O lendário programa
"Saturday Night Live" lançou grandes nomes do humor que migraram para
o cinema, entre eles Steve Martin e Eddie Murphy. Representantes de épocas
distintas da atração, suas carreiras foram calcadas em comédias sendo que o primeiro
tem predileção por atuar em seus próprios roteiros e o segundo é famoso por
gostar de interpretar mais de um personagem em um mesmo filme. Unindo os gostos
da dupla, Os
Picaretas é
uma divertida sátira ao universo que eles mesmos habitam. Hollywood é um lugar
que alimenta muitos sonhos, mas não tanto quanto o número de decepções. Muitos
filmes já abordaram a obsessão pelo sucesso a qualquer preço no cinema, mas
faltava uma comédia digna a abordar o tema. Eis que em 1999 o roteiro de Martin
chegou as mãos do diretor Frank Oz. O ator dá vida a Bobby Bowfinger, um
produtor e diretor afogado em dívidas que precisa de um grande estouro de
bilheterias para dar a volta por cima e nada melhor que um nome famoso para
atrair as atenções. O filme dentro do filme trata-se de uma aventura com
toques de ficção
científica bem tosca desprezada por Kit Ramsey (Murphy), um astro das fitas de
ação. Disposto a tudo para tê-lo no elenco, o cineasta arquiteta um plano que
julga ser brilhante para realizar seu trabalho e de quebra experimentar uma
maneira inusitada de filmar. Ele faria sim o filme com Ramsey como
protagonista, contudo, o próprio ator não saberia disso.
Usando os mais variados
artifícios para captar imagens, Bowfinger passaria a perseguir
Ramsey e o
colocaria em situações absurdas e outras de perigo, todas para se encaixarem no
script, porém, fugindo completamente da rotina do astro. O elenco é convencido
que o intérprete tem uma maneira peculiar de atuar e construir seus personagens, assim aceitam
gravar suas cenas mantendo generosa distância dele, mas que após uma caprichada
edição pareceria que estavam de fato dividindo o mesmo set de filmagens. Os
atores então declamam estranhas falas e com exageradas entonações e as vezes
são percebidos por Ramsey que tem reações ainda mais esdrúxulas acreditando
estar sendo perseguido por extraterrestres. A equipe na frente e atrás das
câmeras, composta em sua maioria por antigos colaboradores de Bowfinger que
também estavam ávidos por uma oportunidade de trabalho, reúne os mais variados
perfis e estereótipos, com destaque para Carol (Christine Baranski), uma
decadente, porém, entusiasmada atriz, e Dave (Jamie Kennedy), o fiel escudeiro
do produtor. Já a novata da trupe, Daisy (Heather Graham), é o estereótipo da
moça do interior que chega a cidade grande cheia de ambições e para realizar
seu sonho de ser atriz não pensa duas vezes antes de lançar mão de seus
atributos físicos e malícia.
São hilárias e de extrema
criatividade as cenas em que a trupe é deslocada para os locais frequentados
por Ramsey, todos entusiasmados acreditando estarem realizando um trabalho que
vai entrar para a História do cinema pelo método diferenciado de filmagens. O
protagonista desavisado pensa estar enlouquecendo sendo perseguido por tanta
gente agindo estranhamente e decide seguir os conselhos do guru Terry Stricter
(Terence Stamp) que sugere um retiro espiritual para espairecer, assim
Bowfinger precisa de um plano B rapidamente. O diretor então abre audições para
contratar um dublê para substituir Ramsey e para sua surpresa e sorte encontra
Jiff (também vivido por Murphy), mais que um sósia idêntico a Ramsey,
simplesmente o próprio irmão do ator. O rapaz é extremamente atrapalhado e
tímido, mas isso não é problema algum já que Bowfinger deixa claro que quer um
empolgante thriller de ação com toques de sobrenatural, assim o importante não
são os diálogos e sim o corre-corre, uma divertida crítica a falta de conteúdo
dos longas que investem em doses cavalares de adrenalina e fiapos de histórias.
Claro que com a entrada do
substituto as confusões nas filmagens só aumentam, ainda mais quando ele
descobre ter talento, ou melhor, certa desenvoltura para atuar, obviamente para
os padrões de uma produção que flerta com o luxo e o lixo da indústria de
Hollywood. Dessa forma, o longa usa e abusa de situações de extremo nonsense,
mas jamais capengando para o humor escrachado e constrangedor. O segredo de Os Picaretas é uma trama relativamente
simples e objetiva, buscando o humor na identificação com as várias referências
a respeito do mundo do cinema que acaba sendo homenageado apesar de toda a
sátira, principalmente envolvendo a crítica escancarada a guerra de egos que
faz parte deste universo. A parceria do veterano ator com Oz foi revitalizada
aqui. No final da década de 1980 o cineasta o dirigiu em Os
Safados que viria a se tornar um clássico da comédia com seu humor
inteligente que unia a picardia de Martin ao estilo contido e sarcástico de
Michael Caine. A dupla voltou a trabalhar junto em Como Agarrar Um
Marido, mas só voltou a acertar o compasso com este longa, projeto em que
ambos pareciam muito inspirados.
Oz vinha no embalo do sucesso de seu trabalho anterior, o divertidíssimo Será Que Ele É?, que Martin deixou de protagonizar por não se sentir preparado para dar vida a um homossexual. Felizmente a redenção veio com Bowfinger, um simpático trambiqueiro que conquista o espectador facilmente. Apesar de focar em ganhar dinheiro, no fundo sentimos que o produtor é um amante de cinema e busca sua realização pessoal, mesmo se dedicando a produções um tanto toscas. Os créditos iniciais com a câmera passeando por seu escritório repleto de objetos, fotos e pôsteres alusivos a sétima arte evidenciam sua paixão. Com seu conhecido estilo de soltar piadas sarcásticas com elegância ímpar, Martin prova mais uma vez que, apesar de também ser adepto do humor pastelão, sabe como poucos atuar em comédias com conteúdo e ainda assim genuinamente divertidas. Murphy também se sai bem com dois papéis totalmente opostos, mas seu traquejo faz transparecer que a mudança de perfis é coisa fácil. O resultado da união destes sinônimos da comédia ianque rendeu elogios rasgados da crítica, merecida atenção para uma produção que atinge o perfeito equilíbrio entre o sofisticado e o popular, sem nunca ser papo cabeça demais e tampouco descambar para o chulo.
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