NOTA 8,5
Ex-estilista estréia como
diretor de cinema com o pé
direito com drama sensível
e tema polêmico
|
Muita gente afirma que cada vez mais as sociedades estão ficando preparadas
para ao menos respeitar as diferenças e as pessoas poderem viver em ambientes
amistosos e pacíficos, mas sabemos que na prática isso não acontece e o
individualismo e a preservação de pretensiosas leis e regras de boa conduta e
moral tratam ainda de nos assolar com preconceitos tolos, desde a questão das
raças, nas quais os negros são as principais vítimas, até o tema do
homossexualismo, sendo o principal alvo o envolvimento entre homens. Se em
pleno século 21 ainda estamos contaminados por conceitos errados e nos deixamos
engessar por padrões de conduta pré-estabelecidos, imagina como as coisas eram
há décadas atrás, mais especificamente nos anos 60. Pois é justamente nesta
época e retratando a vida de um gay que o diretor Tom Ford buscou inspiração
para seu trabalho de estreia, Direito de Amar. Durante anos ele foi um dos estilistas mais
famosos do mundo, mas ao julgar pelo seu envolvimento em seu primeiro filme dá
para perceber que desenhar roupas que ditariam moda por uma ou duas temporadas
não era o bastante para este homem deixar como legado. Além de dirigir, Ford
também produziu e roteirizou esta obra adaptada do romance homônimo e
semi-autobiográfico do escritor Christopher Isherwood. A narrativa arrastada e
intimista fala basicamente sobre conflitos de sentimentos e é quase um monólogo
sobre o que pensa e observa o protagonista. Em 1962, extremamente abalado pela recente e trágica morte
de Jim (Matthew Goode), seu companheiro de muitos anos, o professor universitário
George Falconer (Colin Firth) mantém as aparências de que está tudo bem, mas
por dentro nutre o desejo de acabar com sua própria vida. Enquanto planeja seu
suicídio, ele passa por diversas situações e sente as mais diferentes sensações
ao recordar seu passado, pensar no presente e vislumbrar seu futuro, incluindo
a alternativa de que esse tempo ele não viverá. Suas reflexões o levam a
reencontrar uma antiga amiga, Charley (Julianne Moore), com quem se relacionou
no passado e a única pessoa capaz de lhe trazer alguns momentos de felicidade,
isso até ele deixar de relutar e aceitar as investidas de um jovem aluno, Kenny
(Nicholas Hoult). Mas o desejo de encerrar sua vida não o deixa em paz, mesmo
com esses pequenos momentos que lhe mostram que viver vale a pena.
O
tema do homossexualismo está em alta no cinema nos últimos anos. Na realidade
ele está presente há anos, mas antigamente era mais recorrente em comédias, mas
geralmente mostrando os gays de forma estereotipada e exagerada, beirando o
ridículo. As novas produções seguem outro viés, bem mais digno e sério. Agora
as pessoas que optam por se relacionar com membros do mesmo sexo estão ganhando
retratos mais fiéis e preocupados em mostrar que elas não são anormais e que
merecem ser respeitadas. Muitos trabalhos apresentam os desafios que um casal homossexual
precisa vencer para poder ficar junto e outros já falam até na possibilidade de
constituir família, até quando os filhos já são adolescentes. Seguindo a
evolução do homossexual sendo tratado como gente de verdade, nada mais justo
então que surgisse um filme para tratar sobre a perda do companheiro. Essa
vertente ainda pouco explorada foi eleita para ser trabalhada por Ford em sua
primeira empreitada sentado na cadeira de diretor, uma estreia sem inovações e
com alguns pequenos tropeços no ritmo, mas nada que diminua o valor desta
produção. Homossexual assumido, Ford sentiu-se instigado a produzir este longa
por sua própria inquietude diante do quadro cinematográfico contemporâneo
quando, como já dito, os gays são representados estereotipadamente ou como
objetos de fetiche, sendo uma minoria de produções que abordam o assunto com
seriedade. Embora descontente com essa rejeição do “diferente”, Ford não coloca
seu protagonista como uma vítima da sociedade, preferindo representá-lo como
uma vítima de seu próprio sofrimento. Ninguém o aponta na rua para ofendê-lo ou
caçoar de sua condição, mas ele sofre por não conseguir superar a perda do
companheiro e agora não ter um “igual” para compartilhar seus pensamentos e
emoções. O ator Colin Firth dá um show de interpretação. Vencedor do prêmio de
Melhor ator no Festival de Veneza e no Bafta, ele deixa transparecer toda a
emoção do personagem em cenas sem fala alguma, apenas usando as expressões
faciais e corporais num silêncio contemplativo. Julianne Moore também está
maravilhosa como a grande amiga do professor e é a responsável por trazer
alguma cor à narrativa predominantemente opaca. É interessante como ela
consegue pegar um papel pequeno e simplesmente transformá-lo em algo grandioso.
Em comum, os dois personagens estão à beira de uma crise de nervos, mas ao
mesmo tempo, em estado de espírito os dois ocupam lados opostos.
Se o cineasta de primeira viagem não se arrisca com novos ângulos de câmera e abusa dos flashbacks, ele compensa com um apuro técnico impressionante, principalmente na parte de fotografia e iluminação que juntas conseguem distinguir os poucos momentos de prazer do personagem principal de suas inúmeras crises de tristeza. Essa atenção com o visual que vai desde os cortes dos cabelos perfeitos dos atores até o tratamento requintado das imagens gerou algumas críticas, mas já era algo de se esperar de um trabalho realizado por alguém que durante anos tratou de minuciosos detalhes para que tudo saísse impecável em desfiles e fotos. As experiências de Ford no mundo da moda acabaram por moldar a estética de seu filme, algo muito clean e sofisticado, mas não há problema nisso afinal o protagonista parece pertencer a uma classe social privilegiada na qual a imagem é tudo, mas ele ainda se beneficia por ser um intelectual. Foram usados filtros especiais nas câmeras para criar uma estética visual diferenciada. Em alguns momentos é possível se sentir o calor de uma ensolarada cena ao ar livre e logo em seguida sentir a gélida atmosfera do quarto escuro do professor. É como uma metáfora sobre a vida externa e a morte interna que o cerca. Momentos bons ganham cores mais fortes enquanto os de solidão e tristeza são acinzentados. A trilha sonora constante e obviamente escolhida a dedo ajuda a reforçar o sentimento de melancolia de cada fotograma. Todavia, quem leu a obra original diz que Ford tirou o foco da narração do campo psicológico para se fixar no sentimentalismo exagerado, mas isso não deve incomodar as plateias mais sensíveis e emotivas, público alvo da obra. Interessante que Direito de Amar tem um intenso clima sensual sem apresentar uma única cena constrangedora de sexo. Fora uma ou outra sequência em que há nudez mostrada de forma velada, não há motivos para alguém afirmar se tratar de uma produção com apelo erótico. Tocante, profundo e reflexivo, este é um trabalho digno de elogios e que no fundo discute e valoriza o amor em sua forma mais sublime, mas, apesar de contar com mais pontos positivos do que negativos, ainda faltou alguma coisa para merecer uma cotação máxima. Talvez Ford precisasse explorar mais as poucas sequências descontraídas do texto. Mesmo assim um belo trabalho e estreia promissora. Pena que o título nacional possa vender uma ideia errada aos mais desligados.
Se o cineasta de primeira viagem não se arrisca com novos ângulos de câmera e abusa dos flashbacks, ele compensa com um apuro técnico impressionante, principalmente na parte de fotografia e iluminação que juntas conseguem distinguir os poucos momentos de prazer do personagem principal de suas inúmeras crises de tristeza. Essa atenção com o visual que vai desde os cortes dos cabelos perfeitos dos atores até o tratamento requintado das imagens gerou algumas críticas, mas já era algo de se esperar de um trabalho realizado por alguém que durante anos tratou de minuciosos detalhes para que tudo saísse impecável em desfiles e fotos. As experiências de Ford no mundo da moda acabaram por moldar a estética de seu filme, algo muito clean e sofisticado, mas não há problema nisso afinal o protagonista parece pertencer a uma classe social privilegiada na qual a imagem é tudo, mas ele ainda se beneficia por ser um intelectual. Foram usados filtros especiais nas câmeras para criar uma estética visual diferenciada. Em alguns momentos é possível se sentir o calor de uma ensolarada cena ao ar livre e logo em seguida sentir a gélida atmosfera do quarto escuro do professor. É como uma metáfora sobre a vida externa e a morte interna que o cerca. Momentos bons ganham cores mais fortes enquanto os de solidão e tristeza são acinzentados. A trilha sonora constante e obviamente escolhida a dedo ajuda a reforçar o sentimento de melancolia de cada fotograma. Todavia, quem leu a obra original diz que Ford tirou o foco da narração do campo psicológico para se fixar no sentimentalismo exagerado, mas isso não deve incomodar as plateias mais sensíveis e emotivas, público alvo da obra. Interessante que Direito de Amar tem um intenso clima sensual sem apresentar uma única cena constrangedora de sexo. Fora uma ou outra sequência em que há nudez mostrada de forma velada, não há motivos para alguém afirmar se tratar de uma produção com apelo erótico. Tocante, profundo e reflexivo, este é um trabalho digno de elogios e que no fundo discute e valoriza o amor em sua forma mais sublime, mas, apesar de contar com mais pontos positivos do que negativos, ainda faltou alguma coisa para merecer uma cotação máxima. Talvez Ford precisasse explorar mais as poucas sequências descontraídas do texto. Mesmo assim um belo trabalho e estreia promissora. Pena que o título nacional possa vender uma ideia errada aos mais desligados.
Drama - 101 min - 2009
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