NOTA 7,5 Longa investe na simplicidade para falar sobre vazio existencial através da relação entre pai e filha forçados a conviver após anos de separação |
Ser filha de alguém famoso não é fácil. Sofia Coppola sentiu
na pele as consequências de ter como pai ninguém menos que o lendário cineasta
e produtor Francis Ford Coppola. Ela tentou a carreira de atriz, mas fracassou.
Não adianta renegar o talento herdado do pai, o lugar dela é atrás das câmeras
transformando em imagens roteiros que flertam com o drama e o humor. E quando
se fala em imagens neste caso é de forma literal. As características dos
trabalhos desta mulher basicamente se resumem a contemplação e ao registro de
lugares e cotidianos aparentemente banais. Muito elogiada por As Virgens
Suicidas, sua estréia como diretora, ela tem conseguido causar certo
burburinho a cada novo lançamento seu e sempre dividindo opiniões. Não seria
diferente com Um Lugar Qualquer, longa no qual ela revisitou temas já
explorados em seu curto currículo. É impossível não se lembrar do premiado Encontros
e Desencontros ao se deparar com a história de um homem um tanto perdido
na vida e que só consegue se fixar em um eixo ao estreitar laços de amizade ou
amorosos com alguém. Até o choque entre culturas de países diferentes bate
cartão, assim como a tática de mais uma vez adotar como protagonista um ator
que convive com o vazio fora das telas em sua vida pessoal em contraste com a
sua vida agitada profissional. Johnny Marco (Stephen Dorff) é um bem sucedido
ator de Hollywood que não leva uma vida pessoal muito exemplar. Ele esbanja
dinheiro com bebidas e mulheres, mas não sabe se realmente é feliz,
simplesmente vive de prazeres momentâneos e muita melancolia no restante no
tempo. Quando ele está com o braço engessado se recuperando de um acidente
ocorrido durante as filmagens de um novo trabalho e se preparando para uma
viagem à Itália para receber um prêmio, sua rotina muda completamente com a
chegada de sua filha de onze anos, Cleo (Elle Fanning). Ela vem para passar
alguns dias com o pai, mas sem data para ir embora. Inicialmente, o ator não
sabe bem como lidar com a menina e nem conhece muito sobre os seus costumes,
mas seu estilo liberal de viver acaba o aproximando dela. Porém, esse contato
mais próximo faz com que ele repense o caminho que está trilhando, alterando
bastante seu comportamento e pensamentos. Curiosamente a filha parece muito
mais segura de cada novo passo que dará que o próprio pai que teoricamente
teria muito mais experiência de vida para acertar no futuro reavaliando os
erros do passado. De qualquer forma, a relação deles será proveitosa para
ambos, pois aprenderão a atingir o equilíbrio entre a responsabilidade e o
descompromisso medindo os excessos de um e a cautela do outro.
O cinema proposto por Sofia é peculiar, fugindo dos padrões
norte-americanos, embora seja financiado e realizado em terras ianques. Adotando
um estilo próprio para contar suas histórias, algo que a aproxima mais do
estilo europeu de filmar e narrar, a cineasta privilegia os olhares e gestos e
gosta de sugestionar, fazendo com que o seu espectador pense um pouco. Cada
detalhe por mais bobo que possa parecer esconde alguma mensagem, como no caso
do gesso que o protagonista usa a certa altura do longa, mais uma evidência
para reforçar a idéia de que tudo em sua vida é transitório. A visita da filha
também é encarada em um primeiro momento como algo passageiro, mas aos poucos
eles vão aprendendo a lidar um com o outro e então a diretora vai pontuando sua
narrativa apresentando alguns pequenos momentos do cotidiano que sintetizam a
idéia de que o amor pode recuperar vidas. O homem viciado em bebidas e noitadas
acaba se regenerando e vendo a vida por novos e melhores ângulos. Assim, o
almoço juntos ou um banho de piscina, por exemplo, ganham muito mais valor para
ambos e as cenas conseguem envolver facilmente o espectador que possivelmente não
se sentiria atraído por este filme pelos primeiros minutos que mostram um lado
nada glamoroso da vida de uma estrela. A maneira que a diretora escolheu para
iniciar este trabalho é ousada e não muito animadora para quem espera uma
história crível e envolvente, mas seu estilo de trabalho pede atenção e
disponibilidade do espectador para pouco a pouco tornar-se íntimo dos
personagens. Entre elogios e críticas ásperas, esta é mais uma produção que não
tem uma avaliação unânime. Cada indivíduo avalia de uma maneira
diferenciada uma obra e isso varia muito devido a fatores ligados a educação,
costumes, repertório cultural, entre tantos outros. Os críticos, profissionais
ou não, geralmente se baseiam no histórico dos profissionais envolvidos e até
recorrem as suas memórias de projetos parecidos com o objeto em questão para
tecer seus comentários. Os espectadores já têm uma percepção mais simplória e
direta, mas nem por isso deixam de fazer comparações com alguma produção que já
tenham visto. Neste caso uma apreciação mais atenciosa é essencial para
compreendermos as questões que Sofia quis levantar, algo que boa parte do
público comum não está apto a fazer. Por outro lado, os entendidos na área
podem elogiar ou repudiar a opção da cineasta em voltar a contemporaneidade e
retratá-la com simplicidade após enveredar pelo mundo luxuoso dos épicos em Maria Antonieta. De qualquer forma, mais
que as intenções da profissional o que está em jogo para muitos é o peso de seu
sobrenome que para muitos deve dar continuidade a boa fama cultivada pelo velho
Francis.
Falando no papai, o vazio existencial é um tema recorrente na
filmografia de Sofia e é nítido que ela usa muitas de suas referências da
infância e adolescência em suas obras. Por ter crescido frenquentando sets de filmagens
e ter tido uma experiência mal fadada no campo das interpretações sendo
encarada como a protegida do diretor, é perfeitamente aceitável o viés
melancólico que ela adota para expor a figura do ator. Desde seu primeiro
trabalho como diretora ela opta por pisar em terreno seguro sempre reciclando a
forma com que seus personagens principais lidam com o vazio que sentem em suas
vidas. Assim é fácil entender o porquê dos críticos a elogiarem e suas
produções serem muito premiadas, já da parte do público não se pode dizer o
mesmo. Para muitos seus trabalhos são um tanto comuns e sem brilho e só geram
curiosidade por causa do burburinho que os cercam. Vencedor do Leão de Ouro em
Veneza, Um Lugar Qualquer é
uma produção que tem sim o seu valor, pois é louvável que a diretora não se
aproveite do sobrenome famoso para fazer fama e fortuna através de trabalhos
medíocres ou assumidamente de estilo caça-níqueis. Como já dito, ela realiza um
tipo de cinema que é avesso aos padrões hollywoodianos em que tudo é
apresentado de forma rápida e mastigada ao espectador, preferindo privilegiar
olhares, gestos e até imagens estáticas para fazer seu público pensar um pouco
sobre as situações que expõe. Inicialmente, o ritmo lento, as cenas que mostram
o cotidiano "pouco católico" do protagonista e os diálogos escassos
devem causar espanto e até desânimo, mas insista e siga em frente. Só assim
para compreender a proposta do longa que prende a atenção basicamente com dois
personagens em cena defendidos com muita naturalidade por Dorff, que mesmo com
muitos anos de estrada ainda é pouco valorizado, e da jovem Elle, tão talentosa
e carismática quanto a irmã Dakota. Tudo bem que o final decepciona, mas,
desprezando o prólogo e a conclusão, o recheio já vale o tempo dispensado. Nele
percebemos o quanto os pequenos momentos da vida são importantes, por mais
singelos que sejam. A cena de pai e filha curtindo um dia agradável de sol à
beira da piscina é a síntese da mensagem positiva do roteiro e já virou
emblemática para a produção que tem um pé no estilo comercial de fazer cinema,
mas ainda assim mantém fortes referências ao modo independente de contar
histórias aparentemente simples, porém, repletas de mensagens e simbologias. Na
pior das hipóteses vale a pena assistir ao menos por curiosidade para ter
subsídios para elogiar ou criticar o próximo passo profissional da senhorita
Coppola.
Drama - 98 min - 2010
Drama - 98 min - 2010
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