NOTA 5,5 Robert Duvall aposta em trama policial com menos ação e mais conteúdo, mas acaba se perdendo nos passos de dança e na lentidão |
Robert Duvall é um intérprete que
possui um currículo extenso e ganhou em 1983 o Oscar de Melhor Ator pelo drama A Força do Carinho, mas quem se lembra
disso hoje em dia? Infelizmente o passar dos anos não foi generoso com ele ao
contrário do que aconteceu com Jack Nicholson ou Robert De Niro, por exemplo, que
foram agraciados com a maturidade, ainda que alternando bons projetos com
outros esquecíveis e períodos de ócio. Já o nome de Duvall não é tão popular,
pouco encabeçou elencos nos últimos anos, mas é certo que seu rosto é
conhecido, o problema é que seu tipo comum o faz se perder em meio a multidão
que quer conquistar ou manter espaço no cinema. Pode não contar com nenhuma
característica física que o faça se destacar, mas felizmente seu talento está
acima disso, pena que não é merecidamente reconhecido. Talvez pela falta de
bons papeis para sua idade, em 2002 o veterano criou literalmente o filme
perfeito para tentar voltar aos holofotes. Em O Tango e o Assassino ele
não é só o astro principal, mas também assinou a direção, o roteiro e a
produção deste suspense policial que acabou não fazendo muito barulho. Aqui ele
dá vida a John J., um assassino profissional nova-iorquino que esconde a
profissão da atual namorada, Maggie (Kathy Baker), e da filha dela, a pequena
Jenny (Katherine Micheaux), garota por quem ele se dedica como se fosse seu pai
verdadeiro e com quem compartilha o gosto pela dança de salão. Ele frequenta o
salão de baile de Frankie (Frank Gio), que tem como atividade paralela ser uma
espécie de empresário para o matador, aquele que articula suas missões. O plano
do momento é que John vá para a Argentina assassinar um ex-general que serviu à
ditadura militar e à repressão que assolou o povo nos anos 70, um servicinho de
no máximo três dias. O problema é que o alvo sofreu um acidente caseiro e não
chegará ao país na data prevista, assim o matador precisará ficar mais duas
semanas longe de casa e se enfurece, mas não demora a seu ânimo mudar. Para
passar o tempo ele decide passear pelos pontos turísticos de Buenos Aires e
entra por um acaso em um salão de tango onde conhece Manuela (Luciana Pedraza)
com quem passa a aprender o legítimo tango argentino com toda a sua
sensualidade implícita.
Embora queira mais que tudo
chegar a tempo do aniversário de Jenny, há males que vem para o bem. Por força
das circunstâncias, John acaba tendo prazeres inesquecíveis, traindo a namorada
com a dançarina de tango na cama ou até mesmo no salão de baile, e tem a chance
de salvar sua vida. Logo que chega na Argentina, ele foi recebido por Miguel
(Ruben Blades), homem aparentemente simples que com o apoio da família tenta
justificar a encomenda do crime devido a fatos impunes envolvendo o passado do
militar que os atingiram. Um ato violento para punir outro de mesmo teor,
vingança, algo corriqueiro no cotidiano de John que aceita trabalhos do tipo
com a mesma calma que aceitaria ir buscar uma encomenda na padaria, porém,
dispensa informações sobre as vítimas, não quer sentir piedade e tampouco ódio.
Contudo, os dias a mais em terras argentinas lhe revelaram que esta missão não
seria como as outras que realizara até então. A ordem não é só assassinar o tal
general, mas que também sejam mortos todos os demais envolvidos na operação
assim que ela terminasse, o que incluiria o próprio matador de aluguel para que
não ficassem rastros do ocorrido. Assim, John passa a correr contra o tempo
para se cercar de informações e tentar bolar uma emboscada para que consiga
voltar aos EUA com vida. O argumento do fora-da-lei que inesperadamente se vê
vítima de uma armadilha já não é uma novidade há anos e foi explorado em filmes
de ação, suspense, dramas e até em comédias. Duvall propõe aqui uma nova
interpretação da ideia e até mesmo sobre a forma de se conduzir uma trama
policial, abrindo mão de vícios contemporâneos como os cortes frenéticos,
trilha sonora pesada e reviravoltas desnecessárias. Suas opções narrativas,
tais como ritmo pausado e preocupação com desenvolvimento de personagens e
sequências, revelam o conservadorismo ou apenas o saudosismo deste profissional
que certamente tem saudades da época em que até as fitas de ação se preocupavam
com conteúdo. É até possível traçar um paralelo entre o estilo deste filme e o
tango, afinal esta dança clássica também já teve seus dias áureos e hoje
sobrevive em pequenos salões e casas de espetáculos, sendo Buenos Aires ainda
seu berço cativo.
Estamos tão acostumados com
narrativas quadradas, presas a um estilo, que provavelmente os primeiros
minutos não devem animar o espectador atraído pela palavra assassino do título,
mas a junção do tango já revela que corre-corre, tiroteios banais e pancadarias
não fazem parte do pacote, muito menos o linguajar chulo. Fugindo de
estereótipos, o longa começa mostrando John como um cidadão comum de uma região
suburbana divertindo-se em um salão de dança. Sua alegria e disposição para
confraternizar com os demais parecem revelar que ele não é um criminoso, mas
que na verdade se tornará um, por acaso ou por motivos de força maior. No
entanto, não demora muito a descobrirmos coisas sobre seu trabalho e deduzir
seu passado. A expectativa de formar uma família tardiamente caracteriza que no
passado sua profissão o proibia de relacionamentos, seja por falta de tempo ou vergonha.
Dono de um salão de beleza, provavelmente um comércio de fachada tal qual o
estabelecimento de Frankie, há anos ele é respeitado e bem visto na comunidade
e aprendeu com o tempo a lidar com os pontos negativos de sua profissão, dessa
forma hoje vive plenamente feliz e encara novas missões sem pensar duas vezes.
Assim como os carrascos na Idade Média matavam a pedido da Igreja e de
monarcas, John está a serviço de quem manda atualmente, ou seja, trabalha para
bandidos engravatados que se escondem atrás de mesas de diretoria ou ocupam
vagas em órgãos do governo. Todas estas informações sobre o protagonista ocupam
praticamente metade do filme, acompanhadas de cenas de apresentação de tangos
que em menor número seriam benéficas ao conjunto, e justamente quando o clímax
deveria surgir o nível de interesse tende a declinar. A reta final segue uma
linha mais contemporânea de narrativa, inclusive optando por uma conclusão realista
que evoca a impunidade que assola o mundo inteiro, mas de qualquer forma o
charme trabalhado até então é deixado de certa forma para trás. Longe de ser
uma fita dedicada a promover o turismo local, embora passeie por pontos de
destaque da capital argentina, O Tango e o Assassino talvez seria
um sucesso nos anos 70 ou até meados da década seguinte, mas as características
que formulavam o estilo clássico de contar uma história densa hoje foram
substituídos por outros que rotulam o novo jeito tradicional de fazê-las. Fora
isso, os esforços de apresentar o protagonista como um ser normal, mocinho e
vilão em um mesmo corpo, podem não cativar o público que ainda pode se
enfurecer com a conclusão, afinal já nos basta a cruel realidade para nos
lembrar que pilantras convivem livremente com pessoas de bem.
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