quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

UM LUGAR QUALQUER

NOTA 7,5

Longa investe na simplicidade para
falar sobre vazio existencial através
da relação entre pai e filha forçados a
conviver após anos de separação
Ser filha de alguém famoso não é fácil. Sofia Coppola sentiu na pele as consequências de ter como pai ninguém menos que o lendário cineasta e produtor Francis Ford Coppola. Ela tentou a carreira de atriz, mas fracassou. Não adianta renegar o talento herdado do pai, o lugar dela é atrás das câmeras transformando em imagens roteiros que flertam com o drama e o humor. E quando se fala em imagens neste caso é de forma literal. As características dos trabalhos desta mulher basicamente se resumem a contemplação e ao registro de lugares e cotidianos aparentemente banais. Muito elogiada por As Virgens Suicidas, sua estréia como diretora, ela tem conseguido causar certo burburinho a cada novo lançamento seu e sempre dividindo opiniões. Não seria diferente com Um Lugar Qualquer, longa no qual ela revisitou temas já explorados em seu curto currículo. É impossível não se lembrar do premiado Encontros e Desencontros ao se deparar com a história de um homem um tanto perdido na vida e que só consegue se fixar em um eixo ao estreitar laços de amizade ou amorosos com alguém. Até o choque entre culturas de países diferentes bate cartão, assim como a tática de mais uma vez adotar como protagonista um ator que convive com o vazio fora das telas em sua vida pessoal em contraste com a sua vida agitada profissional. Johnny Marco (Stephen Dorff) é um bem sucedido ator de Hollywood que não leva uma vida pessoal muito exemplar. Ele esbanja dinheiro com bebidas e mulheres, mas não sabe se realmente é feliz, simplesmente vive de prazeres momentâneos e muita melancolia no restante no tempo. Quando ele está com o braço engessado se recuperando de um acidente ocorrido durante as filmagens de um novo trabalho e se preparando para uma viagem à Itália para receber um prêmio, sua rotina muda completamente com a chegada de sua filha de onze anos, Cleo (Elle Fanning). Ela vem para passar alguns dias com o pai, mas sem data para ir embora. Inicialmente, o ator não sabe bem como lidar com a menina e nem conhece muito sobre os seus costumes, mas seu estilo liberal de viver acaba o aproximando dela. Porém, esse contato mais próximo faz com que ele repense o caminho que está trilhando, alterando bastante seu comportamento e pensamentos. Curiosamente a filha parece muito mais segura de cada novo passo que dará que o próprio pai que teoricamente teria muito mais experiência de vida para acertar no futuro reavaliando os erros do passado. De qualquer forma, a relação deles será proveitosa para ambos, pois aprenderão a atingir o equilíbrio entre a responsabilidade e o descompromisso medindo os excessos de um e a cautela do outro.

O cinema proposto por Sofia é peculiar, fugindo dos padrões norte-americanos, embora seja financiado e realizado em terras ianques. Adotando um estilo próprio para contar suas histórias, algo que a aproxima mais do estilo europeu de filmar e narrar, a cineasta privilegia os olhares e gestos e gosta de sugestionar, fazendo com que o seu espectador pense um pouco. Cada detalhe por mais bobo que possa parecer esconde alguma mensagem, como no caso do gesso que o protagonista usa a certa altura do longa, mais uma evidência para reforçar a idéia de que tudo em sua vida é transitório. A visita da filha também é encarada em um primeiro momento como algo passageiro, mas aos poucos eles vão aprendendo a lidar um com o outro e então a diretora vai pontuando sua narrativa apresentando alguns pequenos momentos do cotidiano que sintetizam a idéia de que o amor pode recuperar vidas. O homem viciado em bebidas e noitadas acaba se regenerando e vendo a vida por novos e melhores ângulos. Assim, o almoço juntos ou um banho de piscina, por exemplo, ganham muito mais valor para ambos e as cenas conseguem envolver facilmente o espectador que possivelmente não se sentiria atraído por este filme pelos primeiros minutos que mostram um lado nada glamoroso da vida de uma estrela. A maneira que a diretora escolheu para iniciar este trabalho é ousada e não muito animadora para quem espera uma história crível e envolvente, mas seu estilo de trabalho pede atenção e disponibilidade do espectador para pouco a pouco tornar-se íntimo dos personagens. Entre elogios e críticas ásperas, esta é mais uma produção que não tem uma avaliação unânime. Cada indivíduo avalia de uma maneira diferenciada uma obra e isso varia muito devido a fatores ligados a educação, costumes, repertório cultural, entre tantos outros. Os críticos, profissionais ou não, geralmente se baseiam no histórico dos profissionais envolvidos e até recorrem as suas memórias de projetos parecidos com o objeto em questão para tecer seus comentários. Os espectadores já têm uma percepção mais simplória e direta, mas nem por isso deixam de fazer comparações com alguma produção que já tenham visto. Neste caso uma apreciação mais atenciosa é essencial para compreendermos as questões que Sofia quis levantar, algo que boa parte do público comum não está apto a fazer. Por outro lado, os entendidos na área podem elogiar ou repudiar a opção da cineasta em voltar a contemporaneidade e retratá-la com simplicidade após enveredar pelo mundo luxuoso dos épicos em Maria Antonieta. De qualquer forma, mais que as intenções da profissional o que está em jogo para muitos é o peso de seu sobrenome que para muitos deve dar continuidade a boa fama cultivada pelo velho Francis.
Falando no papai, o vazio existencial é um tema recorrente na filmografia de Sofia e é nítido que ela usa muitas de suas referências da infância e adolescência em suas obras. Por ter crescido frenquentando sets de filmagens e ter tido uma experiência mal fadada no campo das interpretações sendo encarada como a protegida do diretor, é perfeitamente aceitável o viés melancólico que ela adota para expor a figura do ator. Desde seu primeiro trabalho como diretora ela opta por pisar em terreno seguro sempre reciclando a forma com que seus personagens principais lidam com o vazio que sentem em suas vidas. Assim é fácil entender o porquê dos críticos a elogiarem e suas produções serem muito premiadas, já da parte do público não se pode dizer o mesmo. Para muitos seus trabalhos são um tanto comuns e sem brilho e só geram curiosidade por causa do burburinho que os cercam. Vencedor do Leão de Ouro em Veneza, Um Lugar Qualquer é uma produção que tem sim o seu valor, pois é louvável que a diretora não se aproveite do sobrenome famoso para fazer fama e fortuna através de trabalhos medíocres ou assumidamente de estilo caça-níqueis. Como já dito, ela realiza um tipo de cinema que é avesso aos padrões hollywoodianos em que tudo é apresentado de forma rápida e mastigada ao espectador, preferindo privilegiar olhares, gestos e até imagens estáticas para fazer seu público pensar um pouco sobre as situações que expõe. Inicialmente, o ritmo lento, as cenas que mostram o cotidiano "pouco católico" do protagonista e os diálogos escassos devem causar espanto e até desânimo, mas insista e siga em frente. Só assim para compreender a proposta do longa que prende a atenção basicamente com dois personagens em cena defendidos com muita naturalidade por Dorff, que mesmo com muitos anos de estrada ainda é pouco valorizado, e da jovem Elle, tão talentosa e carismática quanto a irmã Dakota. Tudo bem que o final decepciona, mas, desprezando o prólogo e a conclusão, o recheio já vale o tempo dispensado. Nele percebemos o quanto os pequenos momentos da vida são importantes, por mais singelos que sejam. A cena de pai e filha curtindo um dia agradável de sol à beira da piscina é a síntese da mensagem positiva do roteiro e já virou emblemática para a produção que tem um pé no estilo comercial de fazer cinema, mas ainda assim mantém fortes referências ao modo independente de contar histórias aparentemente simples, porém, repletas de mensagens e simbologias. Na pior das hipóteses vale a pena assistir ao menos por curiosidade para ter subsídios para elogiar ou criticar o próximo passo profissional da senhorita Coppola.

Drama - 98 min - 2010

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