NOTA 8,5 Ficção mostra um futuro apocalíptico no qual a moeda de troca é o tempo e é preciso pagar para poder viver mais |
A expressão tempo é dinheiro ganhou uma boa representação
cinematográfica pelas mãos do diretor e roteirista Andrew Niccol no filme O
Preço do Amanhã, uma eficiente mistura de ação e suspense que de quebra nos faz
refletir sobre como serão as coisas daqui a alguns anos. Apesar da embalagem
high tech, a produção se baseia em uma antiga ambição humana: a imortalidade ou
até mesmo a juventude eterna. Já está em pauta em praticamente todos os setores
da sociedade discussões sobre como ficará o mundo com uma superpopulação,
afinal estamos vivendo em uma época em que os idosos estão vivendo mais e
muitas doenças foram erradicadas graças aos esforços dos campos medicinais. Com
menos mortes e muitos nascimentos diariamente, existe a preocupação se haverá
possibilidades de oferecer condições de vida dignas a tantas pessoas. Neste
longa tais assuntos podem ser pinçados pelo espectador para serem pensados mais
tarde, mas no momento em que se está assistindo o grande tema destacado é a
ganância e o sentimento de superioridade. A trama se passa em uma
época futura, não determinada, quando as pessoas são modificadas geneticamente
para viverem até os 25 anos. Isso acontece porque pesquisadores conseguiram
bloquear o gene do envelhecimento. Depois do limite de idade estabelecido,
todos podem permanecer com a aparência jovem para sempre o quanto desejarem,
isso desde que paguem por esse tempo de vida extra. Assim, as relações
capitalistas deixam de se basear em dinheiro físico e as horas, dias, semanas,
anos e até mesmo os segundos, qualquer fração de tempo torna-se moeda de troca.
Nem uma carteira é necessária ser carregada. Um relógio subcutâneo em um dos
antebraços com contagem regressiva é utilizado para uma leitura digital a cada
compra ou serviço adquirido, além de descontar cada dia vivido. O problema é
que apesar dos avanços as sociedades ainda se dividem entre pobres e ricos, assim,
dependendo da classe social, um indivíduo poderia ter uma longa expectativa de
vida ou contar os dias que lhe restam na Terra quando se aproximasse,
teoricamente, o seu derradeiro aniversário. É como se fosse uma alusão a
situação contemporânea. Quem tem dinheiro tem melhores condições de vida e
consequentemente vive mais. Quem não é abastado, bem, os jornais diariamente
tratam de revelar a triste realidade.
É neste mundo em que a imortalidade e juventude eterna são
os grandes objetivos das pessoas que vive Will Salas (Justin Timberlake), um
rapaz que por suas condições profissionais e familiares vive ao máximo cada
dia, afinal está na lista dos que podem contar sem auxílio de calculadora o
tempo que lhe resta. Porém, sua sorte vai mudar completamente, mas também lhe
trazer problemas. Após uma briga em um bar, ele salva a vida de um
desconhecido, Henry Hamilton (Matt Boomer), que está sendo perseguido por ter
praticamente um século de vida ativo em seu relógio. Cansado da pressão que
sofre pela riqueza que carrega, o rapaz abdica da vida e entrega seu tempo para
Will, este que se choca ao descobrir como a sociedade realmente funciona e com
a perda da mãe Rachel (Olivia Wilde). Assim ele resolve declarar guerra ao
sistema e ganha a companhia involuntária de Sylvia (Amanda Seyfried), uma moça
que se identifica com os pensamentos dele mesmo fazendo parte do time dos magnatas.
A aproximação entre eles não agrada o pai da jovem, Weis (Vincent Kartheiser),
e a dupla passa a ser caçada pelo agente Raymond Leon (Cillian Murphy) que já
estranhava os sucessivos gastos de Will em uma travessia como se quisesse
fugir. As dúvidas sobre sua idoneidade aumentam quando o corpo de Hamilton é
encontrado. Vendo por esse viés, o dos controles de gastos, encontramos mais
uma analogia com os tempos atuais. Faturas de cartão de crédito, contas
rotineiras e o imposto de renda são ferramentas utilizadas pelos poderosos para
controlar a vida das pessoas e evitar condutas ilícitas, pena que são os
próprios ricos que mais cometem fraudes e os que mais se safam da punição. Os
pobres sempre são os bodes expiatórios que devem sofrer as conseqüências e servir
de exemplo. No futuro idealizado por Niccol os princípios são os mesmos. O
cineasta tem bastante intimidade com a crítica aos chamados avanços
tecnológicos e científicos. Ele foi o primeiro a mostrar o fascínio dos realities shows no cinema com a ideia original de O Show de Truman, é o próprio que assina a direção da ficção cult Gattaca – A Experiência
Genética e quem criou a figura de uma pop star
imaginária em S1m0ne muito antes de shows holográficos se tornarem um
sonho realizado. Poucos filmes que se arriscam a traçar um panorama sobre
o futuro da humanidade conseguem escapar do rótulo trash ou evitar os efeitos
especiais forçados, mas Niccol parece ser imune a esse problema.
Muito se fala sobre a divisão do longa em dois atos que
aparentemente são perfeitos, mas que quando bem analisados revelam-se
distintos. A primeira parte é a mais elogiada, pois é quando somos apresentados
à curiosa atmosfera futurista. As pessoas são escravas do tempo e da vaidade.
Quem está com a vida por um fio precisa correr para conquistar seus objetivos e
quem não precisa passa seu tempo ocioso tentando ficar ainda mais rico ou em
outras palavras viver mais. A premissa coloca em destaque temas que permitem
reflexões importantes, inclusive para mudarmos conceitos atuais para não
chegarmos a ter um futuro que é ao mesmo tempo libertário e claustrofóbico.
Embora com vários caminhos interessantes a serem trabalhados, Niccol opta pelo
mais curto e óbvio. O projeto visa atender aos apelos de um público ávido por
adrenalina, portanto o corre-corre típico dos blockbusters americanos toma
conta do segundo ato sobrepondo-se a exploração de um mundo novo e de certa
forma surreal ou apocalíptico. É nessa trilha para a conclusão que a produção
apresenta algumas falhas de continuidade e até situações pouco prováveis, mas
quem se deixou encantar pela originalidade inicial não deve se aborrecer com o
restante do trabalho, afinal ele cumpre bem o que promete. É interessante
também observar as diferenças nas formas do aproveitamento do andar dos
relógios. Nos guetos a população faz tudo com mais agilidade e vive
literalmente cada minuto como se fosse o último enquanto os ricos aproveitam a
sua pretensa existência eterna de modo ocioso e com o medo de se exporem, já
que um acidente poderia encurtar ou interromper tal dádiva. É justamente nesses
contrapontos que estão as bases do enredo que o tornam tão fascinante a ponto
de não percebemos que a premissa do protagonista é uma variação do conto de
Robin Hood: roubar dos ricos para dar aos pobres. Ele quer lutar pela igualdade
e a quebra da supremacia, tal qual seu pai tentou um dia, ou melhor, até seu
último segundo de vida. É essa mágoa do sentimento de impotência que faz com
que Will arquitete seu plano. Timberlake defende bem seu personagem, assim como
Amanda, mas ambos não soltam a mínima faísca para nos fazer acreditar em um
forçado clima romântico. Para variar, quem se destaca no elenco é Murphy que
geralmente rouba a cena em todos os seus trabalhos, muito por causa de seu
olhar naturalmente maquiavélico que lhe rende vários convites para interpretar
vilões. Em suma, O Preço do Amanhã é uma opção divertida, com um
visual arrojado e enigmático e ainda apresenta algumas importantes mensagens
subliminares deixadas. Entretenimento também pode alimentar o cérebro, ainda
que em pouca quantidade como neste caso.
Ação - 109 min - 2011
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