jamais se
envolver com suas vítimas ou quem quer que seja. É uma pessoa solitária que
raramente pode se dar o direito de aproveitar o mundo real, mas logo precisa
retornar a sua clausura, ao seu universo particular. O isolamento do
protagonista de Perigo em Bangkok ironicamente pode ser compreendido como uma
metáfora ao sentimento do espectador diante do longa. É muito difícil se sentir
inserido neste universo em que o silêncio e o barulho de perseguições e
tiroteios se alternam, mas em nenhuma destas circunstâncias identificamos algum
elemento que faça este passatempo valer a pena. O campo de ação e suspense
outrora era o porto seguro do ator Nicolas Cage, mas infelizmente mais uma vez
ele colecionou um novo fracasso para o seu então já combalido currículo,
contudo, o projeto teoricamente parecia ter potencial. Refilmagem de um longa
homônimo tailandês de 1999 dirigido pelos irmãos Oxide e Danny Pang, que depois
viriam a fazer fama com produções de horror como Assombração, a obra tentaria ser ao máximo fiel ao original, tanto
que os diretores foram mantidos assim como o cenário. Todavia, o orçamento seria bancado por
Hollywood, o que implica na aceitação de certas exigências. Os irmãos já não
haviam se dado bem na primeira incursão americana, o suspense Os Mensageiros, mas agora estavam com
material próprio em mãos, o que aumenta as chances de acerto, ainda mais que
ele havia recebido o prêmio da crítica no Festival de Toronto de 2000. Filme de
ação premiado? Sim, qual o problema? Provavelmente o longa original era melhor
estruturado e com personagens mais sólidos, tudo o que falta ao remake. Na trama
escrita por Jason Richman, do superior Em
Má Companhia (o que não chega a ser um grande elogio), Cage vive Joe, um
assassino profissional muito competente, mas que chegou a um estágio da
atividade em que pesa a solidão que ela exige. A introdução busca fisgar o
espectador dando a entender que este não é um filme de ação e suspense sem
propósitos. Com narração em off, o protagonista revela detalhes sobre seu
cotidiano que não compreende contatos sociais, apenas regras a serem
rigidamente seguidas para seu trabalho ser perfeito. No entanto, ele sonha em
abandonar essa carreira e levar uma vida normal.
Conhecido por
ser um matador que não falha e livre de remorsos, Joe é contratado por Surat
(Nirattisai Kaljaruech), um poderoso gângster tailandês para ele ir até a
cidade de Bangkok para eliminar quatro desafetos do criminoso. Ele aceita a
missão como seu último trabalho. Chegando lá ele contrata um ladrãozinho
pé-de-chinelo chamado Kong (Shahkrit Yamnarm) para vigiar e comunicar todos os
passos dos alvos a fim de traçar a melhor estratégia para eliminá-los. Como de
costume, o ajudante também será morto ao término do acordo, mas neste caso o
matador quebra as próprias regras que se impôs. Estranhamente, ele se apega ao
jovem e passa a atuar como uma espécie de mentor. Ao mesmo tempo, Joe acaba se
interessando por uma atendente de farmácia, Fon (Charlie Yeung), uma garota
nativa completamente surda e muda. Talvez vivendo a famosa crise da meia-idade,
o matador acaba baixando a guarda, mas justamente quando Surat decide partir
para cima dele. Mas ele não ia fazer um grande favor a esse bandido? Qual
interesse em ter Joe morto? Abafa o caso. Se bons filmes de ação já têm lá seus
furos, imagine quando a produção é mal feita do início ao fim. Geralmente dizem
que os problemas dos trabalhos de Cage é ele mesmo, mas é certo que além do
ator não buscar se renovar os roteiros que ele aceita são duros de engolir. A
premissa no caso não é das piores, já até foi usada em outros trabalhos de
forma idêntica ou com variações, mas o problema é como a história é
desenvolvida. Após os primeiros minutos, que devem animar os fãs de gênero e
dar uma pontinha de esperança a quem preza pelo conteúdo, a dispersão de
atenção já é notada, a começar pela forma suja e decadente como Bangkok é captada.
Diante dos olhos estáticos e semblante apático de Joe, vemos uma cidade
caótica, movimentada e onde a vida noturna se confunde com o submundo. Enquanto
moças dançam em boates a procura de “serviços extras”, fora desses locais
conchavos de criminosos fervilham seja para venda de drogas, muambas, extorsão
ou o simples prazer de matar. É uma visão singular e preconceituosa, necessária
para dar clima à produção, mas que pode ser mal interpretada por muitos. Cage,
com seu pavoroso corte de cabelo, parece um zumbi ou extraterrestre em cena,
afinal seu personagem não está acostumado a badalar. Seu incômodo é perceptível
e se confunde com a sensação que a essa altura o espectador já está sentindo.
Quem se guia pelo título, espera ver muitas cenas de perseguição e com barulhos
ensurdecedores de tiros e derrapagens de carro, no caso com o acréscimo de
possíveis cenas de lutas visto o cenário oriental da trama. Decepção a vista.
Tais sequências não empolgam, são rápidas e aquelas que deveriam representar o
ápice de tudo pecam pelo excessivo uso de tons escuros o que compromete a
apreciação, isso se alguém ainda estiver acordado na reta final.
Se fica a dever
em adrenalina, pode ser que os diretores tenham optado em elaborar melhor os
ganchos dramáticos do enredo. Nada disso. O envolvimento de Joe e Kong não
passa credibilidade, soa forçado, ainda mais quando nos damos conta da rapidez
com que o pupilo aprendeu a lutar, mas de qualquer forma o rapaz talvez seja o
único personagem que consiga demonstrar alguma emoção genuína. Pelo seu
histórico de vida, é nítido que lhe faltou uma figura paterna como exemplo, por
isso sua afinidade instantânea com aquele que lhe estendeu a mão. Inicialmente
ele não sabe bem qual a profissão de Joe e pode ser que o enxergue como uma
espécie de segurança, o que lhe inspira confiança. E o que dizer do forçado
romance que não decola? Como um homem frio e avesso a contato pessoal pode de
uma hora para a outra ceder aos encantos de uma moça, ainda mais quando a jovem
em questão não tem graça alguma? O fato de ser surda e muda por ser
interpretado como uma descarada forma de envolver o espectador para torcer pela
redenção do protagonista, no entanto, a armadilha falha pela total falta de
emoção desta relação, algo acentuado pela inexpressividade da atriz.
Involuntariamente as cenas de Fon e Joe provocam risos desde o primeiro
encontro em uma farmácia no qual ela faz mil e umas mímicas para conseguir
estabelecer contato com o matador que então está ferido. Se ele há anos evita
contato social, como ele se comunica tão bem com a moça compreendendo seus
gestos e expressões? E como ela trabalha em uma profissão que exige diálogo com
o público? A falta de credibilidade do romance fez com que os Pang abandonassem
o gancho pouco depois da metade da projeção, mas já tarde demais para consertar
alguma coisa. Geralmente remakes são
rotulados como produções inferiores e realizadas com o único objetivo de
lucrar, não importando se vão subestimar o espectador ou se aproveitar da
memória curta do mesmo. Pior é quando obras relativamente recentes ganham uma
repaginada de seus próprios criadores, tudo para atender as vontades dos
espectadores americanos que são avessos a produtos estrangeiros por conta das
legendas ou dublagens. Perigo em Bangkok, no entanto, não
agradou e afundou nas bilheterias, não sendo nada mais que um passatempo
ligeiro para platéias pouco exigentes e que se contentam com clichês. Para quem
gosta de conteúdo, um verdadeiro exercício de paciência difícil de ser
concluído.
Ação - 99 min - 2008
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