Nota 7,0 Resgate do tema licantropia aposta menos em violência e mais em conflitos humanos
Os monstros clássicos da literatura constantemente são revisitados pelo cinema e atualmente há uma preocupação constante, e geralmente frustrada, de tentar devolver a eles o status de estrelas do cinema de horror. O Uivo, por exemplo, busca resgatar o poder assustador da figura do lobisomem, mas o projeto fica pelo meio do caminho literalmente. De Londres partiu o último trem de uma noite comum para dezenas de pessoas que ansiavam chegar em suas casas, mas ninguém esperava o que esta corriqueira viagem estaria lhes reservando. O veículo sofre uma avaria e acaba parando no meio do nada. Tudo o que há em volta é uma densa e escura floresta coberta pela lua cheia. O fiscal de passagens Joe (Ed Speelers) procura acalmar a todos enquanto o maquinista Tony (Sean Pertwee) sai do veículo para verificar o que aconteceu, porém, não retorna. Ele é atacado por uma criatura violenta e voraz e Ged (Duncan Preston), um dos passageiros, relembra que muitas décadas antes naquela mesma região uma locomotiva também teve problemas, ficou estacionada e quando o regate chegou encontrou todos a bordo com os corpos desmembrados. Logo os usuários descobrem que o veículo está cercado por vários lobisomens e tentam como podem evitar que eles invadam os vagões.
As tentativas de escaparem da morte inevitavelmente acabam resvalando em problemas pessoais, algo comum em um ambiente claustrofóbico no qual um grupo de estranhos são obrigados a conviver. Mesmo em um momento de dificuldades, surgem conflitos devido as personalidades, crenças e objetivos individuais. Como de costume, o roteiro trabalha algumas histórias paralelas para segurar o interesse, sendo a mais significativa a de Joe, inerente candidato a herói da história, que não precisaria estar passando por esse sufoco. Em busca de uma promoção, embora negada pelos seus superiores na mesma noite, o segurança quis mostrar serviço e aceitou ampliar seu horário de trabalho cobrindo a ausência de um colega, mas também esta seria a oportunidade para ele ficar mais próximo de Ellen (Holly Weston), por quem está apaixonado. Temos ainda vários personagens manjados para ajudar a preencher o roteiro que, grosseiramente falando, é uma variação do clichê do elevador enguiçado que obriga estranhos a conviverem por algum tempo e deixarem as diferenças de lado em prol da busca por uma solução. A diferença é que é difícil saber se a ameaça maior está dentro dos vagões, com eles próprios às turras, ou do lado de fora com feras ávidas por carne humana. Temos então confinados a jovem e inocente Nina (Rosie Day), o gordinho desengonçado Paul (Calvin Dean), o misterioso Billy (Sam Gittins), o agressivo Adrian (Elliot Cowan), a histérica Kate (Shauna Macdonald), o herói de ocasião Matthew (Amit Shah) e a idosa Jenny (Ania Marson).
Joe quem assume a responsabilidade de comandar os planos para enfrentar os lobisomens, preocupado com as diversas tentativas deles invadirem os vagões e com a inevitável transformações daqueles que acabaram sendo mordidos em momentos de descuido. Apesar do ambiente claustrofóbico eficiente, o roteiro de Mark Huckerby e Nick Ostler não explora a fundo tal espaço. A sensação é que o trem é composto por um único vagão, mas não se pode negar que a trama aposta em situações bastante realistas e encontra boas soluções visuais para escamotear suas deficiências devido ao baixo orçamento, méritos da direção de Paul Hyett, responsável pelos efeitos especiais de obras como Abismo do Medo e A Mulher de Preto. Ainda que agora ocupando com destreza a cadeira de diretor, curiosamente o ponto fraco deste trabalho são justamente os efeitos empregados nas criações dos lobisomens que soam artificiais deixando muito a vista o emprego da tecnologia. Na década de 1980, com boa maquiagem e truques caseiros, já tivemos criaturas do tipo bem mais assustadoras e verossímeis, como em Um Lobisomem Americano em Londres. Aliás, sem dúvidas este clássico serviu como influência para Hyett já que uma de suas cenas mais emblemáticas seja a de uma perseguição no metrô. A câmera se movimenta como se fosse a visão do monstro em meio a um ambiente de absoluto isolamento, clima frio da madrugada e o confinamento de estranhos passageiros. Era apenas uma sequência do filme oitentista e décadas depois havia a possibilidade de ampliar este micro universo que inspira tantas possibilidades. O resultado equilibra-se entre uma bem vinda sensação de saudosismo atrelada a uma modernidade desnecessária.
Filmes protagonizados por monstros costumam já ter seu público cativo, mas produtores buscam sempre angariar novos espectadores a fim de garantir a sobrevivência deste subgênero dentro da esfera do terror. Escondendo a maior parte do tempo suas ferozes estrelas, tanto para aumentar o suspense quanto para economizar nos efeitos, O Uivo pode não ser dos melhores exemplares da seara, mas cumpre seu papel de ao menos despertar a curiosidade para conhecer outras produções do estilo. Apesar da trama simples, ela consegue ser desenvolvida com eficiência em sua maior parte. O primeiro ato não é desperdiçado apresentando os perfis de cada um dos personagens, assim o longa ganha em agilidade. Ficamos conhecendo mais detalhadamente cada uma das possíveis vítimas conforme o desenrolar dos acontecimentos, como se cada momento de pressão fosse uma válvula para fazer com que os passageiros revelassem um pouco sobre suas personalidades. É como se diz, é nos momentos de apuros que conhecemos a verdade das pessoas. O grande problema do texto é que dificilmente você fica na torcida para que alguém escape dessa, salvo Joe que tem seu conflito pessoal melhor trabalhado e talvez Kate que acaba conquistando simpatia com seu jeito afobado, provavelmente a forma como a maioria reagiria a tal situação.
Vale ressaltar o bom trabalho da equipe de fotografia que felizmente aproveita a boa iluminação interna da locomotiva e evita o clichê da pane da rede elétrica, além de oferecer belas imagens aéreas mostrando o trem parado no meio do nada, o que amplia a sensação de insegurança. Todavia, apesar do inerente perigo, não somos poupados de decisões insanas de alguns dos confinados, assim temos aquele valentão que decide se aventurar saindo do vagão e outro que mesmo sabendo que a companheira está condenada por ter sido contaminada após um ataque não quer permitir que ela seja eliminada. O último ato acaba sendo o calcanhar de Aquiles. Muito corrido e tentando se explicar demais, quebra-se o encanto quando o diretor resolve mostrar seus lobisomens por completo. Antes tivesse optado por deixar o espectador criar em sua cabeça como seriam os monstros a partir das referências de apenas garras e dentes. Muitas vezes menos é mais, sábio ditado.
Terror - 89 min - 2015
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