NOTA 3,0 Monótono, previsível e sem sustos, analisando o conjunto é possível perceber ganchos e até mesmo clichês desperdiçados |
Entre os temas
mais comuns dos filmes de horror e suspense temos as casas assombradas, os
zumbis, as almas penadas, as crianças endemoniadas, os monstros clássicos, o
amor materno e... Epa! A pura e singela relação de amor e carinho entre mãe e
filho pode causar calafrios? A resposta é sim e a tendência vem de longa data. A Profecia e Halloween já demonstravam isso nos anos 70, mas nos últimos anos
esse improvável casamento de ideias ganhou força e cada vez mais é oferecido ao
público de forma banal, culpa das fitas de terror orientais que tornaram
corriqueiras as histórias de espíritos de crianças brutalmente assassinadas em
busca de um carinho de mãe, como em O
Chamado e Água Negra. Talvez
tentando adicionar um novo gostinho a essa receita o diretor e roteirista John
Stimpson resolveu inverter a ordem dos fatores, mas sem alterar o resultado. No
suspense O Fantasma de Lucy Keyes é a alma de uma mãe desesperada em
busca da filha desaparecida que tira o sono dos vivos, mas o longa repete os
erros e clichês de outros filmes semelhantes. O casal Guy (Justin Theroux) e Joanne
Cooley (Julie Delpy) estão de mudança para a pequena cidade de Princeton, na Inglaterra,
com as filhas pequenas, Molly (Kathleen Regan) e a caçula Lucy (Cassidy Hinkloe).
Eles compraram uma antiga casa localizada aos pés de uma montanha cujas terras
podem abrigar futuramente oito moinhos de ventos para geração de energia que
trariam vários benefícios para a região em termos financeiros e para o meio
ambiente. Guy é o responsável por implantar tal projeto, mas logo no primeiro
encontro para explanações ao público encontra resistência da população
extremamente tradicionalista e avessa a mudanças. Uma das manifestantes mais
fervorosas é a Sra. Gretchen Caswell (Jamie Donnelly) que dá a entender que
existe algum empecilho para a retirada da mata que envolve e cobre a montanha,
algum tipo de crença que fez com que até hoje a região se privasse do
progresso. Samantha Parker (Brooke Adams), a prefeita, diz que uma lenda boba
cerca o local, algo envolvendo os antigos donos da fazenda vizinha a
propriedade dos Cooley, mas Joanne não fica tranquila, ainda mais porque na
noite anterior a reunião ela teve estranhos pesadelos e afirma ter ouvido vozes
do lado de fora da casa.
A perturbação
noturna volta a tirar o sono de Joanne que ouve a porta do celeiro anexo a sua
casa batendo com o vento, mas quando vai fechar vê um estranho vulto seguindo
rumo a floresta. A partir desta visão, a moça fica obcecada pela ideia de
desvendar os mistérios que rondam sua casa e acaba desencavando uma história
literalmente de outro mundo. Não é surpresa alguma revelar o que acontece até
porque quem é escolado no gênero deve saber desde os créditos iniciais os rumos
desta trama, afinal quem é louco de ir viver em uma casa velha e isolada hoje
em dia? Como diz o ditado quem procura acha e Joanne fica sabendo do
desaparecimento há cerca de 250 anos de uma garotinha chamada Lucy Keyes, filha
da primeira família a habitar sua casa atual. A menina certa vez entrou na
floresta e desapareceu. Muitos acreditavam que ela teria sido adotada por
índios e tal fofoca fez com que sua mãe Martha enlouquecesse a ponto de matar
os membros das tribos que cruzassem seu caminho. Todos moradores locais
tentaram ajudar nas buscas por muito tempo, mas somente a mãe não desistiu e
até o fim de sua vida a procurou e assim surgiu a lenda de que o fantasma de
Martha só sossegaria quando encontrasse sua Lucy, por isso a floresta deveria
ser mantida em sinal de respeito. Captou o drama? É óbvio que Joanne se
apavora, pois tem certeza que o espírito está rondando sua casa em busca de sua
filha mais nova. Os Cooley já haviam perdido uma criança, mas isso é só citado
a certa altura infelizmente, mas este gancho bem explorado poderia dotar os
protagonistas de uma carga dramática que poderiam tirar o longa da mesmice.
Antes fosse apenas este o escorregão de Stimpson na condução deste suspense.
Tentando seguir a risca a cartilha que consagrou o gênero, o diretor se cercou
do maior número possível de clichês, mas não soube trabalhá-los, nem mesmo
apresentando soluções óbvias, sendo que no conjunto muitas situações parecem
simplesmente jogadas no enredo e que propriamente não agregam nada, apenas
preparam o espírito do espectador para algo que jamais atinge seu clímax, a
começar pelo sumiço de Lucy logo após os créditos iniciais e o reencontro com a
menina dando trela a um desconhecido. Nada que acontece depois justifica esses
probleminhas, assim como também não causa impacto algum ver o quanto ela se
sente atraída por um quarto com janela quebrada ou o fato de que ela parece
conversar com um amigo imaginário. Nada disso decola. Outros problemas se
referem a inserção de personagens sem função. Logo que chegam à cidade, os
Cooley recebem a visita dos vizinhos que se espantam ao saber o nome da filha
caçula deles, tudo para reforçar o óbvio argumento que o título já faz questão
de ressaltar.
Mais tarde, a
vizinha Scheila (Michelle Greene) ao ouvir os gritos de Joanne dá a entender
que a chegada de novos moradores na casa há anos desabitada acordou os
espíritos adormecidos e ficamos sabendo que ela seria uma das descendentes dos
Keyes. E mais uma vez nada acontece. Já a Sra. Caswell se apresenta como a
bruxa da história, aquela típica mulher misteriosa e com falas enigmáticas e
proféticas, mas a certa altura simplesmente a personagem some, não tendo
direito nem a clássica fala “eu avisei” quando a crendice é afrontada. Algumas
sinopses vendem a ideia que o casamento dos protagonistas está por um fio, o
que poderia ser provocado pela citada perda de um terceiro filho cuja razão não
é revelada, mas o que vemos na tela está longe de uma crise conjugal, ainda que
o casal pareça mais amigos morando juntos que marido e mulher. É uma pena. O
desenvolvimento de um perfil psicológico desequilibrado, principalmente para
Joanne, poderia transformar O Fantasma de Lucy Keyes em uma obra
marcante, mas o resultado obtido por Stimpson é apenas regular por optar por
uma construção de clima de mistério mais aprofundada, porém, nos minutos finais
isso se revela frustrante diante de tantas pontas soltas que ficam e o clímax
ser prejudicado pela inserção de péssimos efeitos especiais e a tradicional
corridinha para resolver apenas o conflito principal e não estourar o tempo
previsto. É claro que esta é uma produção independente, portanto, com orçamento
menor, mas isso não impediria o uso da criatividade na condução do texto.
Difícil entender como Julie Delpy, que tem no currículo obras mais expressivas
inclusive como roteirista, tenha aceitado estrelar algo tão comum e
descartável. Para não dizer que tudo é ruim, a atenção do espectador pode ser
mantida pelo personagem Jonas Dodd (Mark Boone Junior), vizinho dos
protagonistas que é conhecido por problemas mentais. Tirando o sossego de Guy
por sua mania de juntar restos de moluscos para alimentar seus porcos, ele é
apresentado como uma espécie de guardião da região para evitar o aparecimento de
fantasmas e terá muita importância no desfecho da história que, confusa, não
deixa claro alguns pontos que podem ser refletidos posteriormente a quem se
sentir incomodado pelo fato de uma premissa com potencial razoável ter sido
resumida a um passatempo esquecível.
Suspense - 90 min - 2004
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