segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

9 - A SALVAÇÃO

NOTA 6,0

Animação tem visual caprichado
e original, mas peca no quesito
narrativa com seu ritmo arrastado
e trama por vezes enfadonha
Os filmes de animação levam certa vantagem em termos de impacto em relação aos demais gêneros. Dificilmente nos decepcionamos com as criações visuais, sejam de personagens ou cenários, ainda mais quem realmente curte e entende de cinema e tem noção das dificuldades que cercam a produção de cada minuto de um desenho. É um trabalho respeitável, mas nem só de imagens se faz um filme, mesmo se ele for uma obra muda. É justamente a narrativa de 9 – A Salvação o seu grande problema. Apesar da forma escolhida para contar a história seja um chamariz para o público infantil, certamente a garotada não irá curtir, todavia, até para os adultos o envolvimento fica comprometido. Embora curto este desenho parece ter uma narrativa extremamente arrastada, sensação acentuada pela temática razoavelmente pesada do enredo e a falta de humor. Conteúdo relevante oferecido com estética de produto infantil, isso cheira a Tim Burton, certo? Bem, realmente o criativo cineasta está envolvido neste projeto, mas apenas como produtor apadrinhando o trabalho do diretor estreante Shane Acker que concebeu esta animação primeiramente como um curta-metragem como projeto de conclusão de curso da faculdade. Além de vários prêmios em festivais universitários, o aparente pequeno trabalho acabou extrapolando limites, sendo exibido no Festival de Sundance e chegou a concorrer o Oscar da categoria em 2006. O curta trazia como personagem principal um boneco de pano com olhos que parecem binóculos cujo nome era um tanto diferente, o numeral 9. Ele habitava um mundo destruído e vivia cercado por ruínas e bugigangas quebradas ou sem serventia e nesse cenário caótico este pequeno ser vagava sem rumo, apenas carregando as trágicas lembranças da morte de seu amigo 5 e da ocasião em que enfrentou uma máquina exterminadora. Esta simples sinopse deixava muitas dúvidas e curiosidades no ar e foi a vontade de explorar mais este universo enigmático que levou Acker a trabalhar em cima do projeto de um longa e não é difícil identificar os elementos que levaram Burton a investir na ideia: a atmosfera sombria, o visual impactante dos personagens, o medo do desconhecido e um protagonista solitário sentindo-se sem rumo na vida. Contudo, mesmo com a ajuda de um cineasta renomado, transformar um curta em um longa-metragem não foi fácil e a produção levou cerca de quatro anos para dar esse salto evolutivo, porém, o resultado final ficou aquém do esperado. Pode parecer estranho, mas um filme com aproximadamente 80 minutos de duração acabou sendo menos eficiente que uma produção de 10 minutos. A economia de explicações cedeu espaço para desnecessárias explanações que no fundo caem no lugar comum: a ganância e o desejo do poder do homem é que destruíram o mundo, dando a entender que o cenário em que a trama é desenvolvida é o Planeta Terra, outro dado omitido no curta.

Para ajudar a ampliar o enredo original, Acker contou com a ajuda da roteirista Pamela Pettler que já havia trabalhado com Burton no texto de A Noiva Cadáver, mas o longa não começa a ação do mesmo ponto que o curta se iniciou ou se encerrou. A introdução, sem diálogos e com destaque para os efeitos sonoros, apresenta 9 ganhando vida própria, mas ainda sem ter seu dispositivo de fala acionado, em um ambiente repleto de recortes e anotações com informações que ajudam o protagonista e o espectador a se situarem em que universo a trama se desenvolve, um mundo pós-apocalíptico em que os humanos foram exterminados e as máquinas que eles próprios criaram tomaram conta de tudo. Muito curioso e destemido, este ser começa a vagar sem destino até que por acaso ele encontra uma pequena comunidade de outras criaturas como ele, como esperado todos com nomes de números que por fim formam uma sequência, que estão se escondendo das terríveis máquinas que vagam pela Terra com a intenção de exterminá-los. Apesar das aparências idênticas, cada personagem possui características distintas. 9 conhece o 1, o ancião que prefere se esconder e se conformar que o mundo não tem mais jeito; 2, um grande inventor e restaurador; 3 e 4, os gêmeos mudos que adoram catalogar imagens; 5, aquele que se tornaria seu melhor amigo e que acredita num futuro melhor; 6, o excêntrico visionário que sabe como deter os monstros; 7, a menina com espírito aventureiro e que parece não temer nada; e  8, o fortão da turma. Apesar de ser o novato do grupo, com seu natural perfil de liderança, 9 convence os demais que se esconder não os levará a nada, que todos precisam se unir para descobrir a razão pela qual as máquinas querem destruí-los e enfrentar o problema de frente, principalmente porque o 2 acabou sendo capturado por uma delas que eles chamam também de feras por seus aspectos ameaçadores e garras. Todavia, apenas a revelação do passado do herói pode salvar os poucos sobreviventes do extermínio e o planeta do domínio das máquinas. A primeira vista o enredo pode parecer complexo demais, obviamente não interessando as crianças, mas para platéias mais maduras (não necessariamente em termos de idade, mas sim quanto ao intelecto) esta produção traz alguns conceitos muito interessantes como a paisagem devastada numa referência as imagens dos países que sofreram violentamente com os efeitos de conflitos armados como a Segunda Guerra Mundial que assolou boa parte da Europa. Além da óbvia mensagem que o ser humano e sua incessante busca por lucros e sucesso e exagerado culto a tecnologia pode causar efeitos nocivos gravíssimos (o famoso “pavio curto” dos apressadinhos e distrações com celulares no trânsito já são indícios que constantemente provocam tragédias), o longa ainda é um caldeirão de referências cinematográficas, sendo a mais óbvia associação feita com outra animação, Wall-E. Lançadas com poucos meses de intervalo, ambas tem uma premissa semelhante, um ser diferenciado vagando por um planeta destruído cujo passado ele desconhece, mas o robozinho simpático e ingênuo venceu com folga a repercussão e as bilheterias alcançadas pelo embate entre o bonequinho de pano e as máquinas enfurecidas. Era de se esperar até pelo peso da marca Disney/Pixar sobre o público infantil.

Outras citações a filmes famosos estão espalhadas ao longo da narrativa de forma implícita ou explícita. Temos na narrativa alusão a O Exterminador do Futuro, o visual das feras lembra os modelos das naves da primeira versão de Guerra dos Mundos e sobram referências a Matrix e outras ficções, além de um trecho que resgata a magia da canção “Somewhere Over the Rainbow”, tema do clássico O Mágico de Oz, entoada enquanto os bonequinhos festejam uma vitória contra as máquinas, mas o clima suave e alegre é quebrado repentinamente com o ressurgimento do vilão. Fora as citações tão comuns no gênero das animações, como já dito o ponto alto da produção é seu visual rico em detalhes, com cores escuras e envelhecidas e iluminação baixa, e os designs dos personagens, estes que podem aparentar serem feitos com a técnica do stop-motion (animação com massinhas), mas Acker lançou mão de alta tecnologia conseguindo resultados incríveis, uma estética originalíssima que deu aos bonecos de panos um irresistível aspecto artesanal, uma textura perceptível como se eles fossem feitos de lã ou algum tipo de fibra. Com designs simpáticos, é fácil se sentir cativado pelo grupo de números, ainda mais porque cada um é dotado de ao menos uma característica de fácil identificação, sendo obviamente o 9 o mais carismático por conta de sua determinação, uma lição para aqueles que costumam desistir de seus objetivos diante das dificuldades, mensagem que pode ser entendida a questões mais complexas como a destruição da Terra. O homem não deve desistir e se conformar que o planeta está em perigo, mas deve encarar o problema com seriedade e ter a consciência que seus atos errados podem influenciar. É uma pena que poucos conseguem fazer a associação do conteúdo do filme e problemas da realidade e se lembrar da velha história que o lixo jogado na rua hoje pode ser a enchente de amanhã que causará mortes e destruição diante de uma animação de tanta qualidade técnica, mas que fica devendo em termos narrativos infelizmente. Embora arrisque a falar até da temática morte de maneira madura, inserindo cenas de humanos entre os escombros e mantendo o desfecho da obra que originou o longa, a obra caminha bem até a sua metade por instigar a curiosidade do espectador, mas depois disso torna-se enfadonha com diálogos que explicam além do necessário para a compreensão e cenas de ação comuns. 9 – A Salvação recupera o fôlego na reta final deixando uma mensagem de esperança para a continuidade da Terra, mas de qualquer maneira não é uma animação perfeita, deixando que seu visual torne-se mais importante que seu conteúdo. De qualquer maneira vale uma conferida para conhecer o trabalho de um cineasta que não fez estágio nos desenhos infantis e partiu diretamente para falar com gente grande.

Animação - 79 min - 2009 

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