NOTA 6,5 Para os padrões de sua época de lançamento, longa nacional é ousado em seu estilo narrativo |
A segunda metade dos anos 90 marcou o
recomeço da produção de cinema no Brasil, mas apesar dos esforços muitos
trabalhos acabaram passando em brancas nuvens ou só tiveram sucesso instantâneo.
É certo que muitos cineastas realizaram projetos muito mais visando sua
satisfação pessoal que lucros, mas ainda bem que alguns profissionais mais
antenados souberam perceber que o cinema nacional só daria certo se nossos
filmes se aproximassem ao estilo comercial hollywoodiano, assim não impactando
negativamente o público e o acostumando aos poucos a apreciar os trabalhos de
seu país. Pequeno Dicionário Amoroso é um exemplo de que o Brasil naquela
época já não precisava se ater somente a temas históricos, políticos ou de
denúncia social, mas já estava apto a investir em gêneros pouco explorados em
nossa cinematografia e ainda dar um toque diferenciado. Experiente na área de
documentários, Sandra Werneck estreava na direção de longas de ficção com o pé
direito, mas obviamente também cometeu escorregadelas dependendo do ponto de
vista. A espinha dorsal deste trabalho é o típico amor a primeira vista com
direito a paqueras, frases de efeito e gargalhadas dos enamorados em situações
comuns do cotidiano. A arquiteta Luiza (Andréa Beltrão) e o biólogo Gabriel
(Daniel Dantas) se conheceram por acaso em um lugar inusitado, um cemitério,
mas a empatia foi de ambas as partes e logo eles começaram a namorar. Porém, à
medida que o envolvimento aumenta, eles passam a perceber quem nem tudo são
flores e passam a questionar a natureza de seus sentimentos. O entusiasmo, a
felicidade e a novidade do início de namoro dão espaço ao marasmo, à tristeza e
às brigas. A situação piora quando Luísa descobre que Gabriel havia feito
vasectomia há algum tempo, assim seu sonho de ser mãe de um filho do homem que
ama vai por água abaixo. Entre a fase boa e a má do casal, eles recebem o apoio
de amigos fiéis que tentam mostrar os pontos positivos e negativos de um
relacionamento amoroso, assim como os prós e os contras de estar solteiro.
A diferença deste trabalho para uma
tradicional comédia romântica começa pela escolha dos protagonistas, gente mais
madura, experiente, muito naturais em cena e em plena sintonia. É curioso que
na época eles não eram considerados grandes nomes da área de interpretação.
Andréa já dava os primeiros passos para se tornar um símbolo do humor alguns
anos mais tarde, mas ainda fazia questão de mostrar que poderia ser uma boa
atriz dramática. Já Dantas era um nome conhecido pelos noveleiros. Ele já
contava com uma extensa lista de personagens coadjuvantes marcantes que
interpretou em muitos folhetins, uma tradição que ele honra até hoje. Todavia,
ambos tiveram aqui a chance de brilhar no cinema e a aproveitaram muito bem
graças ao roteiro divertido e leve escrito pela dupla Paulo Halm e José Roberto
Torero que mais que falar sobre o amor também colocaram em discussão o
comportamento humano, mas obviamente tudo com parcimônia para evitar que o
longa se tornasse um estudo social, psicológico ou algo do tipo, embora em
certas partes os roteiristas forcem a barra. A grande sacada dos autores foi
fragmentar a história do casal através de verbetes em ordem alfabética que
deixam explícito o momento ou sentimento vividos pelos personagens desde o
inesperado primeiro encontro até a saturação do relacionamento. Por outro lado,
erraram ao tentar trazer um discurso inovador para o longa. De tempos em tempos
o clima de ficção é quebrado com a aparição dos personagens dialogando com o
espectador com os olhos direcionados fixamente para a câmera. A ideia é bacana,
mas talvez tenha sido usada em demasia em um mesmo produto, assim acabam sendo
um pouco cansativas algumas cenas de Tony Ramos e Mônica Torres vivendo os
melhores amigos dos protagonistas. Ele filosofa e usa didatismo demais para
falar sobre amor e sexo enquanto ela traz a tona dados estatísticos que parecem
que ela decorou de um censo especial sobre relacionamentos. Para arrematar o
bolo, ainda temos as participações breves de Glória Pires e José Wilker e uma
deliciosa trilha sonora que combina com o clima carioca.
Vencedor de diversos prêmios, inclusive
internacionais, e de elogios por parte da crítica especializada e do público,
esta produção é marcante na História recente do nosso cinema. Aguardada com
ansiedade na época, o longa chegou a vencer com folga Mel Gibson nas
bilheterias em sua semana de estreia e criou certo burburinho, exagerado,
diga-se de passagem, de que uma indicação ao Oscar poderia acontecer. Lançado
timidamente, pouco a pouco o filme foi conquistando mais espaço graças ao
boca-a-boca positivo de platéias que não tiveram medo de arriscar e apostaram
no cinema verde e amarelo. Tal entusiasmo pode ser explicado pela
universalidade do tema. Em qualquer parte do mundo existem casais se
apaixonando e se desentendendo todos os dias e em todas as horas. As tais
expressões usadas para pontuar as fases vividas pelos protagonistas certamente
não seguem a ordem alfabética das palavras equivalentes em outros idiomas, o
que provavelmente prejudicou a carreira internacional do longa, mas com um
pouquinho só de esforço e sensibilidade é perceptível que todos os sentimentos
expostos são compreensíveis em qualquer continente, afinal de contas uma imagem
vale mais que mil palavras juntas. É bom tentar sempre resgatar estas pequenas
particularidades de um filme na época de seu lançamento ou até mesmo outras que
surgem com o tempo para aprendermos a dar um valor maior ao produto filme, hoje
infelizmente tão desvalorizado independente de sua origem. Atualmente Pequeno
Dicionário Amoroso pode ser visto como uma produção com ritmo
descompassado, imagem envelhecida, certas sequências com tom teatral exagerado
e deve ser impossível não esboçar um sorriso devido as diferenças que o tempo
trouxe (atenção para o tamanhos dos celulares por exemplo). Todavia, amor é
amor não importa o quanto os anos passem. A essência romântica continua aqui
intacta, seja para exaltá-la ou desmistificá-la, depende do emocional do
espectador, porém, é fato que muita gente pode se surpreender com certas
ousadias que a diretora teve em relação ao uso de sua câmera e das ferramentas
de edição disponíveis, mas principalmente pelo final de certa forma inesperado.
Mesmo copiando em vários aspectos a receita água com açúcar das comédias
românticas de Hollywood, digamos que dispensaram uma boa parte da glicose,
tornando este trabalho absolutamente light.
Romance - 91 min - 1996
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