NOTA 9,0 Segundo longa da sinistra e tresloucada família supera o primeiro apostando mais no humor crítico e politicamente incorreto |
Apoiando-se não só em diálogos espertos e despudorados, mas também em
piadas de apelo visual, mais uma vez Sonnenfeld procurou manter as
características dos tipos criados na década de 1930 por Charles Samuel
"Chas" Addams como uma afronta bem humorada ao estilo de sociedade
ideal vendida pelos americanos, porém, neste segundo longa o casal Addams surge
de forma mais tímida. Até a Coisa, a mãozinha mil e uma utilidades, tem mais
espaço na trama que guarda muito da sua força nos conflitos vividos pelos
personagens adolescentes. Despachados para um acampamento de férias, Wednesday
e Pugsley confrontam a imagem do mundo ideal que os monitores do local tentam
passar e se chocam com a obrigação de serem educados e demonstrarem alegria o
tempo todo, mesmo sofrendo uma terapia de choque que inclui desenhos da
Disney e cantigas tradicionais entoadas por um coral de jovens uniformizados,
de peles bem branquinhas e cabelos bem tratados e que não dispensam uma
saudável gincana ao ar livre. O consolo para os irmãos é que eles percebem que
não são os únicos rejeitados naquele grupo, muito menos no mundo, e aí entra
uma das melhores sequências da obra. Durante um teatrinho para comemorar o Dia
de Ação de Graças, os jovens Addams parecem ter sido vencidos pelo cansaço e
resolveram se adequar ao estilo felizes para sempre do acampamento, mas na
realidade eles reúnem uma turma de excluídos do local (gordinhos, atrapalhados,
deficientes e, curiosamente, o pessoal de cabeleira escura) e promovem uma
verdadeira revolução com direito a um discurso que joga por água abaixo todo o sentimentalismo
falso que os americanos exaltam em datas comemorativas, uma cutucada que serve
para outros povos também. O diretor se inspirou em sua própria vida para esta
sequência e para criar o personagem Joel Clicker, vivido por David Krumholtz, o
namoradinho de Wednesday. Quando criança, Sonnenfeld era superprotegido por sua
mãe, sempre mandado para os acampamentos onde se sentia um peixe fora d'água e
também dependia de uma bombinha contra a asma tal qual o personagem que poderia
ser visto como seu alter ego, uma espécie de vingança às suas lembranças
traumáticas.
O roteiro também segue paralelamente o casamento de fachada do tio
Fester. Para ele a união é de verdade, mas para a esposa tudo é um teatro que
tem de acabar o quanto antes e com um grand finale favorável a vigarista. As
cenas em que a ex-babá tenta se livrar do marido são bem engraçadas, elaboradas
e propositalmente exageradas aproveitando-se da ingenuidade do seu cônjuge, mas
muitos as criticam devido ao alto teor de humor negro contida nelas, como na
tentativa de Debbie eletrocutar o marido numa banheira e logo em seguida ela
sendo surpreendida por Fester com um largo sorriso no rosto como se tivesse, ou
melhor, comprovando que adorou a maneira bizarra da esposa tratá-lo. Também
geram controvérsias as sequências em que o bebê Addams, o pequeno Pubbert,
vivido na realidade pelas gêmeas Kaitlyn e Krystin Hooper, é quase executado
pelos próprios irmãos em “inocentes” traquinagens como testar uma guilhotina ou
fazer uma experiência para ver se ele quicaria como uma bola após cair de uma
altura considerável. Mas se esta obra quer justamente criticar uma sociedade
mentirosamente puritana, por que se espantar com tais cenas? Ok, o rótulo
filme-família justifica qualquer crítica negativa ou repúdio, mas no conjunto A
Família Addams 2 consegue ser tão bom quanto o original, muito
mais audaciosos e fiel as origens dos personagens e explora bem o talento de
Christopher Lloyd, Joan Cusack e, principalmente, Christina Ricci. Faz toda a
diferença uma certa inversão em comparação ao roteiro do precursor de tudo.
Fora algumas poucas cenas, antes eram as pessoas “normais” que invadiam o
universo particular de Gomez e companhia, mas nesta segunda mescla de aventura
e comédia são os Addams que procuram impor suas presenças no mundo perfeito
escamoteado por dias ensolarados, casas bonitas e pessoas distribuindo falsos
sorrisos. No fundo, este longa serve
para trazer a tona assuntos de suma importância como tolerância, respeito, caráter,
família e o bullying, termo que até então não era usado. Aliás, este último
tema talvez seja o mais marcante da produção e é impossível não reparamos que
os dilemas dos adolescentes de anos atrás ainda estão presentes e cada vez mais
sólidos na sociedade. Infelizmente, a franquia foi interrompida com a morte do
intérprete de Gomez pouco tempo depois da conclusão desta segunda parte. Uma
tentativa de resgatar os personagens foi feita em 1998 com elenco completamente
diferente, roteiro infinitamente inferior e lançamento direto em vídeo. Melhor
guardar na memória os dois longas que marcaram a infância de muita gente nos
anos 90. Se bem que seria interessante ver uma versão mais moderninha deste clã
mostrando como eles se adaptaram as mudanças ao longo dos anos, principalmente
em questões tecnológicas visto que eles eram exímios apreciadores de bugigangas
medievais e fora de moda. Eita, do jeito que Hollywood anda com dedos podres
para histórias e praticamente vomitando os efeitos 3D sobre o público melhor
nem dar ideia. Definitivamente os Addams como os conhecemos nos anos 90 jamais
terão substitutos a altura.
2 comentários:
Excelente crítica!Além de concordar com tudo e entender melhor a crítica ao modelo família americana, eu achei. que o filme 2 tinha muitas insinuações sexuais impróprias para o público,embora tenha sido sutil.
Excelente critica. Este filme é simplesmente fantástico e rico...
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