Nota 7 Apesar de falhas narrativas e na construção de personagens, obra cumpre seu objetivo
Muita gente condena os filmes lacrimejantes, aqueles feitos propositalmente para levar o espectador ao choro fácil, mas se o cinema não é feito para emocionar qual sua finalidade? Bem, sonhar pode ser uma resposta válida, mas infelizmente a realidade não é feita de terras habitadas por seres fantásticos e na hora de um tiroteio ou incêndio nossos heróis reais não são brucutus indestrutíveis, mas mesmo assim arriscam suas vidas em troca da sobrevivência de outras. Será o medo de bater de frente com a realidade a resposta ao preconceito que o gênero drama sofre? Sim, embora produções do tipo sejam populares e vários de seus títulos vençam a barreira do tempo permanecendo ativos na memória de muitos, a quantidade de pessoas que detratam os dramalhões é assustadora. Pior ainda é constatar que críticos especializados colaboram para alimentar tal rejeição taxando sem dó nem piedade de lixo muitas obras excelentes. Com Uma Prova de Amor a crítica ficou em cima do muro, mais tendenciosa aos comentários negativos, mas o público aparentemente gostou do que viu e hoje este longa já goza de uma posição privilegiada na memória afetiva, quase como um novo clássico popular, ainda que a temática seja um tanto perturbadora. Abordar uma doença como o câncer não é muito original, mas até que o diretor Nick Cassavetes encontrou um interessante gancho a ser trabalhado.
Todos os trabalhos a esse respeito obviamente não deixam de mostrar o sofrimento da família, mas neste caso a ótica é ainda mais íntima e emotiva. Baseado em um best-seller de Jodi Picoult, a trama roteirizada pelo próprio cineasta em parceria com Jeremy Leven opta por mostrar como a doença de um parente acabou influenciando a vida de toda uma família, principalmente o sofrimento da caçula do clã, a esperta Anna (Abigail Breslin). Ela não é enferma e sim a solução do problema. Kate (Sofia Vassilieva), sua irmã mais velha, era ainda um bebê quando foi diagnosticada com leucemia e com poucas perspectivas de viver com qualidade e por bastante tempo. Sara (Cameron Diaz) e Brian Fitzgerald (Jason Patric), seus pais, infelizmente por incrível que pareça não eram doadores compatíveis e seguindo conselhos médicos decidiram ter um novo filho que pudesse compartilhar com a irmã tudo que ela precisasse. Um bebê de proveta potencializaria as chances da compatibilidade se concretizar e assim Anna foi concebida e até o sangue colhido de seu cordão umbilical foi doado. Os anos foram passando e entre internações, exames, testes e coletas de sangue, Kate chegou a adolescência sempre na dependência da irmã, mas elas eram muito amigas. Quando a doença chega a um estágio muito avançado implicando na necessidade de uma doação de rim, para a surpresa da família, Anna se rebela. Aos 11 anos de idade ela está cansada de tantos procedimentos médicos e passa a questionar que nasceu com uma finalidade pré-estabelecida, porém, não nega que seus pais a amam. Simplesmente ela quer ter a opção de agir e tomar decisões por conta própria, por isso ela recorre a justiça por meio do advogado Campbell Alexander (Alec Baldwin) para pedir sua emancipação médica.
Mesmo com o baixo valor que a garota tem a oferecer o renomado defensor aceita o caso, certamente porque a questão emocional do conflito o tocou e assim começa uma batalha não apenas de tribunal, mas também dentro do ambiente familiar. Os pais começam a ter discussões constantes, o filho mais velho do casal, Jesse (Evan Ellingson), sente-se esquecido por todos e Kate, entre poucos momentos em casa e muitos passados no hospital, tenta aproveitar ao máximo o que pode da vida, mas parece consciente de que seu fim está próximo. Todavia, tal consciência não é compartilhada por Sara que extrapola os limites da sensatez e se recusa a encarar a realidade. A sinopse indica um filme dos mais lacrimejantes e realmente ele é, mas a narrativa reserva alguns momentos mais leves para dar um alívio ao espectador. Em flashbacks ficamos conhecendo como foram os últimos anos da família Fitzgerald adaptando-se a cada novo momento da vida de Kate e tais sequências vão sendo reveladas pouco a pouco de acordo com as lembranças de cada personagem, principalmente da enferma que mantém um livro de recortes, frases e fotos que remetem a algo de sua curta existência, como se fosse uma maneira de ela fixar tais lembranças em sua mente para levá-las junto quando partisse. Nesse aspecto, muitos concordam que este trabalho guarda algumas semelhanças com a estrutura narrativa de Diário de Uma Paixão, até então a obra de maior sucesso de Cassavetes. Em ambos os filmes o presente é um momento problemático, mas o passado guarda lembranças prazerosas, mesmo neste caso em que a garota já vivia com a sombra do câncer.
Outro fator em comum é a já citada preservação da memória, como se o esquecimento dos fatos que marcaram a existência de alguém significasse a iminência da morte, contribuição do próprio diretor já que no romance de Picoult tais traços afetivos não existem, inclusive o final é bem diferente da versão cinematográfica. Inicialmente narrado em off por Anna, com uma interessante sequência explicando sua concepção ilustrada por imagens típicas de documentários científicos, rapidamente estamos familiarizados aos Fitzgeralds, mas ao longo da narrativa tal recurso vai sendo menos utilizado até voltar com força na conclusão, o que para alguns configura uma grave falha ou puro pieguismo, mas nada que se compare a perda de foco do argumento principal. Kate ou Anna? Quem é a protagonista? Pois é, são tantos enfoques diferenciados sobre um mesmo assunto que ficamos sem saber de quem é o papel principal. Seria injusto definir uma das garotas como protagonista. Ambas são essenciais para a trama e se saem infinitamente melhores que os intérpretes de seus pais, teoricamente mais experientes. A polêmica em torno da geração de crianças com o objetivo de ajudarem a salvar outras vidas acaba tornando-se relativamente decepcionante, pois não há aprofundamentos sobre o caso, sendo tratado de forma muito superficial e sem subsídios para julgarmos as condutas dos pais, principalmente da mãe. Em nenhum momento conseguimos distinguir os reais sentimentos de Sara em relação à Anna, mas é certo que a personagem é complexa. Abandonou o trabalho e transformou a sobrevivência de Kate em sua única razão de existir, mas a personagem é pouco explorada em termos psicológicos.
Acontece coisa pior com Brian, praticamente um figurante assim como Jesse, mas o chefe de família no ato final ganha importância. A certa altura até mesmo Anna é deixada de lado para o foco ser voltado à Kate, coincidindo no ponto alto da trama, embora um tanto previsível. Durante as sessões de quimioterapia, a menina faz amizade com Taylor (Thomas Dekker), que também está em tratamento. Obviamente eles vão se aproximar e o ápice do relacionamento acontece quando o hospital oferece um baile aos doentes, que acaba funcionando como a festa de 15 anos que Kate não teve. É nessa noite em que ela tem a oportunidade de viver pela primeira e única vez a sensação de amar e ser correspondida fora do âmbito familiar. Em suma, a relação emocionante e de amor entre as duas irmãs, sem existir por parte da doente a exigência de que a outra garanta a sua sobrevivência, é o que faz Uma Prova de Amor valer a pena e nos faz passar despercebidos por alguns erros, embora a decepção quanto ao frio julgamento da ação da menor não seja atenuado. Aliando texto e trilha sonora estrategicamente feitos para emocionar a imagens em câmera lenta, closes de olhos lacrimosos e efeitos desfocados, Cassavetes prova que o gênero drama é seu território seguro e que sabe como poucos oferecer o que o seu público-alvo quer.
Drama - 109 min - 2009
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