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quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

VOO NOTURNO

NOTA 9,0

Com sua ação praticamente
toda encerrada dentro de um
avião, suspense só declina em
seu ápice repleto de clichês
Mesmo com os jornais impressos e os noticiários da TV apinhados de tantos desastres reais e também fictícios para o cinema e novelas, os aviões ainda são o meio de transporte mais procurado para viagens longas e o sonho de muitos continua ser fazer um passeio sobrevoando os mares e continentes acima das nuvens. Os produtores e estúdios já investem no filão dos acidentes aéreos há muitas décadas tendo sua primeira fase de sucesso nos anos 70 quando se tornaram populares os filmes-catástrofes, aqueles que arrasam cidades ou colocam pessoas em risco em ambientes ou situações das quais aparentemente não há saída. Após o fatídico 11 de setembro de 2001 os aviões voltaram a ser alvo da lente de cineastas amedrontando a tripulação com vilões terroristas. Voo Noturno poderia ser apenas mais um produto do tipo, mas ele surpreende positivamente, embora críticas contra não faltem. É um clichê requentado? Uma proposta boa desperdiçada em uma produção cheia de furos? Mesmo assim você fica roendo as unhas de tensão? Sim, sim e sim. Digamos que esta é uma opção de filme B com pedigree. Tem seus momentos incrédulos, mas funciona do início ao fim muito melhor que algumas superproduções. A história começa oferecendo todo um clima digno de romance. Dois jovens que nunca se viram se encontram em um aeroporto por acaso e uma série de coincidências ocorrem culminando no fato de que eles farão a viagem juntos em um voo noturno, conhecido entre os americanos como “Red Eye”, e sentados lado a lado. Aí eles conversam mais, trocam confidências, se beijam e terminam o filme com um pretenso final feliz. Errado! A introdução é bem rápida para dar espaço a uma boa trama de suspense. Lisa Reisert (Rachel McAdams) gerencia um badalado hotel de Miami e tem pavor de avião, mas cai na lábia de Jackson Rippner (Cillian Murphy) que se mostra um jovem muito seguro e gentil. A aproximação não é a toa. O rapaz na realidade arquitetou o encontro. Ele é um criminoso que planeja a morte do Secretário de Defesa dos EUA, este que se hospedará no hotel de Lisa. Sua trama é forçar a moça a mandar seus empregados trocarem o alvo de quarto junto com a família de forma que ficasse mais fácil para que seu bando os atacasse. Se ela não fizer isso é o pai dela (Brian Cox) quem morre pelas mãos de outro assassino já a postos.

No conjunto, esta obra nem parece criação do diretor Wes Craven, o homem que revolucionou o gênero terror nos anos 80 com A Hora do Pesadelo e a década seguinte com Pânico. Depois ele tentou diversificar sua filmografia com o drama Música do Coração e foi surrado pela crítica por Amaldiçoados, uma produção assumidamente trash levada a sério demais pelos espectadores e, portanto, não causando o efeito esperado. Trabalhando com um thriller sem monstros ou assassinos mascarados, o cineasta faz as pazes com seu público e com o cinema apostando no medo psicológico. As vezes é melhor manter a dignidade com um trabalho no melhor estilo feito para TV do que correr o risco de arruinar a carreira tentando inovar. Com algumas poucas frases, a narrativa consegue a proeza de mudar da água para o vinho sem solavancos. O que renderia uma manjada comédia romântica acaba se transformando em uma convincente trama um tanto claustrofóbica. Praticamente com um único cenário à disposição, o interior do avião, Craven consegue criar um clima tenso e intrigante, principalmente por utilizar enquadramentos bem fechados para captar as expressões dos atores, mas os méritos também devem ser cedidos ao roteirista Carl Ellsworth, então um estreante. Até o elenco de apoio, alguns passageiros, tem sua importância, como uma simpática velhinha que empresta um livro à Lisa, uma das várias tentativas da moça em alertar alguém sobre o perigo que corre. É preciso ressaltar que a tensão e a violência contidas nas cenas dentro do avião restringe ao mínimo o uso de sangue. Por exemplo, em uma sequência Lisa é repreendida pelo criminoso com uma cabeçada e sangra um pouco na testa assustando seu algoz, já que um ato como esse poderia chamar a atenção da tripulação. Pronto. Sem mais ketchup em cena.

Um dos trunfos desta produção se refere aos protagonistas, muito convincentes antes do embarque e também depois no interior do avião. Rachel consegue transformar sua mocinha controlada e paciente do início em uma heroína que ainda mantém certa calmaria, mas demonstra astúcia para bolar planos para tentar se livrar do vilão. Murphy ganhou um papel que lhe caiu como uma luva. Seus olhos claros e grandes são providenciais, uma arma em potencial para enganar as pessoas e depois surpreender mostrando sua faceta psicopata. Os dois conseguem segurar a atenção do espectador travando diálogos inteligentes, embora as situações que se envolvam durante o voo sejam bastante previsíveis, como quando uma garota encara Rippner de modo desconfiado, obviamente ela poderá atrapalhar seus planos, mas o cara é esperto e sempre consegue se safar e voltar a torturar psicologicamente sua vítima. O terceiro e último ato é que é o calcanhar de Aquiles da produção, justamente quando a ação sai do avião e ganha às ruas. Todo o clima proposto nas duas primeiras partes, ainda que referentes a gêneros opostos, se valiam de uma atmosfera envolvente. Para a conclusão, Craven optou por sequências de correrias, tiros, explosões e caras e bocas marcam o conflito entre a heroína e o vilão, ou seja, as trucagens tão comuns nas fitas protagonizadas por trogloditas como Jean Claude Van Damme e companhia bela, a diferença é que aqui uma mulher é quem mostra a força e a coragem. Mesmo com alguns erros de continuidade, a finalização ainda prende atenção, mas desconstrói o conceito de reciclagem de clichês que o cineasta regia com maestria até então. De qualquer forma, Voo Noturno é um passatempo acima da média e que não enrola o público mais que o necessário. Menos de uma hora e meia são suficientes para um filme que não tinha muitas opções de caminho a seguir. O enxuto aqui não significa falta de criatividade e sim emprego de inteligência.

Suspense - 85 min - 2005 

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