NOTA 2,0 Baseado em obra de Stephen King, longa engana com seu título, é confuso, uma mistura de gêneros e abusa de violência e escatologia |
Quem é realmente aficionado por cinema
certamente já não cai mais na armadilha da frase “baseado na obra de Stephen
King” ou algo do gênero. Agora quem não é muito aprofundado no assunto as
chances de se arrepender ao acreditar em tal golpe de publicidade são bem
grandes. O famoso autor de livros de suspense, horror e alguns poucos dramas já
teve boa parte de suas publicações adaptadas para o cinema, mas nem sempre os
resultados em película foram satisfatórios. O Apanhador de Sonhos é
um exemplo que se encaixa na lista dos equívocos. A proposta inicial era realizar
um suspense cujo estopim seria a presença de criaturas alienígenas entre os
humanos, algo já bastante explorado pela sétima arte, mas o problema é que além
de enfadonho este trabalho ainda conta com cenas grotescas, efeitos visuais
duvidosos e na reta final aposta no que há de pior dos clichês dos filmes de
terror. Se a obra literária é semelhante a sua versão cinematográfica
certamente King não estava em seus melhores dias. Aliás, ele escreveu o livro
em 1999 enquanto se recuperava de um atropelamento, não era um momento
favorável. O roteirista William Goldman já havia explorado o universo do
escritor um ano antes ao adaptar seu livro Lembranças de um Verão, mas nesta nova empreitada se deu mal. A
introdução promete algo interessante. Jonesy (Damian Lewis), Henry (Thomas
Jane), Beaver (Jason Lee) e Pete (Timothy Olyphant) são amigos há muitos anos e
parecem ter uma espécie de ligação telepática. Em flashbacks os conhecemos na
fase da pré-adolescência quando eles acabam realizando um ato heróico ao salvarem
o deficiente mental Douglas (Donnie Wahlberg na fase adulta do personagem) de
uma situação humilhante provocada por alguns adolescentes valentões. Duddits,
como se autodenomina, acaba sendo acolhido pelo grupo e em troca oferta a cada garoto
algum tipo de poder paranormal. Os minutos iniciais mostram como o quarteto já
adulto lida com esses dons, o que poderia indicar que um bom suspense
psicológico está começando a ser construído. Logo em seguida um atropelamento
que não acrescenta nada à trama já nos faz repensar as expectativas, mas vamos
em frente. O grupo de amigos, com exceção de Duddits que nunca mais foi visto,
tem o costume de se reunir anualmente para caçar nas florestas geladas do
Maine, nos EUA, mas desta vez a viagem será muito diferente. Uma enorme nevasca
atinge a região e coincidentemente um estranho caçador aparece na cabana dos
rapazes pedindo ajuda, mas sem desconfiar da doença que carrega consigo, algo literalmente
de outro mundo.
Ao que tudo indica o garoto deficiente que
o quarteto ajudou no passado é a peça fundamental para salvar o mundo de uma
invasão alienígena. Agora os rapazes precisam impedir que pessoas inocentes
morram, inclusive eles próprios, já que estão presos justamente em uma área de
isolamento militar defendida pelo Coronel Abraham Curtis (Morgan Freeman).
Apresentando a trama dessa forma ela até parece aceitável e compreensível, mas
infelizmente o longa dirigido por Lawrence Kasdan, também coroteirista, acabou
semelhante a um filme B esquecível. Diretor de bons filmes no passado, como Grand Canyon – Ansiedade de Uma Geração e
O Turista Acidental, ele até
demonstra inicialmente envolvimento com este trabalho, mas parece que a certa
altura ele joga tudo para o alto e toca o filme com desprezo. Como já dito, o
início é muito bom, explora razoavelmente os personagens principais, deixa um
clima de mistério no ar, assim como algumas perguntas, pena que elas não são
respondidas mais a frente. Até a chegada do visitante misterioso o longa prende
a atenção, mas quando ele decide usar o banheiro o caldo entorna de vez. Parece
cômico? E realmente gargalhadas serão muito comuns deste ponto em diante, mas
dividirão vez ou outra espaço com alguns pulos de sustos. Kasdan faz uma
mistura surreal de gêneros. Ficção científica, trash movie, suspense
psicológico, ação e até toques de filmes de guerra. Percebe-se que seus
realizadores tentaram levar o projeto a sério, mas é praticamente impossível
acompanhar tal trama com expectativas positivas. Apesar de existirem alguns
fervorosos fãs de fitas sobre alienígenas malvados, o número de espectadores
que rejeitam a temática certamente é bem maior, assim mesmo com a publicidade
de ser baseado na obra de King é difícil embarcar em tamanho absurdo. Para
piorar o conjunto, o diretor infelizmente aposta em cenas grotescas e
escatológicas, além dos tais seres alienígenas terem um design ruim que não
assusta, mas provoca asco assim como a maioria das sequências que não precisam
nem ser explícitas. Não é nada agradável imaginarmos um extraterrestre saindo
de um corpo humano por um orifício que a boa educação nos manda manter bem
escondidinho, se bem que há uma lógica nisso. Se é por lá que o corpo exclui
tudo que o organismo rejeita... Pode parecer preconceituoso aos adeptos da
temática, mas realmente a partir do momento em que a ameaça alienígena ganha
forma gelatinosa, gosmenta e passa a rastejar pelos cantos ou crescer
demasiadamente em questão de segundos, é sensível a queda no nível da trama que
passa a sobreviver de mortes, sangue e escatologia. As cenas são longas e
previsíveis, faltam elementos surpresas, e por se tratar de algo baseado em um
livro, no qual a atenção do leitor deve ser mantida até as últimas páginas,
espera-se mais do filme. Bem, isso se você não desistir ao ver os aliens com
bocas cheias de dentes como se fosse uma planta carnívora. Ao nos depararmos
com imagens como essas nos perguntamos como ainda alguém em sã consciência pode
financiar projetos do tipo que geralmente são cobertos de críticas negativas ao
menor sinal de que ganharam sinal verde para serem realizados.
A discussão sobre a presença ou a ilusão de
vida fora do planeta Terra ainda gera repercussão e pode render bons filmes,
mas esta história dos E.T.s aterrissarem por aqui com intenções de acabar com
os humanos já deu o que tinha que dar. E nem mesmo a tão famigerada tecnologia
ajuda a dar um gás nestes casos. Parece que quanto mais os recursos técnicos
avançam, piores ficam os modelos visuais dos alienígenas. Os criados para este
trabalho se assemelham mais as criaturas grotescas que protagonizavam filmes de
baixo orçamento nos anos 80 e início dos 90 que serviam somente para rechear
prateleiras de locadoras e tapar buracos nas programações dos canais de TV. E a
justificativa do título? Pois é, ganha um doce quem descobri-la. Tais palavras
se referem a um artefato utilizado pelos índios nativos americanos para
capturar pesadelos, deixando o caminho aberto para os sonhos bons surgirem, mas
ele nada poderia fazer contra os males do corpo físico. O objeto é adotado
pelos garotos desde o encontro com Duddits, mas tal gancho não traz nada à narrativa.
Sua função, com um pouco de esforço, talvez sim em termos de alusão. Presas em
uma cabana isolada em meio ao clima congelante, este é o cenário ideal para as
pessoas liberarem seus piores pesadelos e a invasão alienígena poderia ser
vista então como uma metáfora destes pensamentos. Realidade ou imaginação? E
quem teria o poder de aprisionar essas ameaças? Seria bacana se ao chegarmos ao
final víssemos a conclusão deste viés, mas infelizmente chegamos a tal momento
já fatigados de tanto sangue, violência e dúvidas. Não é surpresa alguma que
Duddits aparece só no finalzinho para dar um jeito nisso tudo. Filme B embalado
como superprodução, O Apanhador de Sonhos realmente teve um orçamento considerável
para ser gasto, mas tais recursos não parecem terem sido utilizados com
sabedoria. Qualquer pequena produção trash poderia conseguir resultado
semelhante. Fora as locações escolhidas no Canadá e a iluminação e a fotografia
que captam com perfeição o gélido ambiente, o resto da grana deve ter sido
usada no cachê do diretor e do veterano Freeman, dois nomes de peso perdidos em
algo descartável. Curiosidade: fracasso em seu lançamento, faturando nos EUA
menos da metade de seu custo total, a Warner o lançou, ao menos no Brasil,
divulgando um curta-metragem baseado na franquia Matrix. Diga-se de passagem, o próprio King pediu uma quantia muito
modesta para ceder os direitos autorais aos produtores e mais uma vez ver seu
nome atrelado a um filme. Isso que é confiança em um produto!
Terror - 136 min - 2002
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