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terça-feira, 29 de setembro de 2015

CONTÁGIO

NOTA 8,0

Longa aborda como seria a
reação da população mundial
em seus diversos níveis em
caso de uma situação limite
Hollywood já destruiu o mundo através de catástrofes naturais, invasões alienígenas, choque entre a Terra e gigantescos meteoros, eventos inexplicáveis e até conseguiu imaginar a extinção da humanidade em um futuro bem distante quando o Sol se apagar definitivamente. O apocalipse também pode vir através das ações e reações desmedidas dos seres humanos e é isso que nos mostra Contágio um suspense que bebe na fonte das guerras epidemiológicas, um tema que foi bastante usado entre os anos 80 e 90, períodos em que a ciência e a medicina conseguiram grandes avanços no combate de doenças que eram fatais, mas em contrapartida novos vírus e bactérias surgiram para aterrorizar a população mundial. Quem já está na casa dos vinte anos hoje em dia certamente lembra, por exemplo, o pânico que foi causado pela descoberta do vírus Ebola. Para aproveitar o tema em evidência, os produtores americanos correram para lançar filmes medíocres a toque de caixa explorando o filão, o que colaborou para que esse tipo de produção fosse classificada como trash e sobrevivesse no mercado de home vídeo apenas. Até hoje uma ou outra bomba é lançada diretamente em DVD, mas felizmente ainda há mentes brilhantes no cinemão ianque que podem dar um sopro de vida aos gêneros combalidos. Steven Soderbergh, acostumado a reunir um elenco grande e repleto de estrelas, tenta neste caso repetir a estrutura do filme que lhe deu o Oscar de Melhor Diretor, Traffic. Mais uma vez ele traz à tona um tema polêmico e várias histórias que de alguma forma se conectam, embora alguns personagens desta vez pudessem ser suprimidos, pois não agregam absolutamente nada ao enredo. Na realidade a super população do longa se deve ao objetivo do cineasta em criar um rico painel de situações mostrando como o medo do fim eminente age sobre as pessoas. Para tanto ele escolheu um tema batido, a descoberta de um vírus letal que em pouco tempo se espalha pelo mundo, mas conseguiu injetar ânimo em uma produção que tinha tudo para ser apenas mais um filme B qualquer. O roteiro de Scott Z Burns, que havia escrito antes para o cineasta O Desinformante, constrói uma teia levemente tensa que faz uma crítica bastante contundente a uma época em que o individualismo e a falta de ética imperam, sendo assim é óbvio que sobram farpas para a área política da qual o cineasta claramente não compactua com seus ideais e ações.


A história começa com a indicação “dia 2” e mostra Beth Emhoff (Gwyneth Paltrow) em um aeroporto em Hong Kong aguardando por seu voo para os EUA. Ela está com uma estranha tosse e pouco tempo depois de voltar para cada passa a sofrer convulsões, é socorrida, mas não resiste. Seu marido Mitch (Matt Damon) passa então a se preocupar com a saúde dos filhos e quer descobrir como a esposa contraiu a tal doença misteriosa e fatal. Embora o ator não passe a dose de emoção e sofrimento que a introdução pedia, podemos considerar que ele é o protagonista do longa que peca pelo excesso de personagens e subtramas. No conjunto, não são problemas berrantes, mas certamente ficamos com a sensação de que faltou algo para este trabalho ser excepcional. Pouco mais de uma hora e meia é pouco para explorar os diversos tipos que servem para expor críticas no mesmo estilo de Ensaio Sobre a Cegueira, porém, as situações sugeridas compensam. Na hora do pânico coletivo ninguém respeita o seu semelhante e o importante é lutar pela própria sobrevivência. Assim os populares destroem postos de saúde e maltratam uns aos outros para conseguirem o remédio que promete a imunização enquanto quem tem influência e dinheiro recebe o antídoto no conforto do seu lar e pode aplicá-lo sossegadamente. A participação da mídia colabora para que os governantes acordem para o problema e bolem até mesmo uma espécie de sorteio para que o maior número de pessoas seja imunizado contando com a sorte, mas quem não quer correr o risco de ficar de fora se vira como pode e vale até mesmo sequestrar algum dos cientistas envolvido nas pesquisas para obrigá-lo a beneficiar certos grupos colocando-os como prioridades para serem vacinados. Para mostrar todo esse caos, Soderbergh se cercou de um elenco de primeira, mas todos com pouco tempo em cena. Marion Cotillard é a Dra. Leonora e trabalha em uma organização mundial de controle de epidemias e é enviada para a cidade onde aparentemente tudo começou. Kate Winslet, Laurence Fishburne e Jennifer Ehle são médicos americanos que estão trabalhando arduamente nas pesquisas sobre o comportamento do vírus. John Hawkes vive Roger, representante das camadas menos favorecidas e, portanto, um dos que certamente estaria previsto para ser imunizado por último caso sobrasse remédio. Por fim, Jude Law surge como Alan Krumwiede, um jornalista aproveitador que vende a idéia que ele próprio criou uma cura natural e que políticos e cientistas estariam apenas enrolando a população.

Soderbergh e Burns conseguiram desenvolver uma trama inteligente e eficiente que apresenta o surgimento de uma doença, mostra como ela se alastra e o pânico que causa, porém, seu desfecho é clichê e não está a altura do porte da produção. Talvez seja por isso que o diretor tenha adicionado no último minuto um soco no estômago do espectador desvendando o enigma do “dia 1”. Um ato que deveria ser rotineiro e repetido várias vezes ao dia é que causa todo o alvoroço, assim como muitas doenças da realidade são transmitidas. Todos sabemos dos perigos invisíveis que o ar e qualquer objeto escondem e por isso vale destacar os movimentos de câmeras que captam pequenos detalhes e inocentes ações do dia a dia como, por exemplo, um simples toque em uma fechadura. Também merece elogios a direção de arte que criou diversos cenários, mas os que mais chamam a atenção são as ruas repletas de lixos e propriedades destruídas, mais um ponto em comum com o já citado trabalho de Fernando Meirelles no qual uma cegueira repentina e coletiva é a grande vilã. Fica claro nesses filmes e em tantos outros do tipo que em meio a situações problemáticas as pessoas confundem pânico com anarquia e conseguem piorar o que já está ruim. Em suma, Contágio não é um trabalho livre de defeitos, porém, também não merecia as duras críticas que recebeu ou até mesmo sua invisibilidade quando estreou nos cinemas. Soderbergh conseguiu reviver uma premissa piegas e que poderia ser apenas mais um lixo cinematográfico caso o projeto caísse nas mãos de diretores fracos ou inexperientes que certamente iriam transformar uma história contundente em um emaranhado de efeitos (ou defeitos) especiais desnecessários adornados por interpretações sofríveis de um elenco duvidoso. No conjunto, o filme funciona bem graças a sua agilidade em desenvolver as diversas tramas, ainda que algumas fiquem sem sentido, e investindo no velho clichê de descobrir quem sobreviverá à tragédia. Quem acredita que só os nomes desconhecidos são limados das histórias para deixar os intérpretes famosos brilharem neste caso irá se surpreender. No fundo, é a tal doença misteriosa a verdadeira protagonista deste longa que apesar do tema sério e polêmico é de fácil compreensão e não causa danos emocionais ou mentais aos espectadores. Caso ache que o roteiro é raso como um pires, procure assistir mais de uma vez, absorver bem o conteúdo e refletir depois. A proposta deste projeto é fazer com que as pessoas se vejam nas situações de dificuldades e imaginem como agiriam ou em qual grupo de pessoas se encaixaria de acordo com sua realidade. 

Suspense - 105 min - 2011 

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