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sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

BOLT - O SUPERCÃO

NOTA 8,0

Primeiro desenho da parceria
Disney/Pixar agrada com humor,
cores vibrantes e agilidade, mas
se esperava mais do roteiro
Disney e Pixar há anos formam uma parceria de sucesso, porém, até 2007 havia uma racha entre os estúdios, algo perceptível na irregularidade das produções lançadas. Enquanto uma surpreendia com tramas que agradavam a todas as idades e com visuais acachapantes, como Monstros S.A e Os Incríveis, a outra tentava sobreviver procurando dar vida à combalida animação tradicional com textos originais, como Lilo e Stitch e Nem que a Vaca Tussa, e até se arriscou no campo da animação computadorizada com O Galinho Chicken Little, mas o fato é que a situação estava insustentável. A casa do Mickey Mouse antigamente só tinha acordo para distribuir os produtos Pixar sem ter o poder de interferir nas produções, assim as duas empresas precisavam se unir em definitivo ou então uma delas teria que sair de cena e todos sabem de que lado a corda arrebenta em casos assim. Felizmente a união com direitos iguais para ambas as partes prevaleceu e o primeiro fruto do casamento foi Bolt – O Supercão. A animação já estava prevista antes do fechamento da parceria, mas certamente o resultado final seria bem diferente caso o seu comando não tivesse caído nas mãos do diretor John Lasseter, de Toy Story. Sob sua batuta o projeto foi inteiramente remodelado de forma a agregar as características que fizeram a fama de seu antigo estúdio-solo, ou seja, história ágil e inteligente, personagens carismáticos e visual colorido e rico em detalhes. Contudo, o chefão preferiu não atrelar diretamente seu nome à produção, talvez uma forma de se proteger caso o filme fracassasse, e assim ele supervisionou o trabalho de uma dupla de animadores, Byron Howard e Chris Williams, que se saíram muito bem na difícil tarefa de assinar o primeiro longa-metragem Disney/Pixar. A trama começa com a garotinha Penny ganhando um cãozinho de verdade que batiza de Bolt, aquele que seria o amigo mais fiel de toda a sua vida. Quando ela já é uma adolescente, o bichano se torna literalmente seu cão de guarda, tendo sido modificado geneticamente pelo pai dela para ganhar certos poderes especiais, como força extra e um super latido. Dr. Calico, também conhecido como o homem do olho verde, sequestrou o pai da garota, provavelmente para usufruir de sua inteligência, e agora Bolt e Penny precisam se unir para resgatá-lo e dar uma lição ao vilão. Esse seria um bom ou fraco roteiro para uma animação? O fato é que essa sinopse não é a respeito do filme e sim uma brincadeira que serve como estopim para o foco principal.

O roteiro de Dan Fogelman em parceria com o próprio diretor Williams coloca Bolt quase como uma criança inocente. Ele na verdade faz parte de um seriado de aventura da TV, mas não se dá conta disso, embora os laços afetivos que existem com Penny sejam reais. Dessa forma o cãozinho acredita desde que era um filhotinho que realmente tem super poderes e que nada pode detê-lo, assim como também ninguém tira da sua cabeça que sua dona está sempre em constante perigo. Ele se acostumou a viver nesse mundo de faz-de-conta, mas inesperadamente vai ter que encarar a realidade, mas como fazer isso quando a fantasia é o seu modelo de vida real? Complexo não? Como todo programa de televisão, a série inevitavelmente começa a perder audiência após algum tempo e o diretor, pressionado pelos dirigentes da emissora, resolve mudar o estilo narrativo e passa a criar um gancho entre um capítulo e outro, assim separando Bolt e Penny para prender a atenção dos espectadores. Se para as atores assim que as câmeras são desligadas o trabalho acabou, para o cão não e ele realmente acredita que sua amiga está em perigo e resolve salvá-la. Dos estúdios refrigerados e cheios de mordomias de Los Angeles ela vai parar acidentalmente nas agitadas e perigosas ruas de Nova York. A partir de então, acompanhamos o drama de Penny e companhia preocupados com o sumiço repentino do protagonista da série, mas o que mais chama a atenção é a adaptação dele à realidade. Pouco a pouco, e colocando sua vida em risco, ele vai tomando consciência de que não é dotado de poderes especiais e que é tão vulnerável quanto a magrela gata Mittens, com quem faz amizade nas ruas e a responsável por ajudá-lo a cair na real. Por outro lado, o hilário hamster Rhino, outro novo amigo, é fã incondicional das aventuras do cãozinho e seu entusiasmo exagerado em conhecê-lo pessoalmente só faz aumentar o ego do falso herói, mas com o tempo ele também consegue distinguir o personagem do “ator” passando a colaborar em sua jornada de autoconhecimento. É importante destacar que a sarcástica gatinha não é um mero personagem coadjuvante, mas é essencial para acentuar o contraste proposto pelo enredo. Mittens é suja, maltratada e mirrada enquanto Bolt é robusto, limpinho e com os pêlos bem penteados, mas nem toda essa produção o impede de se tornar apenas mais um cãozinho à solta nas ruas, fato que ele se nega a aceitar.

Para quem é cinéfilo, fica claro que este longa bebe na fonte de outras três produções muito famosas. Inspira-se em Toy Story ao colocar um personagem que vive 24 horas por dia literalmente vestindo a fantasia tal qual o astronauta Buzz Lightyear que custou a compreender que era um brinquedo e que deveria se comportar como tal, quase inanimado perante os humanos, mas dotado de personalidade longe deles. O fato de Penny sofrer com a fuga de seu companheiro de gravações também remete ao sentimento que unia o garoto Wendy ao boneco cowboy Woody. Já os problemas de identificação de onde termina a ficção e começa a realidade fazem alusão a comédia dramática O Show de Truman – O Show da Vida, na qual Jim Carrey interpreta um pacato cidadão que só quando adulto descobriu que desde a sua infância seu cotidiano é vigiado por câmeras que alimentam um reality show, na realidade um programa cuidadosamente dirigido e respeitando seu estilo de vida para que o protagonista não percebesse a armação e assim mantivesse a naturalidade, o mesmo que acontece com Bolt que até nos intervalos de trabalho não desgruda os olhos de sua dona a fim de protegê-la não se dando conta das câmeras, refletores e tantas outras bugigangas que o cercam. Por fim, o desenho Carros é lembrado pelo fato do cachorrinho precisar atravessar os EUA para voltar a sua cidade de origem, assim obrigando-o a conhecer regiões, amigos e sensações que sua redoma de vidro o impedia até então, consequentemente transformando-o em alguém melhor assim como aconteceu com o campeão de corridas Relâmpago McQueen. Na realidade, um dos tópicos principais da cartilha de trabalho da Pixar é que em todos as suas obras existem personagens em busca de redenção ou superação através de um desafio que precisam vencer. Até o robozinho de Wall-E embarca em uma jornada na qual cada nova descoberta é de suma importância para seu crescimento como “pessoa”. E vilões não existem nesta história? Dr. Calico só toca o terror na ficção enquanto Mittens pode parecer suspeita inicialmente, mas logo percebemos que seu jeito felino de ser (trocadilho irresistível) é a forma que encontrou para sobreviver nas ruas. O grande vilão na realidade é o próprio receio de Bolt em encarar os fatos pelo medo do desconhecido, afinal tudo que ele achava capaz de enfrentar era feito de isopor ou espuma, mas fora dos estúdios pau é pau e pedra é pedra. Não é a toa que ele se desespera ao sofrer um ferimento e ver pela primeira vez a cor de seu sangue. Bolt – O Supercão no conjunto agrada crianças e adultos, mas é certo que se esperava mais deste primeiro produto Disney/Pixar, até porque a introdução prometia algo mais ousado já que parte de uma piada em torno dos clichês de filmes de ação. Mesmo assim, a junção das qualidades dos dois grandes estúdios de animação resulta em um produto acima da média, bonito, divertido e equilibrando-se entre a criatividade narrativa e o apelo aos caminhos tradicionais.

Animação - 96 min - 2008

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