sábado, 7 de agosto de 2021

SPLICE - A NOVA ESPÉCIE


Nota 6 Com todo jeitão de trash movie, longa levanta questionamentos sobre avanços científicos


O contato com seres de outros planetas, as naves espaciais ou criaturas geradas através de experiências genéticas já tiveram seus tempos de glória, mas com o tempo o gênero ficção científica acabou sucateado por produções de gosto duvidoso que não raramente causavam mais risos e até mesmo constrangimento do que propriamente repulsa e tensão. Todavia, ainda existem fãs fervorosos da seara, o que justifica o investimento ainda em títulos lançados diretamente para consumo doméstico. Por serem produtos de nicho, dificilmente conseguem render boas bilheterias e se nos tempos áureos das mídias físicas as videolocadoras abrigavam tais produções agora os serviços de streamings as acolhe. Apesar do preconceito da maioria, quem der um voto de confiança à Splice - A Nova Espécie pode se surpreender. Apesar de ser baseada no velho clichê do monstro se voltando contra seu criador, a obra ganha pontos ao não se transformar em um nojento filme de terror ou de pura carnificina. A história envolve a nova experiência do casal de cientistas Elsa Kast (Sarah Polley) e Clive Nicoli (Adrien Brody), ambos muito famosos por investirem nas pesquisas a respeito da combinação do DNA de diversos animais que resultam em criaturas bizarras. Agora eles querem ir além combinando o código genético de bichos com o de seres humanos, porém, seus financiadores vetam a ideia, apesar da experiência ter como finalidade estudos sobre novos medicamentos para graves doenças. 

Mesmo sem patrocínio, os cientistas levam o projeto adiante em segredo e assim nasce Dren (Delphine Chanéac), um ser humanoide com fortes características de um réptil cujo ciclo de vida é extremamente rápido e a fase adulta é atingida em questão de meses, mas não se pode prever quanto tempo poderá se manter viva. Seus criadores tentam escondê-la no laboratório para estudar seu comportamento e evolução, mas logo precisam transferi-la para um lugar mais seguro, assim Dren passa a ter contato com um mundo novo que desperta nela sentimentos e reações diversas e inesperadas. Praticamente uma releitura do conto do monstro Frankenstein misturado com discussões contemporâneas a respeito dos avanços das pesquisas genéticas, aqui é colocada em xeque a situação da criatura quando existe um laço de união com seus criadores. Dren não é completamente racional ou sentimental, mas apresenta traços consideráveis destas características que acabam a desestabilizando ainda mais em um ambiente onde não é bem-vinda. Conforme envelhece, os problemas só aumentam e acabam desestabilizando a relação da criatura com seus criadores e o próprio casal passa a viver uma crise conjugal graças a uma inesperada inversão de sentimentos. 


Se quando era tão dócil e brincalhona quanto uma criança Nicoli rejeitava Dren, tentou inclusive matá-la ao passo que sua esposa a cobria de atenções, em certo momento as coisas mudam. A criatura surpreendentemente não cria laços afetivos com Elsa, esta que enxergava na situação a chance de vivenciar a experiência de ser mãe e ter o controle da cria em suas mãos. A humanoide acaba se afeiçoando muito mais ao rapaz que a desdenhava e chega ao ponto de demonstrar um carinho exagerado. É justamente nessa parte que a história fica boa, pois o enredo começa a trabalhar questões interessantes sobre relacionamentos e quanto ao futuro da criatura. Nicoli acaba dedicando atenção demais ao humanoide e é correspondido de tal maneira que surge uma atração sexual de ambas as partes que é levada ao extremo. Misturando as estações, ele já não sabe mais se vê sua criação como um mero material de trabalho, uma filha ou como uma mulher, e com o distanciamento do companheiro, Elsa deixa sentimentalismos de lado e passa a demonstrar sinais de insanidade. A esta altura o longa assume que Dren é usada como uma alegoria para colocar em discussão problemas cotidianos de casais com a chegada de um filho. Os cientistas a colocaram no mundo com propósitos bem definidos, mas o que fazer agora que a cria quer ter sua liberdade e controle dos próprios sentimentos? 

O diretor Vincenzo Natali, que dirigiu o cultuado suspense Cubo, levou cerca de dez anos para realizar este trabalho aguardando a evolução dos efeitos especiais. Ele queria que Dren fosse o mais perfeita possível, mesmo sendo uma produção que desde a concepção no papel já era caracterizada como um trash movie. Para alguns tantos cuidados não passa de firula, mas justamente pelo seu jeitão de filme B é que havia tanta preocupação com o visual do humanoide. As pessoas iriam se interessar em assistir a produção justamente pela curiosidade em ver o tal ser e não poderiam se decepcionar. Bem, a criatura quando pequena não chama atenção, a não ser por sua imagem estranha e mal feita, mas quando ela cresce podemos perceber o empenho da equipe de efeitos especiais e maquiagem. Dren é totalmente crível, não passa a impressão de ser um boneco de borracha ou um personagem feito totalmente através de técnicas de computação, e consegue interações visuais bem interessantes com os protagonistas, que o diga Brody que consegue até vivenciar uma ousada cena com ela. Porém, ao contrário do que muitos propagam, imagem não é tudo. 


Escrito pelo próprio Natali em parceria com Antoinette Terry Bryant, o enredo aparentemente absurdo faz sentido e está longe de ser considerado totalmente ruim. O problema é que da mesma forma que um cientista demora anos e anos para chegar a uma conclusão a respeito de algum experimento, este filme tem muito conteúdo a ser explorado e há pouco tempo disponível para desenvolver todas as questões levantadas, principalmente quanto ao envolvimento sexual entre um ser bizarro e um ser humano comum. No conjunto, Splice - A Nova Espécie desperdiça um argumento promissor e polêmico em nome de um suspense meia-boca que envolve o espectador pela curiosidade gerada para ver os limites do diretor para narrar os acontecimentos da estranha família formada ou triângulo amoroso, tudo dependendo do ponto de vista. Aos sádicos é um prato cheio, mas até quem é mais crítico, colocando o cérebro para funcionar, deve se entreter e encontrar pontos relevantes, ainda que mal desenvolvidos.

Suspense - 104 min - 2010 

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4 comentários:

renatocinema disse...

Achei uma produção razoável.

Se não chega a ser muito bom, não decepciona.

Leo Carioca disse...

Ainda não assisti esse filme aqui, mas, pelas cenas que eu vi, me pareceu que, quando aparece a cara do mutante em close é uma atriz. E quando aparece de corpo inteiro, é um efeito, não é isso?
Bom, eu gosto de filmes de mutante.
Mas uma coisa que acho que acabou muito com a graça desse gênero é o excesso de efeitos especiais 3D usados nas produções atuais.
Até os anos 80 (mais ou menos até o meio dos 90), os mutantes e demais monstros vistos nos filmes eram atores fantasiados, né? E, por incrível que pareça, eu achava que as cenas ficavam mais realistas daquele jeito. Quando o monstro é SEMPRE um efeito 3D, em TODAS as cenas, fica muito evidente que ele não é real.
Bom, minha opinião.

Guilherme Z. disse...

Concordo que essa mania do 3D é ruim em diversos casos e as coisas ficam falsas. No cado de "Splice", o filme não foi desenvolvido para atender essa demanda. Só foi empregada tecnologia para construir a criação, mas ainda assim uma atriz serviu como modelo. O resultado achei bem satisfatório, mas a criatura quando pequena tem pinta de filme B.

Marcos disse...

O filme me assustou, mas não pelo terror. Splice demonstra uma consequência da famosa história do homem querer brincar de Deus. Isso sempre me assustou e vendo o fato consumado em Splice só trouxe idéias de "e se estiver acontecendo?".
Quanto ao filme, a crítica apontou bem os pontos fortes e fracos, nada a acrescentar.

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