NOTA 6,5 Adaptação de seriado de TV investe em trama adulta, tem produção caprichada, mas perde pontos pelo excesso de material |
Na falta de boas ideias para novos filmes, Hollywood nos
últimos tempos tem revirado seu baú em busca de material para ser refilmado,
mas para escamotear a falta de criatividade tem investido bastante no universo
dos seriados de TV. Levar aos cinemas uma história baseada em alguma série de
sucesso do passado é uma faca de dois gumes: pode apostar na nostalgia e na
forte marca do produto e ser sucesso ou fracassar devido o desconhecimento das
novas gerações quanto ao material original e as inevitáveis comparações que
podem surgir entre o filme e os episódios do programa. Em geral produções do
tipo acabam fracassando e rapidamente após o lançamento caem no ostracismo, mas
é curioso como ainda há investidores que as bancam, na realidade, pode-se dizer
que tais ideias só saem do papel motivadas pela emoção e não tanto pela razão.
Por exemplo, o diretor Michael Mann, famoso por filmes de ação e suspense
policial como Fogo Contra Fogo e Colateral, também foi o produtor de uma
telessérie de muito sucesso nos anos 80 e precisou esperar mais de duas décadas
para realizar um de seus grandes sonhos: a versão cinematográfica de Miami Vice,
programa que durou cinco anos e marcou uma geração. Profundo conhecedor da
série, ele simplesmente produziu, roteirizou e dirigiu esta reinvenção das
aventuras e casos da dupla de detetives que no passado foram interpretados por
Philip Michael Thomas e Don Johnson, homens que se apresentavam no melhor
estilo metrossexual muito antes do termo surgir. Bem, engomadinhos levando-se
em consideração o que era moda na época, característica preservada na
modernização proposta pelo cineasta que optou por equilibrar o visual brega e o
chique para narrar as novas aventuras de Ricardo Tubbs (Jamie Foxx) e Sonny
Crockett (Colin Farrell). Ao contrário de outras séries que foram resgatadas
pelo cinema em tom satírico, neste caso o trabalho é levado muito a sério
(embora a série usasse os ganchos policiais apenas como pretexto para desfilar
na tela gente bonita, bens materiais luxuosos e paisagens ensolaradas) e para
dialogar com novas plateias não economiza na violência e no erotismo. A dupla
de detetives trabalha investigando o tráfico de drogas em solo norte-americano,
mais precisamente na famosa cidade que intitula o filme. Para não “chamarem a
atenção”, eles estão sempre com um look bem apresentável, roupas de marca e
circulam com carros invejáveis, uma forma encontrada para serem confundidos com
os ricaços da região. Quando um de seus informantes morre, além do assassinato
de dois agentes federais, eles são convocados pelo FBI para uma operação
secreta a fim de capturar assassinos que estão agindo sob proteção do primeiro
escalão do crime organizado. E assim começa uma trama de espionagem que irá se
desenrolar por outros países como Paraguai, Uruguai, Haiti e até no Brasil,
visto que por trás de tudo está Arcángel de Jesús Montoya (Luis Tosar), um
poderoso traficante colombiano que tem contato com pólos estratégicos em países
latinos. Tubbs e Crockett se disfarçam como transportadores de cargas e assumem
as identidades de Burnett e Cooper para conseguirem se infiltrar no meio do
tráfico e cortarem o mal pela raiz. Durante as investigações, os parceiros
conhecem uma bela mulher e braço direito de Montoya, a cubana Isabella (Gong
Li), uma pessoa manipuladora que trata dos investimentos pagos com o dinheiro
sujo do negócio ilícito. Para conhecer melhor o esquema organizado por ela,
Crockett resolve seduzi-la, mas a relação acaba extrapolando os limites dos
interesses profissionais. Enquanto isso, Tubbs vai infiltrando-se cada vez mais
diretamente na empresa dos narcotraficantes, mas a situação para ambos acaba
fugindo do controle quando eles se veem tão envolvidos com o submundo a ponto
de não distinguirem mais de que lado a lei deve exercer seu poder.
Exposta a trama, para os fãs mais jovens do gênero ação e
policial o longa pode interessar e muito, mas para os mais vividos que se
recordam da série homônima as expectativas podem ser diferenciadas. Fora os
nomes, profissão e estilo físico e de perfil dos protagonistas, todo o resto
daquele universo kitsch de outrora foi mudado. Nesta releitura moderna, a
ensolarada e onírica “Miami beach” cedeu espaço para uma cidade cujas imagens
são captadas com realismo sem esconder o clima tenso que aflora entre suas
ruas. Boa parte das cenas se passa na calada da noite para reforçar a ideia que
enquanto as pessoas de bem teoricamente estão dormindo, os habitantes do
submundo do crime estão trabalhando a todo o vapor. Nesse ponto a fotografia
adotada, com direito a filtros especiais e câmeras digitais para melhor
capturar as ações noturnas, é fundamental para sepultar qualquer preconceito
que alguém pudesse ter pelas lembranças estereotipadas da telessérie. Esqueça o
entretenimento que visava adolescentes em massa que ficavam grudados na frente
da TV em busca de adrenalina e suspense leves e para ver garotas de biquíni.
Para o projeto cinematográfico, Mann visou o público adulto, talvez para
corrigir erros que o próprio enxergava no material original, do qual também
escreveu alguns episódios, ou para suprir uma necessidade de mercado visto que
os filmes de ação em geral tentam forçar momentos cômicos ou se sustentarem em
cima da fama de super-heróis para arrebatarem mais público, assim incluindo na
conta as plateias mais jovens. O humor inserido nos diálogos da série também
foi limado do filme que preferiu mostrar os detetives como pessoas mais sérias
e objetivas. Percebe-se que o projeto é cheio de boas intenções e arrojado, mas
infelizmente não escapa de errar aqui e acolá, alguns problemas que poderiam
ter sido solucionados na hora da edição, o que seria muito positivo para o
longa. Como se fosse um episódio de TV
esticado, durante todo o longa acompanhamos apenas um caso do atribulado
cotidiano dos protagonistas, mas a opção em detalhar demais as investigações
acabaram deixando a produção tediosa e em cerca de meia hora de exibição a
tendência é que já comece a dispersar a atenção. Difícil não se perder durante
pouco mais de duas horas de buscas, tiroteios, conchavos, diálogos fatigantes e
desnecessárias cenas de Farrell e Foxx seminus no banho ou na cama (cada um em
um ambiente diferente, fique claro), sequências que nos fazem questionar se o
filme foi feito com algum outro propósito além de fazer promoção destes astros.
Dizem que a desculpa para tais cenas é mostrar sem precisar usar palavras a
rotina estressante da dupla que encontra nestes poucos momentos de prazer o
relaxamento necessário, mas não o envolvimento emocional que desejam. Fingiremos
que caímos nessa. Se por um lado Mann explora alguns recursos clichês e
apelativos, por outro ele tem algumas boas sacadas, mas que infelizmente podem
não funcionar as mil maravilhas. Não temos uma introdução mastigadinha para
conhecer o universo dos personagens e tampouco eles mesmos, diga-se de
passagem, nem mesmo o título do filme é mencionado. Simplesmente o espectador é
lançado sem nenhum tipo de cerimônia dentro da trama que já começa com um plano
sendo colocado em prática numa balada. A opção é válida para adicionar realismo,
mas um tanto arriscada visto que a edição das cenas compromete um pouco o
entendimento e quem não sabe nada do enredo certamente deve ficar perdido.
Todavia, tal começo segue a linha do episódio da série
esticado, como se fosse um especial para introduzir o programa na TV atual,
tanto que o filme termina como se tudo o que assistimos até então fizesse parte
de um único dia na vida dos detetives. Sendo assim, haveria muitas
possibilidades para realmente os agentes Tubbs e Crockett voltarem em grande
estilo à telinha (mesmo hoje em dia não há melhor denominação para o aparelho
TV) ou ao menos para protagonizarem mais algumas aventuras no cinema, mas nunca
houve burburinhos sobre uma possível sequência dos trabalhos. A explicação
estaria no fraco desempenho das bilheterias assim como o esquecimento do título
pouco tempo depois de seu lançamento. O que teria dado errado? A produção foi
cercada de cuidados para que ela pudesse encontrar seu público, pessoas com
cabeças bem diferentes dos tempos da série. Bem, a juventude em geral não vai
mais ao cinema e muito menos para assistir a histórias complexas. Já a turma
telemaníaca podia ter dado um gás na repercussão, mas certamente o boca-a-boca
negativo fez valer seu poder afinal de contas muita gente deve ter se
decepcionado com o que viu. Fãs do original esperavam uma obra com clima de
“Sessão da Tarde” e se deparou com um estilo “Tela Quente” nas raras
oportunidades que a sessão da Globo faz jus ao seu título. Não se pode condenar
totalmente a proposta de Mann. Tráfico de drogas e os demais negócios ilícitos
que o cercam são temas difíceis e que merecem ser tratados com a maior
seriedade possível, tanto que o diretor não eleva os investigadores totalmente
ao posto de heróis. Ao tentar chegarem o mais próximo que podiam do problema,
eles mesmos não se dão conta que estão prestes a infringir a ética da profissão
e da própria moral. Mesmo trocando as cores alegres pelos tons mais sombrios, Miami
Vice é muito bonito visualmente, apresenta interessantes movimentos e ângulos
de câmera e é claro que não deixa de captar algumas belas imagens litorâneas,
mas quando chegamos ao final é inevitável ter a sensação de que vimos mais do
mesmo. O roteiro realmente não traz novidades e as tramas paralelas mostrando a
vida pessoal dos detetives são banais, como já dito, parecendo desculpas
rasteiras para expor os físicos dos atores, mas declaradamente Mann não quis
revolucionar o gênero, apenas das uma sacudida neste território poeirento
aproveitando-se da fama do título. É uma pena que ele se perca na narrativa
dando voltas e voltas, mas não saindo do lugar e reforçando o preconceito de
que as regiões menos favorecidas dos países latinos sobrevivem as custas de crimes,
ainda que mostre de forma fidedigna o complexo e cruel mundo do tráfico. E, por
fim, o que colabora ainda mais para desequilibrar este trabalho é justamente a
atuação dos atores principais, um tanto engessados, regras que seguiram para se
assemelharem aos intérpretes originais dos personagens. Pior ainda é pensar que
a ditadura da beleza ainda manda em Hollywood. Ironicamente, Farrell mesmo
estando na época das filmagens em uma má fase devido as várias internações que
teve em clínicas de reabilitação acabou sendo a estrela. Como ele mesmo era um
bad boy na vida real, esforço algum ele teve para fazer as caras e bocas de seu
tipo canastrão que acaba tendo mais destaque graças ao seu envolvimento com a
garota da banda podre da trama. Pobre Foxx que acabou ficando em segundo plano.
Embora não se esforce para que seu papel cresça, teria sido sua cor de pele ou
não ter um rosto de bibelô que o atrapalhou? Polêmicas de bastidores a parte,
para quem quer diversão deixando o cérebro no nível de processamento de médio a
médio alto eis uma boa opção que ainda de quebra oferece uma boa trilha sonora
pop que hoje em dia já ajuda a datar a obra.
Ação - 134 min - 2005
Ação - 134 min - 2005
Um comentário:
Essa falta de criatividade do cinema como você cita no começo do texto, me incomoda.
Nem tive coragem de ver essa refilmagem.......
Postar um comentário