NOTA 8,0 Longa aborda como seria a reação da população mundial em seus diversos níveis em caso de uma situação limite |
Hollywood já destruiu o mundo
através de catástrofes naturais, invasões alienígenas, choque entre a Terra e gigantescos
meteoros, eventos inexplicáveis e até conseguiu imaginar a extinção da
humanidade em um futuro bem distante quando o Sol se apagar definitivamente. O
apocalipse também pode vir através das ações e reações desmedidas dos seres
humanos e é isso que nos mostra Contágio um suspense
que bebe na fonte das guerras epidemiológicas, um tema que foi bastante usado
entre os anos 80 e 90, períodos em que a ciência e a medicina conseguiram
grandes avanços no combate de doenças que eram fatais, mas em contrapartida
novos vírus e bactérias surgiram para aterrorizar a população mundial. Quem já
está na casa dos vinte anos hoje em dia certamente lembra, por exemplo, o
pânico que foi causado pela descoberta do vírus Ebola. Para aproveitar o tema
em evidência, os produtores americanos correram para lançar filmes medíocres a
toque de caixa explorando o filão, o que colaborou para que esse tipo de
produção fosse classificada como trash e sobrevivesse no mercado de home vídeo
apenas. Até hoje uma ou outra bomba é lançada diretamente em DVD, mas
felizmente ainda há mentes brilhantes no cinemão ianque que podem dar um sopro
de vida aos gêneros combalidos. Steven Soderbergh, acostumado a reunir um
elenco grande e repleto de estrelas, tenta neste caso repetir a estrutura do filme
que lhe deu o Oscar de Melhor Diretor, Traffic. Mais uma vez
ele traz à tona um tema polêmico e várias histórias que de alguma forma se
conectam, embora alguns personagens desta vez pudessem ser suprimidos, pois não
agregam absolutamente nada ao enredo. Na realidade a super população do longa
se deve ao objetivo do cineasta em criar um rico painel de situações mostrando
como o medo do fim eminente age sobre as pessoas. Para tanto ele escolheu um
tema batido, a descoberta de um vírus letal que em pouco tempo se espalha pelo
mundo, mas conseguiu injetar ânimo em uma produção que tinha tudo para ser apenas
mais um filme B qualquer. O roteiro de Scott Z Burns, que havia escrito antes
para o cineasta O Desinformante, constrói uma teia levemente tensa
que faz uma crítica bastante contundente a uma época em que o individualismo e
a falta de ética imperam, sendo assim é óbvio que sobram farpas para a área
política da qual o cineasta claramente não compactua com seus ideais e ações.
A história começa com a indicação
“dia 2” e mostra Beth Emhoff (Gwyneth Paltrow) em um aeroporto em Hong Kong
aguardando por seu voo para os EUA. Ela está com uma estranha tosse e pouco
tempo depois de voltar para cada passa a sofrer convulsões, é socorrida, mas
não resiste. Seu marido Mitch (Matt Damon) passa então a se preocupar com a
saúde dos filhos e quer descobrir como a esposa contraiu a tal doença
misteriosa e fatal. Embora o ator não passe a dose de emoção e sofrimento que a
introdução pedia, podemos considerar que ele é o protagonista do longa que peca
pelo excesso de personagens e subtramas. No conjunto, não são problemas
berrantes, mas certamente ficamos com a sensação de que faltou algo para este
trabalho ser excepcional. Pouco mais de uma hora e meia é pouco para explorar
os diversos tipos que servem para expor críticas no mesmo estilo de Ensaio
Sobre a Cegueira, porém, as situações sugeridas compensam. Na hora do
pânico coletivo ninguém respeita o seu semelhante e o importante é lutar pela
própria sobrevivência. Assim os populares destroem postos de saúde e maltratam
uns aos outros para conseguirem o remédio que promete a imunização enquanto
quem tem influência e dinheiro recebe o antídoto no conforto do seu lar e pode
aplicá-lo sossegadamente. A participação da mídia colabora para que os
governantes acordem para o problema e bolem até mesmo uma espécie de sorteio
para que o maior número de pessoas seja imunizado contando com a sorte, mas
quem não quer correr o risco de ficar de fora se vira como pode e vale até
mesmo sequestrar algum dos cientistas envolvido nas pesquisas para obrigá-lo a
beneficiar certos grupos colocando-os como prioridades para serem vacinados.
Para mostrar todo esse caos, Soderbergh se cercou de um elenco de primeira, mas
todos com pouco tempo em cena. Marion Cotillard é a Dra. Leonora e trabalha em
uma organização mundial de controle de epidemias e é enviada para a cidade onde
aparentemente tudo começou. Kate Winslet, Laurence Fishburne e Jennifer Ehle
são médicos americanos que estão trabalhando arduamente nas pesquisas sobre o
comportamento do vírus. John Hawkes vive Roger, representante das camadas menos
favorecidas e, portanto, um dos que certamente estaria previsto para ser
imunizado por último caso sobrasse remédio. Por fim, Jude Law surge como Alan
Krumwiede, um jornalista aproveitador que vende a idéia que ele próprio criou
uma cura natural e que políticos e cientistas estariam apenas enrolando a
população.
Soderbergh e Burns conseguiram
desenvolver uma trama inteligente e eficiente que apresenta o surgimento de uma
doença, mostra como ela se alastra e o pânico que causa, porém, seu desfecho é
clichê e não está a altura do porte da produção. Talvez seja por isso que o
diretor tenha adicionado no último minuto um soco no estômago do espectador desvendando
o enigma do “dia 1”. Um ato que deveria ser rotineiro e repetido várias vezes
ao dia é que causa todo o alvoroço, assim como muitas doenças da realidade são
transmitidas. Todos sabemos dos perigos invisíveis que o ar e qualquer objeto
escondem e por isso vale destacar os movimentos de câmeras que captam pequenos
detalhes e inocentes ações do dia a dia como, por exemplo, um simples toque em
uma fechadura. Também merece elogios a direção de arte que criou diversos
cenários, mas os que mais chamam a atenção são as ruas repletas de lixos e
propriedades destruídas, mais um ponto em comum com o já citado trabalho de
Fernando Meirelles no qual uma cegueira repentina e coletiva é a grande vilã.
Fica claro nesses filmes e em tantos outros do tipo que em meio a situações
problemáticas as pessoas confundem pânico com anarquia e conseguem piorar o que
já está ruim. Em suma, Contágio não é um trabalho livre
de defeitos, porém, também não merecia as duras críticas que recebeu ou até
mesmo sua invisibilidade quando estreou nos cinemas. Soderbergh conseguiu
reviver uma premissa piegas e que poderia ser apenas mais um lixo
cinematográfico caso o projeto caísse nas mãos de diretores fracos ou
inexperientes que certamente iriam transformar uma história contundente em um emaranhado
de efeitos (ou defeitos) especiais desnecessários adornados por interpretações
sofríveis de um elenco duvidoso. No conjunto, o filme funciona bem graças a sua
agilidade em desenvolver as diversas tramas, ainda que algumas fiquem sem
sentido, e investindo no velho clichê de descobrir quem sobreviverá à tragédia.
Quem acredita que só os nomes desconhecidos são limados das histórias para
deixar os intérpretes famosos brilharem neste caso irá se surpreender. No
fundo, é a tal doença misteriosa a verdadeira protagonista deste longa que
apesar do tema sério e polêmico é de fácil compreensão e não causa danos
emocionais ou mentais aos espectadores. Caso ache que o roteiro é raso como um
pires, procure assistir mais de uma vez, absorver bem o conteúdo e refletir
depois. A proposta deste projeto é fazer com que as pessoas se vejam nas
situações de dificuldades e imaginem como agiriam ou em qual grupo de pessoas
se encaixaria de acordo com sua realidade.
Suspense - 105 min - 2011
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