NOTA 6,0 Diretamente do Vietnã, longa não se preocupa em causar sustos fáceis, mas sim em criar uma atmosfera envolvente |
Uma das marcas mais fortes
da produção cinematográfica da década de 2000 foram os remakes de produções de
horror orientais, onda que acabou abrindo as portas do mercado mundial para
receber os filmes originais e outros inéditos oriundos de países como o Japão e
a China. A diversificação de opções é válida, mas a consequência negativa é que
o inflado número de títulos disponíveis acabou enjoando o espectador e alguns
bons títulos acabaram não tendo o destaque que mereciam como é o caso do
praticamente desconhecido Sobrenatural, suspense com pegada
espírita realizado no Vietnã. Sim, este país não sobrevive apenas as custas das
memórias do auge de seu período de guerras e tampouco se tornou um cenário
totalmente devastado e inabitável. Bem, quem espera ver neste filme as
paisagens vietnamitas esqueça. A ação se concentra praticamente em um único cenário,
uma velha e abandonada casa com um grande quintal cheio de mato, uma
propriedade aparentemente esquecida em uma região campestre e isolada. É lá que
certa noite procura refúgio o escritor Loc (Tuan Cuong), especialista em livros
de suspense com pitadas de romance que deseja um lugar calmo e que lhe inspire
a escrever sua nova obra. Pensando que a casa estava abandonada, ele se
surpreende ao ser recebido educadamente por Hoa (Kathy Nguyen) que diz que o
proprietário havia viajado a algumas semanas e ela estava tomando conta do
local. Logo na primeira noite, Loc começa a ouvir barulhos estranhos e a sentir
a presença de mais alguém, sensações que vão se intensificando a cada nova
madrugada ao mesmo tempo em que ele vai se afeiçoando por Hoa, uma garota que
lembra muito as mocinhas de suas obras, jovens sonhadoras e frágeis, sempre
dependentes dos homens, traídas e abandonadas. Hoa aparentemente é sozinha no
mundo, um tanto misteriosa e desperta ainda mais a curiosidade do escritor
quando ele recebe a visita do pai dela, o Sr. Huy (Dang Hung Son) dizendo que
há tempos não consegue entrar em contato com a filha. Essa é a trama de “O
Visitante”, o primeiro dos três capítulos que compõem o longa dirigido por
Victor Vu, histórias que são intimamente ligadas.
O segundo capítulo é
intitulado “Filha Única” e mostra Loc vivendo na tal residência, sozinho e em
um estado de saúde mental precário, mas ainda assim escrevendo. No momento ele
está redigindo uma história inspirada em Hoa enquanto recebe o auxílio psiquiátrico
da prestativa Linh (Kathleen Luong). No Vietnã precisar de tais serviços de
saúde é considerado algo vergonhoso e por isso ela visita seu paciente
constantemente, até porque está realizando um estudo sobre seu caso. A
proximidade fez com que eles se apaixonassem e não demora muito acabam se
casando, mas o tempo passa e a harmonia do casal é abalada por causa da
gravidez que não acontece. Loc obteve sucesso com seu último livro, mas desde
então mudou bastante seu comportamento e estilo de escrita, o que pode estar
ligado ao sentimento que ele ainda guarda dos dias em que viveu com Hoa. Ao
mesmo tempo Linh começa a ter estranhas visões e sensações dentro da casa o que
a leva a procurar ajuda espírita. Ela acredita que a energia carregada da casa
é que está a impedindo de ter um filho, mas alguns atos que cometeu em seu
passado podem estar influenciando para que seu desejo não se realize. Por fim,
no terceiro capítulo, “A Vidente”, Loc está muito envelhecido, sozinho e
introvertido, mas acaba aceitando receber a visita de Lan (Catherine Thuy Ai),
uma médium enviada pela família de Linh, mas que na verdade é uma charlatã que
realiza rituais banais que iludem as pessoas. Todavia, desta vez as coisas são
diferentes e esta mulher parece ter seu sexto sentido finalmente apurado e
assim conseguindo sentir as vibrações estranhas da velha casa. Seu filho Bao
(Michael Minh) é também escritor, mas só consegue ter seus livros publicados
graças as artimanhas de sua mãe e esse pequeno detalhe acaba virando um ponto
de atrito entre Loc e o rapaz, pois ambos divergem sobre o talento que cada um
possui para a escrita, mas principalmente sobre suas visões sobre o que
acontece após a morte. Enquanto isso, Lan parece cada vez mais tomada pela
loucura e a obsessão pelo que há de oculto na casa. No conjunto, o filme segue
a estrutura de uma produção comum, uma narrativa linear, mas a opção de
dividi-la em capítulos traz um charme especial, ainda que logo no início da
segunda parte já fique claro o caminho que a trama irá seguir.
Roteirizado pelo próprio
diretor em parceria com Nguyen Hoang Nam e Peter Vo, não há indicações de que
cada um cuidou de um capítulo em específico. Provavelmente a trama foi escrita
totalmente a seis mãos, visto que o longa respeita uma cadência de emoções e os
acontecimentos se relacionam com perfeição. É uma pena que o longa foi lançado
no Brasil diretamente em DVD e sem campanha divulgação, além de ser um homônimo
de uma famosa série de TV (posteriormente um terror americano surgiu com o
mesmo título), o que pode ter levado espectadores a levarem gato por lebre ou
criar preconceitos taxando o produto como um legítimo caça-níquel. Também
colaborou para tal impopularidade o fato do lançamento ter sido feito quando a
onda dos filmes de horror orientais já estava em franca decadência. O fator
novidade já havia esgotado todas as possibilidades de persuasão e realmente
este trabalho em sua premissa não traz nenhuma surpresa. Qualquer pessoa que já
tenha assistido meia dúzia de filmes do tipo mata facilmente a charada do
mistério da casa e compreende a ligação entre os capítulos. Como a maioria dos
produtos orientais as raízes da trama estão em uma crendice espírita, mas a
forma que Vu optou para contar sua história de horror faz toda a diferença. Ao
invés de sustos fáceis e muito sangue, o cineasta optou por investir mais na
ambientação. A parte exterior da casa abandonada passa a sensação de um
realismo assombroso, como se as cenas tivessem sido feitas realmente em uma
construção em ruínas, fora o fato de nunca descobrirmos o que há do lado de
fora de seus muros. Parece que sempre tem alguém a espreita, medo
potencializado principalmente nas tomadas noturnas que privilegiam o quintal
tomado por um denso matagal envolto em neblina. Para completar, um silêncio
quase onipresente trata de dar a tônica do longa, assim potencializando
qualquer ruído estranho. É uma pena que Sobrenatural tenha passado em
brancas nuvens quando lançado e hoje é um artigo raríssimo, coisa de
colecionador que pode não se dar conta, mas tem em mãos um dos melhores títulos
de horror orientais. Obviamente ele não é revolucionário, possui falhas e
momentos de decepções, mas só por abrir mão de alguns recursos previsíveis para
assustar já é digno de uma avaliação com olhar mais positivo. Quem privilegia
boas histórias certamente deve se envolver com a trama e elogiar a proposital
calmaria da narrativa que mais sugestiona do que mostra, ainda que vez ou outra
surja algum espectro com cabelos escorridos cobrindo o rosto para honrar a
tradição do terror oriental. Faz parte do show.
Suspense - 113 min - 2004
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