NOTA 8,5 Refilmagem de clássico de terror mantém o espírito do original e apresenta um serial killer justificável |
Em 1974, uma época repleta de violentos conflitos e muito
sangue derramado no Vietnã, o diretor Tobe Hooper fez um dos mais inquietantes
filmes do período retratando de forma escatológica e impactante a crueldade do
ser humano. Com poucos recursos e utilizando elenco e equipe técnica
amadora, o roteiro apresentava uma variação do antigo conflito entre
civilização e loucura fazendo uma inteligente metáfora. Na trama, um grupo de
jovens vai parar em uma estranha cidade no Texas onde acabam sendo
perseguidos, mutilados e mortos por uma família desequilibrada cujo líder
aparentemente é uma figura monstruosa. O que poderia ter se tornado um clássico
trash acabou se tornando uma obra de referência para o gênero terror e até
mesmo para o período. Quase três décadas depois, o mundo todo acompanhava quase
que em tempo real pela TV e internet os confrontos entre as tropas americanas e
os representantes dos exércitos de diversos países árabes, o que inspirou o
produtor Michael Bay, especialista em lançar blockbusters, em mais uma vez
trazer à tona a discussão sobre a irracionalidade que existe por trás dos
conflitos armados usando uma produção de horror. Será mesmo? Era melhor que a
resposta fosse sim. Quem sabe com essa pegada institucional a refilmagem de O
Massacre da Serra Elétrica seria um pouco mais respeitada. Não é um trabalho
excepcional, mas também está longe de ser o lixo que a crítica tratou de
propagar, mas fazer o quê se a própria distribuidora tratou de manchar a imagem
filme marcando e remarcando sua estreia no Brasil por quase dois anos. Assim,
quando estreou, rotular este produto como descartável era praticamente
inevitável. Todavia, ao mesmo tempo em que esta produção é um caça-níquel
óbvio, ela de certa forma acaba prestando uma homenagem ao original. Bem, só o
fato de ser divertida, manter o clima de tensão constante e ter um vilão digno
já basta para dizer que pelo menos este remake não estraga a reputação do longa
que o inspirou visto que antes deste trabalho alguns outros tentaram lucrar em cima da imagem do assassino conhecido como Leatherface (cara
de couro), inclusive um dirigido pelo próprio Hooper se divertindo tirando um
sarro de seu longa mais famoso. O diretor Marcus Nispel, experiente na área de
videoclipes e que futuramente também seria o responsável pelo remake de Sexta-Feira
13, sabia que tinha um grande desafio pela frente lidando com uma obra
cultuada, com um terror cru e realista, mas conseguiu captar a essência deste
material com perfeição e imprimiu um ritmo de adrenalina para conseguir captar
a atenção das novas plateias afinal de contas apenas o som potente de uma
motosserra ou um pouquinho de sangue aqui ou ali não seria o bastante para
satisfazer um público que cresceu assistindo a horrores bem mais viscerais,
tanto ficcionais quanto reais.
A introdução adota um estilo documental. Imagens em
preto-e-branco de fotos, recortes de jornais e um vídeo investigativo da
polícia sobre um massacre tratam de colocar o espectador em contato com o clima
de tensão. Em seguida a narrativa volta no tempo para acompanhar o pesadelo que
se tornou a viagem de um grupo de jovens pelo Texas. No meio do caminho eles
encontram uma garota perturbada pedindo socorro e que acaba se suicidando dentro
do carro deles. Ao tentarem pedir socorro na cidade mais próxima, esta turma
não tem ideia da armadilha em que caíram. Um a um, todos passam a ser vítimas
de Leatherface (Gunnar Hansen), um maníaco descontrolado que usa uma
horripilante máscara feita de couro humano e esquarteja corpos usando uma motosserra.
Apesar de ele ser um homem ameaçador em todos os sentidos, Erin (Jessica Biel),
uma das jovens em perigo, descobre que os poucos habitantes daquela desértica
região não sentem medo dele, o que denuncia que há algo muito estranho
acontecendo por lá. Por este resumo não é difícil imaginar o que acontece
durante todo o filme. Correria, gritos de agonia, respirações ofegantes e muito
sangue, os ingredientes básicos de um filme de serial killer. A diferença é que
aqui temos mais um instrumento de tortura: o som arrepiante e inesquecível da
serra elétrica. Por outro lado, uma das cenas mais marcantes do original foi
limada do remake: o jantar antropofágico (gente comendo carne humana). É certo
que os tempos eram outros e provavelmente esta obra devia ter algumas mensagens
subliminares em seu texto, mas elas se perderam no tempo, assim como o frisson
de que o filme fora baseado em um fato verídico. Na realidade existem indícios
que a inspiração seria um perturbado mental que não superou a morte da mãe com
quem era muito apegado. Como forma de compensação, passou a atrair mulheres à
sua casa, embora não fosse atraente, e vitimá-las usando moto-serra ou qualquer
outra ferramenta de corte, guardando como lembrança restos dos corpos como
dentes, cabelos e unhas. Daí para a tal história do massacre de jovens fez-se
valer o ditado que diz que quem conta um conto aumento um ponto. Outros já
acreditam na hipótese de que realmente um homem deformado vagava pelas regiões
mais afastadas dos EUA e promovia verdadeiras chacinas quando visitantes
indesejáveis invadiam seu território. Também há quem diga que a polícia chegou
a assassinar um mascarado do tipo, mas que os moradores locais afirmavam que
era o homem errado e que a onda de assassinatos continuava. Boatos verdadeiros
ou não, o fato é que o grandalhão Leatherface inaugurou uma nova era no cinema
na qual os monstros dos filmes de terror eram mais realistas e muito mais
perversos, porém, o uso abusivo desse arquétipo com o tempo acabou gerando os
seriais killers indestrutíveis. Podemos citar como alguns de seus discípulos Hannibal
Lecter, o famoso canibal de O Silêncio dos Inocentes que é uma variação com
mais classe do vilão. Michael Myers de Halloween é mais uma versão
sanguinolenta do assassino. Por fim, para comprovar que nada é impossível, Wolf
Creek – Viagem ao Inferno mostrou que em uma região desértica da Austrália
existiu sim um assassino psicótico aterrorizando turistas desavisados.
Dá para perceber que o vilão deste filme é um dos mais
interessantes que o cinema já criou, embora sua imagem com o tempo tenha virado
motivo de chacota. Era justamente esse o desafio de Nispel e do roteirista
Scott Kosar. Como fazer para este clima setentista
de horror e perturbador ainda ter validade em pelo século 21? Colocar o vilão
como um parente distante de Osama Bin Laden? A dupla acabou decidindo por
descartar as possibilidades de ligar o enredo a algum problema histórico,
mantendo-se fiel ao contexto sociológico da trama, até porque não há menções da
época em que a trama se passa, embora a estética e alguns elementos cênicos remetam
aos anos 70. Leatherface na realidade é uma vítima do meio em que foi criado.
Nascido com deformidades na face, ele cresceu em meio a uma rude e esquisita
família que não lhe ensinou os princípios básicos para que pudesse viver em
sociedade. Tais explicações não são oferecidas mastigadas ao espectador, mas é
fácil deduzir que tipo de educação foi dedicada ao vilão a julgar pelas
atitudes das pessoas que o cercam. Considerado um monstro fisicamente, ele foi instruído
a odiar a sociedade que mede o valor de uma pessoa pela maneira de se vestir ou
beleza, assim, qualquer um que pise em seu território é considerado uma ameaça
e está com seu triste fim traçado. Curiosamente, as explicações sobre o passado
do personagem não são esmiuçadas aqui, mas foram abordadas em um filme-prólogo
lançado cerca de quatro anos depois mantendo parte do elenco original e este
sim recorrendo ao contexto histórico envolvendo o Vietnã para tentar sustentar
uma história que nada mais é que um novo banho de sangue. Muitos podem acusar o
remake de ser fruto de oportunismo e que é um remendo de filme, mas
provavelmente quem diz isso é porque ainda deixa que o preconceito dirija seus
pensamentos. Nispel não fez história como Hooper, mas tampouco achincalhou o
original. Com boa dose de adrenalina e excelente edição e fotografia, o diretor
conseguiu criar uma atmosfera horripilante e digna. A ideia do longa,
resumidamente, é mostrar corpos sendo esquartejados, mas aqui temos certo
capricho para construir o clima de tensão e mostrar a matança propriamente dita.
Outro ponto positivo é o elenco. Embora boa parte dos atores fossem bem jovens
e desconhecidos (Jessica Biel apareceu para o grande público aqui), as
interpretações são bem acima da média e dá até para sentir a dor que os mesmos
sentem quando estão em perigo. O tempo passou, mas esta versão de O Massacre da
Serra Elétrica continua sendo um título que desperta curiosidades. A quem se
interessar a assistir a dica é esquecer a obra setentista e focar a atenção no
que está em cena para tirar o melhor proveito. Ah, preste atenção na última
imagem que aparece de Leatherface sozinho em uma estrada deserta. O pôr-do-sol
da cena original foi substituído por uma ambientação noturna e chuvosa, mas o
impacto é o mesmo. Uma cena triste e perturbadora. O que vemos é um ser
marginalizado que está fadado a alimentar ódio, espalhar o
terror e viver sozinho ou com a companhia de outros excluídos da sociedade. Quem
disse que filme de terror não tem conteúdo?
Terror - 98 min - 2003
Um comentário:
Bem fraquinho, mas o que veio a seguir é beeeem pior.
http://cinelupinha.blogspot.com/
Postar um comentário