Nota 5 Baseado em clássico texto inglês, obra abusa do tom teatral e dos diálogos rebuscados
A literatura é uma fonte inesgotável de inspiração para o cinema, mas é fato que existem obras ou até mesmo estilos de escritas que acabam sendo difíceis de serem transformadas em imagens. O famoso escritor irlandês Oscar Wilde é um desses ícones culturais cujas obras são verdadeiros desafios para serem adaptadas. Seu estilo flerta entre sutis e ferozes críticas à Inglaterra de sua época combinadas a diálogos inteligentes e irônicos, mas talvez o tom teatral de suas obras dificulte suas apreciações quando cineastas resolvem transformá-las em filmes. É esse um dos grandes problemas de Armadilhas do Coração, uma comédia romântica visualmente chamativa, mas cujo desenvolvimento peca por ser extremamente rocambolesco e com diálogos carregados de entonação e frases de efeito, o que acaba resultando em cenas frias e pouco convincentes, ainda que a trama se passe no final do século 19 perdoando-se assim o modo refinado como os personagens se comunicam. Os protagonistas são dois rapazes de classe média alta que se metem em confusões amorosas por causa de um simples nome. Algernon Moncrieff (Ruper Everett), ou simplesmente Algy, é um charmoso cavalheiro de uma família rica, mas gasta todo seu dinheiro com futilidades e diversão. Já Jack Worthing (Colin Firth) é seu melhor amigo há anos, mas não herdou fortuna, pelo contrário, a fez com seu próprio esforço.
Algy cria um alter ego para ajudá-lo a se livrar dos problemas criados por suas constantes crises financeiras e descobre que Jack também criou uma falsa identidade para poder frequentar a alta sociedade. Coincidentemente, ambos adotam a alcunha de Earnest para seus atos farsescos, um nome que inspira sinceridade e confiabilidade. Para poder se ausentar de sua casa de campo sem levantar suspeitas, Jack inventa um irmão fictício que necessita de suas visitas constantes, mas quando ele está na cidade grande o tal Earnest se transforma em um exímio galanteador que se apaixona por Gwendolen (Frances O’Connor). Prima de Algy, ela corresponde aos galanteios do rapaz, mas sua mãe, Augusta Bracknell (Judi Dench), proíbe o romance até que o descubra as origens do pretendente, um passado que Jack quer esconder já que cresceu sem os pais presentes. Enquanto isso, Algy descobre onde fica a casa de campo do amigo e decide chegar de surpresa por lá e se apresenta como Earnest, o irmão problemático de Jack, tudo para assim poder cortejar a prima e pupila do rapaz, a doce Cecily (Reese Witherspoon). Toda a farsa poderia estar correndo bem, isso se Jack não voltasse de repente para sua residência no interior dizendo que o irmão morreu. A maneira como esse conflito é resolvido é muito rápida e pouco crível, mas tudo bem, embriagados pela atmosfera açucarada do enredo seguimos em frente.
Logo os dois amigos estão envolvidos em um novo problema. Eles descobrem que ambos usam o pseudônimo Earnest e que cada um criou uma história particular para seu personagem, porém, elas se misturam. Se já seria difícil explicar para Cecily que esse tal galanteador não existe, as coisas pioram quando Gwendolen resolve ir à casa de campo do seu Earnest junto com a mãe. Embora o amor dos rapazes por suas respectivas pretendentes aparentemente seja verdadeiro, desfazer os mal entendidos não será nada fácil. Perceberam o enrosco da trama? É um pouco difícil as vezes acompanhar esse troca-troca de nomes, mas com um pouco de atenção e boa vontade o enredo é compreensível, mas longe de ser plenamente satisfatório. O diretor e roteirista Oliver Parker parece gostar do desafio de transformar em imagens os textos de Wilde, já que seu trabalho anterior foi outra adaptação do autor, O Marido Ideal. Além de ambos contarem no elenco com Everett em um dos papéis principais, as duas produções têm em comum o fato de tratarem de cirandas amorosas em meio à aristocracia britânica e resultarem em fracassos comerciais. Bem, nesta segunda investida no universo romântico, nobre e crítico do dramaturgo inglês, o repúdio é até justificável.
É certo que esta comédia romântica carrega características e qualidades elogiáveis que a colocam em um patamar superior a tantos outros longas do gênero. Elenco de peso, fotografia, cenários e figurinos impecáveis, além de um clima leve e deliciosamente farsesco contam a favor da produção. Por outro lado, esta quarta adaptação cinematográfica da peça "The Importance of Being Earnest", peca justamente no roteiro e em sua condução. Adotando um estilo que aproxima a obra de uma peça de teatro filmada, os diálogos são de suma importância neste caso, mas não raramente soam artificiais e algumas cenas e reviravoltas parecem trucagens inventadas de última hora. Talvez cientes dos problemas da obra, os produtores ficaram na dúvida se valia a pena lançá-la. Filmado em 2002, demorou mais de três anos para o filme ganhar o mercado, ainda que muito timidamente. Mesmo com rostos conhecidos nos papeis principais, aparentemente o burburinho em torno de Witherspoon por conta de seu excelente desempenho em Johnny e June, incluindo a consagração com o Oscar de Melhor Atriz, é que encorajaram finalmente este lançamento.
Os minutos finais que deveriam ser a cereja do bolo, aqui surgem como sua ruína. As inúmeras pontas soltas do roteiro tentam ser aparadas por Parker como se ele estivesse usando o seu último rolo de filme disponível. Os atores surgem como metralhadoras que disparam revelações que acabam por não causar impacto algum já que não há tempo para absorver tanta informação. Talvez a única coisa boa durante a apressada conclusão seja a participação da saudosa atriz Anna Massey que vive Miss Prism, uma espécie de dama de companhia e professora de Cecily. Aparentemente sem função quase todo o filme, é ela quem dá a grande cartada no final das contas e trata por selar a paz entre os amigos Jack e Algy. Ainda que o exagero onipresente nas interpretações e nos diálogos seja proposital, é certo que da maneira como foi apresentado em película Armadilhas do Coração prova que é um texto que funciona melhor em seu habitat natural, os palcos. Todavia os exageros melodramáticos, algumas falas irônicas e a química perfeita entre Everett e Firth fazem valer a pena este trabalho que pode não ser perfeito, mas é no mínimo agradável.
Comédia romântica - 94 min - 2002
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