Nota 5 Refilmagem soa antiquada visto que o vilão deixou de ser aterrorizante como no passado
O ano era 1984, uma época de muitos arrasa-quarteirões nos cinemas e gloriosa para o gênero de horror. Em meio a tantas produções com objetivo de causar arrepios e fazer os espectadores roerem as unhas surgiu um ícone que perpetuaria sua imagem pelas décadas seguintes e criaria raízes no universo pop. Freddy Krueger de imediato caiu nas graças do público. Embora um sádico e perverso vilão, havia certo quê de humor em sua personalidade e seu próprio visual carnavalesco o ajudou a conquistar um lugar de destaque, distanciando um pouco sua imagem das de outros psicopatas, como Michael Myers de Halloween e Jason Voorhees de Sexta-Feira 13, este último que chegou a dividir um crossover com o cara do famoso suéter rubro negro em 2003, até então a última aparição de Krueger que já havia estrelado outras seis sequências de seu longa original, inclusive sendo dado definitivamente como morto na última. Tanta exposição sugou ao máximo o talento e disposição do ator Robert Englund que não estava mais disposto a encarar horas de maquiagem e mesmo com seu rosto escondido ter sua carreira prejudicada, sendo um nome apenas lembrado para produções de terror e ainda assim fazendo pequenas pontas disfarçadas de homenagens. Se era necessário procurar um novo intérprete para manter o vilão em atividade, por que não recomeçar tudo do zero? Em uma época marcada por refilmagens do gênero, a ideia do remake de A Hora do Pesadelo parecia soar como uma mina de ouro, mas revelou-se uma tremenda furada.
Aqui temos a mesmíssima trama do original, o que certamente facilitou o trabalho dos roteiristas Wesley Strick e Eric Heisserer que precisaram fazer apenas alguns ajustes para ambientá-la as modernidades do século 21. A introdução mostra o aparente suicídio de Dean (Kellan Lutz), um rapaz que já de algum tempo vinha se privando do sono por conta de um medo incontrolável. Em seu funeral, a namorada Kris (Katie Cassidy) vê uma foto sua com o rapaz quando eram crianças, mas não se recorda de tê-lo conhecido até a adolescência. Logo ela e alguns amigos também passam a ter problemas para dormir, todos relatando pesadelos similares com a figura de um homem deformado por queimaduras e usando uma luva com garras afiadas, um sujeito que de alguma forma está ligado ao passado de todos eles. O problema é que por mais que se esforcem para não adormecerem, fatalmente mais cedo ou mais tarde eles acabarão caindo no sono, o canal para Krueger entrar em suas mentes e se divertir torturando-os e caso morram nos sonhos o mesmo acontece na vida real. Nancy (Rooney Mara) e Quentin (Kyle Gallner), duas vítimas em potencial, então resolvem investigar as mortes dos amigos, mas a sondagem é levada de uma maneira tão desleixada que em alguns momentos eles parecem se esquecer que vivem na era da internet na qual as informações estão a um clique do alcance. De qualquer forma, eles descobrem qual a ligação do assassino com suas vidas e que a única maneira de se livrarem dele é matando-o, mas como exterminar alguém que teoricamente já está morto?
Coube ao ator Jackie Earle Haley vestir o figurino de Krueger e surpreender com uma abordagem mais agressiva e pontuada por humor negro. Até a caracterização foi aperfeiçoada com uma maquiagem mais próxima à queimaduras reais. Como nos outros filmes da franquia, continuamos torcendo pelo vilão que se revela muito mais carismático e atraente que os heróis. O roteiro aponta para um, depois para outro e por fim opta por um terceiro para ser o salvador da história. O que poderia ser benéfico gerando interesse em descobrir quem enfrentará o assassino por último acaba revelando deficiências tanto do roteiro quanto da direção incapazes de criar mocinhos interessantes. A verdade é que Krueger precisava urgentemente voltar às suas origens. Ele já nasceu com um senso de humor peculiar, mas a cada novo episódio lançado seu perfil se aproximava mais ao de um palhaço que ao de um serial killer legítimo. Chegou um momento que a própria franquia assumiu seu lado comédia involuntário, já que o público passou a assistir os filmes torcendo para o vilão, cheio de piadinhas infames e sarcasmo, em detrimento aos mocinhos apáticos e sem história para contar. Krueger se transformou em um brother para os adolescentes, aquele amigo que brinca sem limites e que no auge da loucura diverte os demais que não pensam nas consequências. Todavia, se no original o personagem era simplesmente um desequilibrado assassino de criancinhas e adolescentes, faz muito sentido a opção em agora mostrar seu passado como um pedófilo, o que ajuda a explicar o mistério de todas as vítimas terem se conhecido na infância.
A trama basicamente é uma colcha de retalhos de clichês, diálogos expositivos ao extremo e personagens bastante superficiais. A ideia para a refilmagem surgiu após a releitura de Sexta-Feira 13 que não foi um estouro de bilheterias, mas também não sofreu críticas pesadas. A intenção era assim como fizeram com o icônico Jason, abandonar os alívios cômicos para deixar Krueger mais assustador e manter a trama nos trilhos do suspense e tensão. É uma pena que o vilão apareça menos do que deveria e quando o faz está sempre sob sombras que impedem de ver seu visual por completo. De fato, visualmente o longa está predominantemente sombrio, mas a direção do estreante Samuel Bayer mostra-se frouxa, incapaz de imaginar situações que renderiam cenas espetaculares utilizando todo o potencial e habilidades do vilão, afinal ele age no mundo dos sonhos onde tudo é possível. Ele se contenta em estragar momentos icônicos da fita original com a edição e os efeitos sonoros entregando os ataques de bandeja e usando efeitos digitais capengas. Ironicamente, uma das justificativas para fazer o remake seria aproveitar as tecnologias modernas que poderiam melhorar o que foi feito décadas antes, inclusive com os produtores se dando ao luxo de desprezar a consultoria do mestre Wes Craven, o pai da criatura.
A nova visão de A Hora do Pesadelo tinha um gigantesco potencial, mas erra por não ousar, aceitar ser apenas mais um filme de terror adolescente sem um terço da criatividade do original, um produto apático e sem o menor compromisso com os fãs das antigas e muito menos propenso a conquistar novas plateias, quando na verdade a empreitada deveria ser um esforço comercial para resgatar a essência da franquia e renovar seu público. Talvez o problema também seja o fato que Krueger há muito tempo deixou de se tornar uma criatura ameaçadora, seus propósitos soam ultrapassados. Para a turma oitentista, ele era a materialização da culpa. Mocinhas serelepes aproveitavam quando estavam sozinhas em casa para avançarem o sinal com os namorados e, como mandava a cartilha do gênero, os promíscuos mereciam ser castigados. Hoje o sexo é vivido sem culpa, com múltiplos parceiros e é feito com a benção e até mesmo a presença dos pais em casa. Até drogas e bebidas já não são tabus tão graves. O que amedronta a juventude atual? Talvez postar fotos nas redes sociais e não bombar nos likes e outras superficialidades que não justificariam a invasão de Krueger nos sonhos de gente tão desmiolada. O melhor era ter deixado o personagem como uma lembrança nostálgica de uma época em que o medo e a inocência caminhavam em paralelo.
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