Nota 6 Com todo jeitão de trash movie, longa levanta questionamentos sobre avanços científicos
O contato com seres de outros planetas, as naves espaciais ou criaturas geradas através de experiências genéticas já tiveram seus tempos de glória, mas com o tempo o gênero ficção científica acabou sucateado por produções de gosto duvidoso que não raramente causavam mais risos e até mesmo constrangimento do que propriamente repulsa e tensão. Todavia, ainda existem fãs fervorosos da seara, o que justifica o investimento ainda em títulos lançados diretamente para consumo doméstico. Por serem produtos de nicho, dificilmente conseguem render boas bilheterias e se nos tempos áureos das mídias físicas as videolocadoras abrigavam tais produções agora os serviços de streamings as acolhe. Apesar do preconceito da maioria, quem der um voto de confiança à Splice - A Nova Espécie pode se surpreender. Apesar de ser baseada no velho clichê do monstro se voltando contra seu criador, a obra ganha pontos ao não se transformar em um nojento filme de terror ou de pura carnificina. A história envolve a nova experiência do casal de cientistas Elsa Kast (Sarah Polley) e Clive Nicoli (Adrien Brody), ambos muito famosos por investirem nas pesquisas a respeito da combinação do DNA de diversos animais que resultam em criaturas bizarras. Agora eles querem ir além combinando o código genético de bichos com o de seres humanos, porém, seus financiadores vetam a ideia, apesar da experiência ter como finalidade estudos sobre novos medicamentos para graves doenças.
Mesmo sem patrocínio, os cientistas levam o projeto adiante em segredo e assim nasce Dren (Delphine Chanéac), um ser humanoide com fortes características de um réptil cujo ciclo de vida é extremamente rápido e a fase adulta é atingida em questão de meses, mas não se pode prever quanto tempo poderá se manter viva. Seus criadores tentam escondê-la no laboratório para estudar seu comportamento e evolução, mas logo precisam transferi-la para um lugar mais seguro, assim Dren passa a ter contato com um mundo novo que desperta nela sentimentos e reações diversas e inesperadas. Praticamente uma releitura do conto do monstro Frankenstein misturado com discussões contemporâneas a respeito dos avanços das pesquisas genéticas, aqui é colocada em xeque a situação da criatura quando existe um laço de união com seus criadores. Dren não é completamente racional ou sentimental, mas apresenta traços consideráveis destas características que acabam a desestabilizando ainda mais em um ambiente onde não é bem-vinda. Conforme envelhece, os problemas só aumentam e acabam desestabilizando a relação da criatura com seus criadores e o próprio casal passa a viver uma crise conjugal graças a uma inesperada inversão de sentimentos.
Se quando era tão dócil e brincalhona quanto uma criança Nicoli rejeitava Dren, tentou inclusive matá-la ao passo que sua esposa a cobria de atenções, em certo momento as coisas mudam. A criatura surpreendentemente não cria laços afetivos com Elsa, esta que enxergava na situação a chance de vivenciar a experiência de ser mãe e ter o controle da cria em suas mãos. A humanoide acaba se afeiçoando muito mais ao rapaz que a desdenhava e chega ao ponto de demonstrar um carinho exagerado. É justamente nessa parte que a história fica boa, pois o enredo começa a trabalhar questões interessantes sobre relacionamentos e quanto ao futuro da criatura. Nicoli acaba dedicando atenção demais ao humanoide e é correspondido de tal maneira que surge uma atração sexual de ambas as partes que é levada ao extremo. Misturando as estações, ele já não sabe mais se vê sua criação como um mero material de trabalho, uma filha ou como uma mulher, e com o distanciamento do companheiro, Elsa deixa sentimentalismos de lado e passa a demonstrar sinais de insanidade. A esta altura o longa assume que Dren é usada como uma alegoria para colocar em discussão problemas cotidianos de casais com a chegada de um filho. Os cientistas a colocaram no mundo com propósitos bem definidos, mas o que fazer agora que a cria quer ter sua liberdade e controle dos próprios sentimentos?
O diretor Vincenzo Natali, que dirigiu o cultuado suspense Cubo, levou cerca de dez anos para realizar este trabalho aguardando a evolução dos efeitos especiais. Ele queria que Dren fosse o mais perfeita possível, mesmo sendo uma produção que desde a concepção no papel já era caracterizada como um trash movie. Para alguns tantos cuidados não passa de firula, mas justamente pelo seu jeitão de filme B é que havia tanta preocupação com o visual do humanoide. As pessoas iriam se interessar em assistir a produção justamente pela curiosidade em ver o tal ser e não poderiam se decepcionar. Bem, a criatura quando pequena não chama atenção, a não ser por sua imagem estranha e mal feita, mas quando ela cresce podemos perceber o empenho da equipe de efeitos especiais e maquiagem. Dren é totalmente crível, não passa a impressão de ser um boneco de borracha ou um personagem feito totalmente através de técnicas de computação, e consegue interações visuais bem interessantes com os protagonistas, que o diga Brody que consegue até vivenciar uma ousada cena com ela. Porém, ao contrário do que muitos propagam, imagem não é tudo.
Escrito pelo próprio Natali em parceria com Antoinette Terry Bryant, o enredo aparentemente absurdo faz sentido e está longe de ser considerado totalmente ruim. O problema é que da mesma forma que um cientista demora anos e anos para chegar a uma conclusão a respeito de algum experimento, este filme tem muito conteúdo a ser explorado e há pouco tempo disponível para desenvolver todas as questões levantadas, principalmente quanto ao envolvimento sexual entre um ser bizarro e um ser humano comum. No conjunto, Splice - A Nova Espécie desperdiça um argumento promissor e polêmico em nome de um suspense meia-boca que envolve o espectador pela curiosidade gerada para ver os limites do diretor para narrar os acontecimentos da estranha família formada ou triângulo amoroso, tudo dependendo do ponto de vista. Aos sádicos é um prato cheio, mas até quem é mais crítico, colocando o cérebro para funcionar, deve se entreter e encontrar pontos relevantes, ainda que mal desenvolvidos.
Suspense - 104 min - 2010
Achei uma produção razoável.
ResponderExcluirSe não chega a ser muito bom, não decepciona.
Ainda não assisti esse filme aqui, mas, pelas cenas que eu vi, me pareceu que, quando aparece a cara do mutante em close é uma atriz. E quando aparece de corpo inteiro, é um efeito, não é isso?
ResponderExcluirBom, eu gosto de filmes de mutante.
Mas uma coisa que acho que acabou muito com a graça desse gênero é o excesso de efeitos especiais 3D usados nas produções atuais.
Até os anos 80 (mais ou menos até o meio dos 90), os mutantes e demais monstros vistos nos filmes eram atores fantasiados, né? E, por incrível que pareça, eu achava que as cenas ficavam mais realistas daquele jeito. Quando o monstro é SEMPRE um efeito 3D, em TODAS as cenas, fica muito evidente que ele não é real.
Bom, minha opinião.
Concordo que essa mania do 3D é ruim em diversos casos e as coisas ficam falsas. No cado de "Splice", o filme não foi desenvolvido para atender essa demanda. Só foi empregada tecnologia para construir a criação, mas ainda assim uma atriz serviu como modelo. O resultado achei bem satisfatório, mas a criatura quando pequena tem pinta de filme B.
ResponderExcluirO filme me assustou, mas não pelo terror. Splice demonstra uma consequência da famosa história do homem querer brincar de Deus. Isso sempre me assustou e vendo o fato consumado em Splice só trouxe idéias de "e se estiver acontecendo?".
ResponderExcluirQuanto ao filme, a crítica apontou bem os pontos fortes e fracos, nada a acrescentar.
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