NOTA 9,0 Um dos maiores clássicos da Disney quase levou o estúdio para o limbo devido ao seu alto custo e fraca repercussão inicial |
Após investir em contos menos populares na época, como Alice
no País das Maravilhas, e em outros originais como A Dama e o Vagabundo, o Sr.
Walt Disney resolveu voltar ao mundo dos contos de fadas tomando as devidas
precauções para evitar comparações com Branca de Neve e os Sete Anões, já que
ambas as histórias possuíam elementos semelhantes. Além da armadilha preparada
para a princesa, o sono profundo e a salvação nos lábios de um príncipe, no
conto original existiam sete fadas boas para cuidar da jovem. Também foi
eliminada a sequência final na qual Aurora já estaria casada e com filhos, além
de passagens mais sombrias terem sido cortadas na última versão do roteiro. Os
cortes, no entanto, acabaram segregando os conflitos e as ações principais no
início e na reta final, assim o recheio do filme é açucarado demais
resumindo-se a Aurora, ou Rosa como as fadinhas a rebatizaram para despistar
possíveis espiões de Malévola (nomes criados especialmente para o desenho já
que no conto ela não recebe nome próprio), cantarolando pelo bosque e
conversando com bichinhos. Mesmo com as modificações, estão presentes os
elementos básicos de um tradicional conto de fadas, desde a introdução narrada
a partir da abertura de um livro até o final feliz apresentado em tom de sonho.
A versão Disney para este clássico da literatura infantil é deslumbrante,
principalmente porque visualmente a obra envolve o espectador de tal forma que
o transporta para a Era Medieval num piscar de olhos. Como não poderia alterar
drasticamente a trama, Disney pediu a toda a sua equipe para dedicar atenção
especial aos aspectos artísticos e técnicos, não importasse o tempo e o
dinheiro que tal requinte consumisse. Sempre atento e a frente do seu tempo, o
empresário temia a concorrência da televisão e acreditava que precisava
surpreender o público e de quebra ajudar o cinema a demarcar seu território,
deixar bem claro que a arte das telonas era bem diferente da consumida
gratuitamente na telinha. Para atender as expectativas do chefe, foi necessária
quase uma década de trabalho árduo desde os primeiros esboços do roteiro até o
lançamento, todavia, o resultado final gerou críticas controversas e resultados
financeiros insatisfatórios. O longa consumiu um orçamento exorbitante e só
recuperou nas bilheterias metade dessa quantia, ainda que tenha ficado entre os
dez filmes mais vistos do ano em solo norte-americano. Dessa forma, o estúdio
abandonou as adaptações de contos de princesas nas décadas seguintes
coincidindo com o falecimento de Walt Disney, o que certamente desmotivou as
equipes de criação.
O rombo financeiro causado por esta produção, que exigiu até
empréstimos, deixou o estúdio em maus lençóis, o que influenciou diretamente os
projetos lançados entre os anos 60 e 80. A Disney só se reergueu exatamente
trinta depois quando voltaram a investir em contos clássicos com A Pequena Sereia.
Mais que recuperar-se financeiramente, a empresa voltou a ter prestígio junto a
crítica que desprezou o conto de Aurora justamente por condenarem a excessiva
preocupação com o requinte artístico em detrimento do desenvolvimento dos
personagens. A acusação até tem fundamento. Embora tenham sido usadas
referências de pessoas reais previamente gravadas para servirem de inspiração
aos animadores, é nítido que Malévola é o personagem mais bem desenvolvido em
termos narrativos. Com altivez, frieza e antipatia, cada cena da feiticeira
impacta o espectador tamanha a veracidade de suas negativas emoções, algo que
se reflete no ambiente em que vive e reforçado pela ideia de que sua única
companhia é um corvo de estimação. Curiosamente, a soma de tempo da insossa Aurora
em cena é bem inferior a de sua algoz e até mesmo de suas fadas-madrinhas,
algumas das personagens mais carismáticas da História da Disney. Justiça seja
feita, cada uma delas tem personalidades e características bem definidas e
cativam por nos remeterem a ideia de avós ou tias cheias de boas intenções,
além de serem as responsáveis por injetar um pouco de humor ao enredo. Príncipe
Filipe não aparece tanto, mas sua participação é relevante graças as cenas
finais em que a bruxa se transforma em dragão em meio a uma floresta de árvores
espinhentas para evitar que o rapaz salve a mocinha indefesa. Um verdadeiro
show de animação em tempos em que tudo era feito na ponta do lápis. E era
justamente este impacto visual que o Sr. Disney pediu aos diretores Les Clark, Eric Larson e Wolfgang Reitherman que comandaram a equipe de desenhistas focando no
visual construindo personagens com traços realistas e ambientes riquíssimos em
detalhes baseados em antigas tapeçarias medievais que retratavam o cotidiano do
período, o contraste entre a vida dos nobres e dos camponeses. Sucesso ou não
no passado, o fato é que A Bela Adormecida conquistou sua posição de destaque
na História do cinema, além de recuperar seu investimento com relançamentos nos
cinemas e vendas de home vídeo. A cena do famigerado beijo é considerada uma
das mais românticas de todos os tempos, encantadora e a síntese literal do amor
dos contos de fadas. Muito clichê? Açucarado demais? Inverossímil a história de
amor retratada? Infelizmente a inocência de outrora já não existe mais e fora
as crianças bem pequenas, somente nostálgicos e quem conseguir pensar na obra
em sua época de lançamento poderão atingir e compreender sua beleza de forma
integral ou mais próxima de sua importância.
Animação - 75 min - 1959
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