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terça-feira, 22 de março de 2016

MIAMI VICE

NOTA 6,5

Adaptação de seriado de TV
investe em trama adulta, tem
produção caprichada, mas perde
pontos pelo excesso de material
Na falta de boas ideias para novos filmes, Hollywood nos últimos tempos tem revirado seu baú em busca de material para ser refilmado, mas para escamotear a falta de criatividade tem investido bastante no universo dos seriados de TV. Levar aos cinemas uma história baseada em alguma série de sucesso do passado é uma faca de dois gumes: pode apostar na nostalgia e na forte marca do produto e ser sucesso ou fracassar devido o desconhecimento das novas gerações quanto ao material original e as inevitáveis comparações que podem surgir entre o filme e os episódios do programa. Em geral produções do tipo acabam fracassando e rapidamente após o lançamento caem no ostracismo, mas é curioso como ainda há investidores que as bancam, na realidade, pode-se dizer que tais ideias só saem do papel motivadas pela emoção e não tanto pela razão. Por exemplo, o diretor Michael Mann, famoso por filmes de ação e suspense policial como Fogo Contra Fogo e Colateral, também foi o produtor de uma telessérie de muito sucesso nos anos 80 e precisou esperar mais de duas décadas para realizar um de seus grandes sonhos: a versão cinematográfica de Miami Vice, programa que durou cinco anos e marcou uma geração. Profundo conhecedor da série, ele simplesmente produziu, roteirizou e dirigiu esta reinvenção das aventuras e casos da dupla de detetives que no passado foram interpretados por Philip Michael Thomas e Don Johnson, homens que se apresentavam no melhor estilo metrossexual muito antes do termo surgir. Bem, engomadinhos levando-se em consideração o que era moda na época, característica preservada na modernização proposta pelo cineasta que optou por equilibrar o visual brega e o chique para narrar as novas aventuras de Ricardo Tubbs (Jamie Foxx) e Sonny Crockett (Colin Farrell). Ao contrário de outras séries que foram resgatadas pelo cinema em tom satírico, neste caso o trabalho é levado muito a sério (embora a série usasse os ganchos policiais apenas como pretexto para desfilar na tela gente bonita, bens materiais luxuosos e paisagens ensolaradas) e para dialogar com novas plateias não economiza na violência e no erotismo. A dupla de detetives trabalha investigando o tráfico de drogas em solo norte-americano, mais precisamente na famosa cidade que intitula o filme. Para não “chamarem a atenção”, eles estão sempre com um look bem apresentável, roupas de marca e circulam com carros invejáveis, uma forma encontrada para serem confundidos com os ricaços da região. Quando um de seus informantes morre, além do assassinato de dois agentes federais, eles são convocados pelo FBI para uma operação secreta a fim de capturar assassinos que estão agindo sob proteção do primeiro escalão do crime organizado. E assim começa uma trama de espionagem que irá se desenrolar por outros países como Paraguai, Uruguai, Haiti e até no Brasil, visto que por trás de tudo está Arcángel de Jesús Montoya (Luis Tosar), um poderoso traficante colombiano que tem contato com pólos estratégicos em países latinos. Tubbs e Crockett se disfarçam como transportadores de cargas e assumem as identidades de Burnett e Cooper para conseguirem se infiltrar no meio do tráfico e cortarem o mal pela raiz. Durante as investigações, os parceiros conhecem uma bela mulher e braço direito de Montoya, a cubana Isabella (Gong Li), uma pessoa manipuladora que trata dos investimentos pagos com o dinheiro sujo do negócio ilícito. Para conhecer melhor o esquema organizado por ela, Crockett resolve seduzi-la, mas a relação acaba extrapolando os limites dos interesses profissionais. Enquanto isso, Tubbs vai infiltrando-se cada vez mais diretamente na empresa dos narcotraficantes, mas a situação para ambos acaba fugindo do controle quando eles se veem tão envolvidos com o submundo a ponto de não distinguirem mais de que lado a lei deve exercer seu poder.

Exposta a trama, para os fãs mais jovens do gênero ação e policial o longa pode interessar e muito, mas para os mais vividos que se recordam da série homônima as expectativas podem ser diferenciadas. Fora os nomes, profissão e estilo físico e de perfil dos protagonistas, todo o resto daquele universo kitsch de outrora foi mudado. Nesta releitura moderna, a ensolarada e onírica “Miami beach” cedeu espaço para uma cidade cujas imagens são captadas com realismo sem esconder o clima tenso que aflora entre suas ruas. Boa parte das cenas se passa na calada da noite para reforçar a ideia que enquanto as pessoas de bem teoricamente estão dormindo, os habitantes do submundo do crime estão trabalhando a todo o vapor. Nesse ponto a fotografia adotada, com direito a filtros especiais e câmeras digitais para melhor capturar as ações noturnas, é fundamental para sepultar qualquer preconceito que alguém pudesse ter pelas lembranças estereotipadas da telessérie. Esqueça o entretenimento que visava adolescentes em massa que ficavam grudados na frente da TV em busca de adrenalina e suspense leves e para ver garotas de biquíni. Para o projeto cinematográfico, Mann visou o público adulto, talvez para corrigir erros que o próprio enxergava no material original, do qual também escreveu alguns episódios, ou para suprir uma necessidade de mercado visto que os filmes de ação em geral tentam forçar momentos cômicos ou se sustentarem em cima da fama de super-heróis para arrebatarem mais público, assim incluindo na conta as plateias mais jovens. O humor inserido nos diálogos da série também foi limado do filme que preferiu mostrar os detetives como pessoas mais sérias e objetivas. Percebe-se que o projeto é cheio de boas intenções e arrojado, mas infelizmente não escapa de errar aqui e acolá, alguns problemas que poderiam ter sido solucionados na hora da edição, o que seria muito positivo para o longa.  Como se fosse um episódio de TV esticado, durante todo o longa acompanhamos apenas um caso do atribulado cotidiano dos protagonistas, mas a opção em detalhar demais as investigações acabaram deixando a produção tediosa e em cerca de meia hora de exibição a tendência é que já comece a dispersar a atenção. Difícil não se perder durante pouco mais de duas horas de buscas, tiroteios, conchavos, diálogos fatigantes e desnecessárias cenas de Farrell e Foxx seminus no banho ou na cama (cada um em um ambiente diferente, fique claro), sequências que nos fazem questionar se o filme foi feito com algum outro propósito além de fazer promoção destes astros. Dizem que a desculpa para tais cenas é mostrar sem precisar usar palavras a rotina estressante da dupla que encontra nestes poucos momentos de prazer o relaxamento necessário, mas não o envolvimento emocional que desejam. Fingiremos que caímos nessa. Se por um lado Mann explora alguns recursos clichês e apelativos, por outro ele tem algumas boas sacadas, mas que infelizmente podem não funcionar as mil maravilhas. Não temos uma introdução mastigadinha para conhecer o universo dos personagens e tampouco eles mesmos, diga-se de passagem, nem mesmo o título do filme é mencionado. Simplesmente o espectador é lançado sem nenhum tipo de cerimônia dentro da trama que já começa com um plano sendo colocado em prática numa balada. A opção é válida para adicionar realismo, mas um tanto arriscada visto que a edição das cenas compromete um pouco o entendimento e quem não sabe nada do enredo certamente deve ficar perdido.

Todavia, tal começo segue a linha do episódio da série esticado, como se fosse um especial para introduzir o programa na TV atual, tanto que o filme termina como se tudo o que assistimos até então fizesse parte de um único dia na vida dos detetives. Sendo assim, haveria muitas possibilidades para realmente os agentes Tubbs e Crockett voltarem em grande estilo à telinha (mesmo hoje em dia não há melhor denominação para o aparelho TV) ou ao menos para protagonizarem mais algumas aventuras no cinema, mas nunca houve burburinhos sobre uma possível sequência dos trabalhos. A explicação estaria no fraco desempenho das bilheterias assim como o esquecimento do título pouco tempo depois de seu lançamento. O que teria dado errado? A produção foi cercada de cuidados para que ela pudesse encontrar seu público, pessoas com cabeças bem diferentes dos tempos da série. Bem, a juventude em geral não vai mais ao cinema e muito menos para assistir a histórias complexas. Já a turma telemaníaca podia ter dado um gás na repercussão, mas certamente o boca-a-boca negativo fez valer seu poder afinal de contas muita gente deve ter se decepcionado com o que viu. Fãs do original esperavam uma obra com clima de “Sessão da Tarde” e se deparou com um estilo “Tela Quente” nas raras oportunidades que a sessão da Globo faz jus ao seu título. Não se pode condenar totalmente a proposta de Mann. Tráfico de drogas e os demais negócios ilícitos que o cercam são temas difíceis e que merecem ser tratados com a maior seriedade possível, tanto que o diretor não eleva os investigadores totalmente ao posto de heróis. Ao tentar chegarem o mais próximo que podiam do problema, eles mesmos não se dão conta que estão prestes a infringir a ética da profissão e da própria moral. Mesmo trocando as cores alegres pelos tons mais sombrios, Miami Vice é muito bonito visualmente, apresenta interessantes movimentos e ângulos de câmera e é claro que não deixa de captar algumas belas imagens litorâneas, mas quando chegamos ao final é inevitável ter a sensação de que vimos mais do mesmo. O roteiro realmente não traz novidades e as tramas paralelas mostrando a vida pessoal dos detetives são banais, como já dito, parecendo desculpas rasteiras para expor os físicos dos atores, mas declaradamente Mann não quis revolucionar o gênero, apenas das uma sacudida neste território poeirento aproveitando-se da fama do título. É uma pena que ele se perca na narrativa dando voltas e voltas, mas não saindo do lugar e reforçando o preconceito de que as regiões menos favorecidas dos países latinos sobrevivem as custas de crimes, ainda que mostre de forma fidedigna o complexo e cruel mundo do tráfico. E, por fim, o que colabora ainda mais para desequilibrar este trabalho é justamente a atuação dos atores principais, um tanto engessados, regras que seguiram para se assemelharem aos intérpretes originais dos personagens. Pior ainda é pensar que a ditadura da beleza ainda manda em Hollywood. Ironicamente, Farrell mesmo estando na época das filmagens em uma má fase devido as várias internações que teve em clínicas de reabilitação acabou sendo a estrela. Como ele mesmo era um bad boy na vida real, esforço algum ele teve para fazer as caras e bocas de seu tipo canastrão que acaba tendo mais destaque graças ao seu envolvimento com a garota da banda podre da trama. Pobre Foxx que acabou ficando em segundo plano. Embora não se esforce para que seu papel cresça, teria sido sua cor de pele ou não ter um rosto de bibelô que o atrapalhou? Polêmicas de bastidores a parte, para quem quer diversão deixando o cérebro no nível de processamento de médio a médio alto eis uma boa opção que ainda de quebra oferece uma boa trilha sonora pop que hoje em dia já ajuda a datar a obra.

Ação - 134 min - 2005

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Um comentário:

  1. Essa falta de criatividade do cinema como você cita no começo do texto, me incomoda.

    Nem tive coragem de ver essa refilmagem.......

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