sábado, 11 de setembro de 2021

VOO UNITED 93


Nota 9 Apostando no realismo, obra impacta e serve como um importante registro histórico 


Por mais que o tempo passe o dia 11 de setembro provavelmente jamais deixará de lado sua aura negativa, uma tragédia que não só marcou ano de 2001 e os EUA, mas também o mundo como um todo. Nesse período parecia que nenhum lugar em solo americano estaria livre de novas ameaças, porém, os choques e incertezas provocados por tal ataque terrorista perduram, em menor ou maior grau, até hoje. No dia do atentado as notícias chegavam desencontradas e eram atualizadas minuto a minuto pela mídia, mas somente quando a poeira literalmente abaixou é que o mundo teve a real dimensão da situação e suas consequências. Se as imagens das famosas Torres Gêmeas do World Trade Center em chamas permanecem em nossas memórias como símbolo da tragédia, o diretor e roteirista Paul Greengrass optou por resgatar uma história paralela que não ganhou a devida repercussão. Voo United 93 narra a trajetória do único dos quatro aviões sequestrados naquele dia que não conseguiu cumprir seu destino, ou melhor, o objetivo dos terroristas. Depois de adotar um estilo documental para o pouco visto Domingo Sangrento (dramatização de um protesto irlandês nos anos 1970 que acabou em massacre pelas tropas britânicas), mais uma vez o diretor optou por narrar fatos verídicos a seco, com edição rápida, mínimo de trilha sonora e sem maniqueísmos para estereotipar ou julgar personagens. É bom frisar que o filme já nasceu com uma dificuldade a ser driblada: todos sabiam o destino do United 93 de antemão. 

Terroristas a bordo tinham o plano de sequestrar o avião e com ele atingir o Capitólio (o Congresso Nacional dos EUA), mas graças a coragem dos passageiros e da tripulação o plano não deu certo. O trajeto foi desviado e a nave caiu em um local afastado do alvo, mais especificamente na Pensilvânia, mas não evitou que todos que estivessem no voo morressem. De qualquer forma, evitou-se uma tragédia ainda maior. Suspeita-se que o verdadeiro alvo era a Casa Branca em Washington, símbolo máximo da soberania ianque, mas o cineasta limitou-se aos fatos tidos como verídicos para manter a narrativa quase como um trabalho jornalístico e sem espaço para especulações. É claro que Greengrass tinha consciência de que o público que se interessaria por esta história seria atraído pela curiosidade em saber o que aconteceu dentro do avião, mas espertamente não despeja simplesmente o pânico na tela. Pessoas nascidas após a data ou que eram muito pequenas na época podem nem saber da existência deste episódio, mas se na época do lançamento o filme podia ser visto apenas como curiosidade ou uma ousadia ao cutucar feridas ainda mal cicatrizadas (chegou aos cinemas exatos cinco anos após os atentados, período mínimo exigido pelo governo antes do cinema inevitavelmente explorar o assunto), hoje a obra pode ser encarada praticamente como um documento que merece ser refletido e estudado, um rico material para aulas de História, mas também para debates acerca de religião e sociedade. 


Da introdução clichê, com elementos comuns em produções do tipo e que preparam terreno para um grande pulso de tensão e adrenalina nas alturas, até a conclusão desconcertante, Greengrass recheia a produção com realismo impressionante com o intuito de introduzir o espectador na trama como se ele estivesse a bordo da aeronave, inclusive optando por filmar muitas cenas com câmera na mão para conseguir propositalmente takes tremidos e sequências com diálogos e personagens se atropelando constantemente. Saber como tudo acaba em nada atrapalha, pelo contrário, até ajuda a causar mais emoção e a prestarmos atenção aos detalhes. Não há como deixar de lamentar, por exemplo, quando vemos um homem que quase perdeu o voo, mas neste caso infelizmente chegou a tempo. Lastimamos também por outros que aparecem fazendo planos para depois da aterrissagem, o que nos causa uma terrível sensação de mal estar de sabermos que nada será concretizado. Embora os noticiários da data não tenham dedicado tanto tempo de exposição ao sequestro do United 93, para quem ficou grudado na frente da TV ou do computador é impossível não acompanhar o filme do início ao fim com um nó na garganta já que as lembranças daquele atípico dia voltam à tona com força total. Baseado nas investigações reais, relatos de comandantes da base, informações de familiares e amigos que receberam telefonemas da tripulação e até em dados colhidos com a caixa preta do avião com as conversas travadas entre os pilotos, a emoção proposta pelo enredo fica a flor da pele e só tende a crescer. 

Greengrass toma o cuidado de respeitar a cadência dos fatos, tanto que opta por duas linhas narrativas no primeiro ato. Enquanto acompanhamos o embarque das pessoas, ficamos íntimos do protocolo seguido por aeromoças e pilotos e os terroristas tentam esconder a empolgação e a tensão pelo que estão prestes a fazer. Em paralelo, outra trama é construída na cabine de controle de voos onde são travados diálogos que dispensam aqueles enfadonhos termos técnicos ou piadinhas sem graça, até porque o clima não está nada bom. De forma sucinta e envolvente, as cenas passadas na base funcionam como uma espécie de retrospectiva dos fatos apresentando de forma cronológica como todos os eventos aconteceram, desde o primeiro avião sequestrado. É interessante que para dar realismo a estas sequências alguns controladores de voo da vida real aceitaram atuar, aqueles que estavam em serviço naquele dia e que lidaram com uma situação até então sem precedentes. Aliás, o enredo evidencia a falta de preparação dos profissionais da área e militares para casos como este, treinamentos que depois se tornaram essenciais para suas funções. Até certo ponto o diretor evitou mostrar imagens reais, mas não tinha como não resgatar a imagem do segundo avião batendo no WTC, aliás, muito bem sacada a ideia de introduzir tal cena em um monitor da cabine de controle e apresentar as reações abismadas dos funcionários. Conforme recebem ligações de parentes e amigos é que os passageiros vão se dando conta de que algo atípico está acontecendo tanto nos ares quanto no solo de Nova York, mas em meio as informações desencontradas os terroristas começam a atacar a tripulação e assumem o controle da cabine de comando. É nesse ponto que o enredo foca exclusivamente o interior da aeronave e os possíveis acontecimentos que levaram a tripulação a realizar um ato heroico em prol de um bem maior. 


Há quem acredite que a aeronave tenha sido derrubada pelo Exército norte-americano quando o governo já estava ciente de que qualquer um dos mais de quatro mil voos em execução naquela manhã no espaço aéreo dos EUA poderia ser uma arma em potencial, mas a teoria mais aceita é que a tripulação tenha agido impulsivamente movida pelo instinto de sobrevivência, ideia defendida pelo filme. Todavia, é louvável a ausência de maniqueísmos. Não há vilões ou mocinhos, somente seres humanos que por questões culturais, políticas e/ou religiosas são forçosamente colocados em lados opostos. Até os terroristas não são estereotipados, sendo apresentados como jovens com medo e hesitação, mas que não tinham como voltar atrás da decisão de servirem como mártires, o que também justifica o porquê deles não ficarem a todo instante controlando as ações de suas vítimas que até os minutos finais fizeram uso de telefones. Acreditavam cegamente que não haveria chance do avião aterrissar e que estavam fazendo a coisa certa. Com elenco de desconhecidos, mas do qual foi exigido um minucioso estudo de personagens baseados em dossiês a respeito das personalidades das vítimas, o espectador não cria fortes laços afetivos com ninguém, mas de qualquer forma torce pelo grupo de tripulantes como um todo. O pior é saber que o final não poderia ser mudado. Fugindo dos clichês de filmes focados em armações a muitos pés do chão, Voo United 93 não levanta bandeira de patriotismo e tampouco dissemina o ódio contra árabes. Simplesmente conta uma boa e densa história que não dá brechas para sentimentalismos baratos. A história em si já é um fardo de difícil digestão, para que ramificações?

Suspense - 111 min - 2006 

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Um comentário:

renatocinema disse...

Fiquei tenso no filme...........chorei no final.....e olhem que nem gosto dos americanos. Mas, o filme me comoveu.