NOTA 8,0 Bizarrices e estilo tradicional de contos infantis se unem para contar a história de um garoto em busca de um sonho |
Quando falamos em animação em stop-motion logo nos lembramos
dos famosos A Noiva Cadáver e A Fuga das Galinhas, mas poucos se recordam de James
e o Pêssego Gigante, uma bela animação utilizando esta antiga e eficiente
técnica. Com pouco menos de uma hora e meia de duração, este é um filme
compacto e eficiente no qual parece tudo estar em seu devido lugar e livre de
excessos. Antes mesmo da estreia a Walt Disney já considerava a obra como um
novo Toy Story, um novo marco na História da animação e do próprio estúdio. Lançado
cerca de um ano depois da aventura dos brinquedos falantes, a obra era
aguardada com ansiedade pelos executivos da empresa, mas acabaram se
decepcionando com os resultados. Fracasso nas bilheterias, o longa não
recuperou sua saúde financeira e prestígio nem mesmo com as vendas de fitas VHS
e DVDs. Bem, realmente é difícil dispensar a atenção com um produto como este
quando os desenhos computadorizados com seus personagens cheios de energia e
piadas na ponta da língua tomam conta do mercado. Mas sempre é tempo de
corrigir as injustiças. Obviamente não há como comentar este desenho sem tocar
no título O Estranho Mundo de Jack, lançado em 1993 e que também utiliza a
técnica de animação de bonecos de massinha para contar uma história tão
fantasiosa quanto a de James. Erroneamente ambas as animações são creditadas ao
diretor Tim Burton, mas na verdade ele é o produtor delas. A direção dos dois
longas é de um de seus pupilos, Henry Selick, o mesmo que anos mais tarde
realizaria Coraline e o Mundo Secreto. A junção destes dois nomes por trás de um
filme é um tanto interessante. Um entrou com sua dose de bizarrice usual para
ser adicionada ao espírito de clássico infantil que o outro cineasta almejava.
O resultado é bem satisfatório. Baseado no livro homônimo publicado em 1961 por
Roald Dahl, o mesmo autor que escreveu a história que deu origem ao filme Matilda
entre tantas outras que se tornaram clássicos infantis, a trama neste caso foi
suavizada para se encaixar no perfil das produções Disney, mas não perdeu o
sentido e tampouco o encantamento, mantendo os elementos extraordinários e
deliciosos imprescindíveis a qualquer fábula infantil.
O longa começa e termina como live action, ou seja, com
atores em cenas, mas praticamente vemos o tempo todo uma animação de primeira e
bastante colorida, embora muitos considerem a história um tanto triste e
perversa para crianças. A trama roteirizada por Karey Kirkpatrick, Jonathan Roberts
e Steve Bloom começa nos apresentando ao pequeno James (Paul Terry), um garoto
inglês que sonha em conhecer Nova York. Após ficar órfão, ele acaba indo viver
com suas malvadas tias Spiker (Joanna Lumley) e Sponge (Miriam Margolyes). Sua
tristeza só é aliviada quando um velho senhor (Pete Postlethwaite) lhe entrega
um saco cheio de línguas de crocodilos e algumas delas acabam caindo próximo a
uma árvore. Não demora muito e em um dos galhos um pêssego desponta e aos
poucos vai adquirindo proporções gigantescas. Enquanto as tias pensam em lucrar
com essa novidade, o garoto encontra outro motivo para apreciar o fruto. Ele
decide explorar seu interior e então a técnica stop-motion toma conta do filme.
É nesse mundo a parte que James faz amizade com uma centopéia, uma aranha, uma
joaninha, um grilo, uma minhoca e um vaga-lume e todos eles o acompanharão na
realização de seu sonho: chegar a cidade onde tudo se realiza e que era o
último desejo que idealizou junto com os pais. O uso de pequenas canções intermediando
a narrativa e o perfil engraçadinho dos personagens são marcas registradas dos
trabalhos Disney, mas quando estão em cena os atores de verdade a trama perde
um pouco de ritmo por causa dos momentos pouco inspirados proporcionados, mas
nada que atrapalhe o conjunto, até porque tais sequências duram poucos minutos
deixando o brilho e a criatividade de tudo por conta do velho e tradicional
stop-motion. A conclusão mistura a realidade com um pouco de animação, deixando
ainda no ar o clima fantasioso que acompanhou a obra desde o início.
É importante notar que os animais que fazem amizade com o
protagonista geralmente são repudiados pelos humanos, mas na história se
apresentam tão cativantes que é impossível que alguém na hora se lembre que
quando um deles aparece em casa certamente não escapará de uma chinelada. Só
por aí já fica evidenciado o que deve ter encantado o diretor e o produtor na
história de Dahl. Burton adora destacar os excluídos na vida real e Selick
encontrou uma forma diferenciada para apresentar bichinhos em seu trabalho,
fugindo dos batidos passarinhos e roedores sorridentes e cantarolantes que a
Disney tanto aprecia. Aliás, tanto o filme de James quanto o de Jack são
distribuídos pela empresa do Mickey Mouse, assim é um tanto antagônico ver um
trabalho com as marcas registradas de um cineasta que tem apreço pela
desconstrução de estereótipos figurar em um catálogo repleto de criações
clichês e que seguem uma mesma cartilha (até então as coisas funcionavam
basicamente assim na Disneylândia cinematográfica). Mesmo tantos anos após seu
lançamento, a história de James e o Pêssego Gigante continua fascinante assim
como seu visual com um colorido tão vibrante e cenários tão marcantes que por
vezes deixam no chinelo algumas produções milimetricamente criadas em
computador. Para as novas gerações, como dito antes, talvez seja difícil
embarcar em tal narrativa por justamente estarem acostumadas a adrenalina,
piadas de duplo sentido e aos personagens hiperativos que tanto fascinam
crianças e adultos nas animações metidas a moderninhas. Talvez os desenhistas e
animadores contemporâneos devessem olhar um pouco para o passado não só em
busca de elementos para que possam tirar sarro de contos clássicos ou desenhos
antigos, mas também para reaprenderem o que é fantasia. A busca por tanta
perfeição nos cenários e personagens acaba tirando o sentido onírico do desenho
e sua real função. Se queremos algo perfeito e realista, melhor assistir um
live action. O conto de James e seu fruto gigantesco é uma ótima pedida para
fugirmos da mesmice e nos servimos de um leque de opções para sonhar.
Animação - 79 min - 1996
Esse aí Burton só produziu, mas Jack a história e os personagens são deles. Tenho o dvd e realmente é bem legal mesmo. Só vi recentemente.
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