Nota 2 Lento e mal estruturado, suspense só tem como atrativo um trágico fato dos bastidores
Em 1999, um suspense independente e completamente diferente do estilo das produções convencionais tomou de assalto milhares de salas de cinema no mundo todo amparado por uma inteligente estratégia de marketing que usava o ainda pouco conhecido mundo da internet. A Bruxa de Blair impactou com a publicidade de ser uma edição de imagens de fitas caseiras a respeito de um suposto caso real de desaparecimento de três jovens em uma floresta assolada pela lenda de uma feiticeira. Com este trabalho o diretor Eduardo Sánchez não só abriu as portas para uma nova ferramenta de divulgação para o cinema como também deu o pontapé inicial para o uso de uma técnica que viria a se popularizar anos depois. O estilo found footage, a compilação de imagens amadoras, foi explorado ao máximo pela franquia Atividade Paranormal e tantas outras fitas de horror, assim o recurso acabou perdendo fôlego e não impactando como antes, o que certamente deve ter colaborado para Adorável Molly amargar o ostracismo. Longe do brilhantismo de seu início de carreira, o diretor explora um filão um tanto desgastado e sem qualquer nova ideia para agregar. A julgar que o título original seria o genérico "A Possessão" já temos uma ideia do quão ambicioso era o projeto.
A trama acompanha um casal às voltas com sérios problemas financeiros. Ainda se recuperando do vício em heroína, Molly (Gretchen Lodge) não gosta muito da ideia de ter que voltar a viver na mesma casa onde fora criada. Além de enorme para duas pessoas, o local também lhe traz lembranças ruins de sua infância um tanto conturbada e desde a morte de seu pai o imóvel estava abandonado. Tim (Johnny Lewis) é caminhoneiro e passa muito tempo fora de casa, assim tudo parece cooperar para agravar os problemas emocionais e psicológicos que sua esposa começa a apresentar. Gradativamente ela passa a ouvir estranhos ruídos e a se comportar de maneira agressiva, assim ela própria se convence de que algo traumatizante de seu passado está de volta para atormentá-la. Molly se afunda cada vez mais em sua paranoia não sabendo mais distinguir o que é realidade ou fantasia, uma dúvida que a leva a cometer atos insanos, inclusive torturando o próprio marido com ataques que misturam violência e desejo sexual. Enquanto isso, Hannah (Alexandra Holden) se preocupa com a possibilidade da irmã ter tido uma recaída com as drogas, mesmo pensamento compartilhado pelo cunhado.
Como de costume, portas que se abrem e fecham sem mais nem menos e objetos que se movem sozinhos fazem parte dos possíveis delírios da protagonista, mas desta vez são momentos flagrados por filmagens caseiras que levantam as suspeitas de que ela estaria possuída por uma entidade demoníaca. O marido e a irmã parecem totalmente alheios ao problema procurando razões racionais para o estado degradante de Molly e para o espectador também fica a dúvida se ela estaria sendo realmente vítima de alguma entidade maligna. Para confundir, a ideia das assombrações poderem ser manifestações psicológicas para um trauma de infância é eficiente, assim como evitar explicações detalhadas a todos os eventos para deixar o espectador refletir e tirar suas próprias conclusões. No entanto, sem tentar minimamente esconder que não passa de um emaranhado de clichês, o roteiro do próprio Sánchez, em parceria com Jamie Nash, sofre de uma total ausência de clima. Acompanhamos tudo com interesse mínimo, até porque é difícil criar empatia com a protagonista e se envolver com seu drama. Ainda assim, Lodge se esforça para demonstrar de forma emocional, psicológica e, principalmente, fisicamente a deterioração de sua personagem alternando momentos de agressividade, desespero e depressão. Atuando boa parte do tempo sozinha, a atriz tem momentos tensos e bizarros, como quando surta no trabalho ou praticamente devora a boca do marido, mas são cenas pontuais que acabam enfraquecidas dentro de um conjunto que decepciona ao não manter um clima de tensão constante e crescente.
Tentando manter a razão e ajudar a esposa, Tim poderia ter uma participação mais relevante na trama, mas em alguns momentos parece mais um gigolô, alguém acionado apenas quando a protagonista precisa exteriorizar seus demônios em cenas de sexo violento. Uma curiosidade de bastidores parece bem mais aterrorizante que o filme em si. Lewis infelizmente não teve tempo o suficiente para demonstrar se tinha talento, tanto neste filme quanto em sua breve carreira. Cooperando para alimentar aquelas crendices de que mexer com coisas sobrenaturais traz mau agouro, o ator acabou falecendo cerca de um ano depois das filmagens após uma série de eventos bizarros e trágicos justificados como consequências de uma lesão mental provocadas por um acidente de moto. Poderia ser o argumento de uma campanha de marketing de Sánchez, tão enganosa e eficiente quanto a que usou em seu longa de estreia, mas infelizmente não é. E mesmo se fosse para alavancar a publicidade da obra, a notícia tampouco surtiria efeito. Com furos, situações mal resolvidas e tentando dar sustos com truques manjados, Adorável Molly não encontra justificativas para ter saído de um simples rascunho de papel.
Além da história rasa e morna, Sánchez erra por mais uma vez se agarrar ao found footage, demonstrando receio em ousar ou abandonar completamente o estilo que lhe trouxe tanto prestígio. A técnica não traz atrativo algum à uma produção, pelo contrário, desta vez sem a publicidade de se tratarem de filmagens verídicas, as imagens caseiras não assustam e só entediam. Molly grava cenas com seus relatos e visões perturbadas querendo provar que tudo é real, mas também filma alguns momentos em que absolutamente nada acontece, provavelmente inserções do diretor para alimentar a dúvida se tudo que a personagem afirma ver e ouvir não são de fato apenas criações de sua mente perturbada. No fundo tais cenas não agregam nada ao enredo, a não ser situar passagens de tempo através das datas de rodapé que identificam as filmagens. E assim, por quase uma hora e meia, ficamos à mercê das loucuras da protagonista que de adorável não tem nada. Insuportável ou aborrecida seriam adjetivos que agregariam melhor ao título.
Suspense - 100 min - 2011
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