NOTA 8,0 Primeiro desenho da parceria Disney/Pixar agrada com humor, cores vibrantes e agilidade, mas se esperava mais do roteiro |
Disney e Pixar há anos formam uma
parceria de sucesso, porém, até 2007 havia uma racha entre os estúdios, algo
perceptível na irregularidade das produções lançadas. Enquanto uma surpreendia
com tramas que agradavam a todas as idades e com visuais acachapantes, como Monstros S.A e Os Incríveis, a outra tentava sobreviver procurando dar vida à
combalida animação tradicional com textos originais, como Lilo e Stitch e Nem que a
Vaca Tussa, e até se arriscou no campo da animação computadorizada com O Galinho Chicken Little, mas o fato é
que a situação estava insustentável. A casa do Mickey Mouse antigamente só
tinha acordo para distribuir os produtos Pixar sem ter o poder de interferir
nas produções, assim as duas empresas precisavam se unir em definitivo ou então
uma delas teria que sair de cena e todos sabem de que lado a corda arrebenta em
casos assim. Felizmente a união com direitos iguais para ambas as partes
prevaleceu e o primeiro fruto do casamento foi Bolt – O Supercão. A
animação já estava prevista antes do fechamento da parceria, mas certamente o
resultado final seria bem diferente caso o seu comando não tivesse caído nas
mãos do diretor John Lasseter, de Toy
Story. Sob sua batuta o projeto foi inteiramente remodelado de forma a
agregar as características que fizeram a fama de seu antigo estúdio-solo, ou
seja, história ágil e inteligente, personagens carismáticos e visual colorido e
rico em detalhes. Contudo, o chefão preferiu não atrelar diretamente seu nome à
produção, talvez uma forma de se proteger caso o filme fracassasse, e assim ele
supervisionou o trabalho de uma dupla de animadores, Byron Howard e Chris
Williams, que se saíram muito bem na difícil tarefa de assinar o primeiro
longa-metragem Disney/Pixar. A trama começa com a garotinha Penny ganhando um
cãozinho de verdade que batiza de Bolt, aquele que seria o amigo mais fiel de
toda a sua vida. Quando ela já é uma adolescente, o bichano se torna
literalmente seu cão de guarda, tendo sido modificado geneticamente pelo pai
dela para ganhar certos poderes especiais, como força extra e um super latido.
Dr. Calico, também conhecido como o homem do olho verde, sequestrou o pai da
garota, provavelmente para usufruir de sua inteligência, e agora Bolt e Penny
precisam se unir para resgatá-lo e dar uma lição ao vilão. Esse seria um bom ou
fraco roteiro para uma animação? O fato é que essa sinopse não é a respeito do
filme e sim uma brincadeira que serve como estopim para o foco principal.
O roteiro de Dan Fogelman em
parceria com o próprio diretor Williams coloca Bolt quase como uma criança
inocente. Ele na verdade faz parte de um seriado de aventura da TV, mas não se
dá conta disso, embora os laços afetivos que existem com Penny sejam reais.
Dessa forma o cãozinho acredita desde que era um filhotinho que realmente tem
super poderes e que nada pode detê-lo, assim como também ninguém tira da sua
cabeça que sua dona está sempre em constante perigo. Ele se acostumou a viver
nesse mundo de faz-de-conta, mas inesperadamente vai ter que encarar a
realidade, mas como fazer isso quando a fantasia é o seu modelo de vida real?
Complexo não? Como todo programa de televisão, a série inevitavelmente começa a
perder audiência após algum tempo e o diretor, pressionado pelos dirigentes da
emissora, resolve mudar o estilo narrativo e passa a criar um gancho entre um
capítulo e outro, assim separando Bolt e Penny para prender a atenção dos
espectadores. Se para as atores assim que as câmeras são desligadas o trabalho
acabou, para o cão não e ele realmente acredita que sua amiga está em perigo e
resolve salvá-la. Dos estúdios refrigerados e cheios de mordomias de Los
Angeles ela vai parar acidentalmente nas agitadas e perigosas ruas de Nova
York. A partir de então, acompanhamos o drama de Penny e companhia preocupados
com o sumiço repentino do protagonista da série, mas o que mais chama a atenção
é a adaptação dele à realidade. Pouco a pouco, e colocando sua vida em risco,
ele vai tomando consciência de que não é dotado de poderes especiais e que é
tão vulnerável quanto a magrela gata Mittens, com quem faz amizade nas ruas e a
responsável por ajudá-lo a cair na real. Por outro lado, o hilário hamster Rhino,
outro novo amigo, é fã incondicional das aventuras do cãozinho e seu entusiasmo
exagerado em conhecê-lo pessoalmente só faz aumentar o ego do falso herói, mas
com o tempo ele também consegue distinguir o personagem do “ator” passando a
colaborar em sua jornada de autoconhecimento. É importante destacar que a
sarcástica gatinha não é um mero personagem coadjuvante, mas é essencial para
acentuar o contraste proposto pelo enredo. Mittens é suja, maltratada e mirrada
enquanto Bolt é robusto, limpinho e com os pêlos bem penteados, mas nem toda
essa produção o impede de se tornar apenas mais um cãozinho à solta nas ruas,
fato que ele se nega a aceitar.
Para quem é cinéfilo, fica claro
que este longa bebe na fonte de outras três produções muito famosas. Inspira-se
em Toy Story ao colocar um personagem
que vive 24 horas por dia literalmente vestindo a fantasia tal qual o
astronauta Buzz Lightyear que custou a compreender que era um brinquedo e que
deveria se comportar como tal, quase inanimado perante os humanos, mas dotado
de personalidade longe deles. O fato de Penny sofrer com a fuga de seu
companheiro de gravações também remete ao sentimento que unia o garoto Wendy ao
boneco cowboy Woody. Já os problemas de identificação de onde termina a ficção
e começa a realidade fazem alusão a comédia dramática O Show de Truman – O Show da Vida, na qual Jim Carrey interpreta um
pacato cidadão que só quando adulto descobriu que desde a sua infância seu
cotidiano é vigiado por câmeras que alimentam um reality show, na realidade um
programa cuidadosamente dirigido e respeitando seu estilo de vida para que o
protagonista não percebesse a armação e assim mantivesse a naturalidade, o
mesmo que acontece com Bolt que até nos intervalos de trabalho não desgruda os
olhos de sua dona a fim de protegê-la não se dando conta das câmeras,
refletores e tantas outras bugigangas que o cercam. Por fim, o desenho Carros é lembrado pelo fato do
cachorrinho precisar atravessar os EUA para voltar a sua cidade de origem,
assim obrigando-o a conhecer regiões, amigos e sensações que sua redoma de
vidro o impedia até então, consequentemente transformando-o em alguém melhor
assim como aconteceu com o campeão de corridas Relâmpago McQueen. Na realidade,
um dos tópicos principais da cartilha de trabalho da Pixar é que em todos as
suas obras existem personagens em busca de redenção ou superação através de um
desafio que precisam vencer. Até o robozinho de Wall-E embarca em uma jornada na qual cada nova descoberta é de
suma importância para seu crescimento como “pessoa”. E vilões não existem nesta
história? Dr. Calico só toca o terror na ficção enquanto Mittens pode parecer
suspeita inicialmente, mas logo percebemos que seu jeito felino de ser
(trocadilho irresistível) é a forma que encontrou para sobreviver nas ruas. O
grande vilão na realidade é o próprio receio de Bolt em encarar os fatos pelo
medo do desconhecido, afinal tudo que ele achava capaz de enfrentar era feito
de isopor ou espuma, mas fora dos estúdios pau é pau e pedra é pedra. Não é a
toa que ele se desespera ao sofrer um ferimento e ver pela primeira vez a cor
de seu sangue. Bolt – O Supercão no
conjunto agrada crianças e adultos, mas é certo que se esperava mais deste
primeiro produto Disney/Pixar, até porque a introdução prometia algo mais ousado
já que parte de uma piada em torno dos clichês de filmes de ação. Mesmo assim,
a junção das qualidades dos dois grandes estúdios de animação resulta em um
produto acima da média, bonito, divertido e equilibrando-se entre a
criatividade narrativa e o apelo aos caminhos tradicionais.
Animação - 96 min - 2008
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