Nota 9 Ainda que envelhecido, primeiro filme da franquia faz jus a fama alimentada pelo vilão
Qual o nome do assassino de Pânico? E de Lenda Urbana ou Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado? Podendo assumir identidades diferentes de acordo com as histórias a serem contadas, tais seriais killers não chegaram a ter o mesmo status de seus antecessores da década de 1980, como o lendário Freddy Krueger, interpretado com maestria pelo ator Robert Englund. Com seu olhar psicótico, vozes e gestos característicos, além do sorriso debochado, a fama do vilão acabou sobressaindo ao próprio título do filme. A alcunha A Hora do Pesadelo pode causar confusão por ser genérico demais, mas basta citar a asquerosa e hipnótica figura do homem deformado com suéter vermelho listrado, chapéu e garras afiadas para que muitos se lembrem que já passaram muitas noites em claro por causa dele. E quem é mais novinho e amante de terror certamente tem a curiosidade aguçada para entender qual a importância deste personagem para o gênero e até mesmo para a cultura pop. O esquecível remake não conta como referência. É preciso estar imerso no clima oitentista para a experiência ser completa. Curiosamente no Brasil, ainda sob controle da censura, o filme estreou com quase dois anos de atraso, quando a primeira continuação já arrastava multidões aos cinemas ianques.
A trama, como de costume, apresenta um grupo de adolescentes que é aterrorizado por um sádico assassino, porém, ele só os ataca em pesadelos. Sem fazer rodeios, a introdução, além de mostrar como o vilão adquiriu suas famosas garras de metais, já revela também os seus métodos de “trabalho”. Nancy (Heather LangenKamp), Glen (Johnny Depp), Tina (Amanda Wyss) e Rod (Nick Corri) por uma estranha coincidência sonham constantemente com violentos ataques de Krueger e quando acordam as marcas dos ferimentos estampam seus corpos. Os adultos fazem vista grossa para o problema e buscam explicações racionais, inclusive para as mortes de alguns jovens, mas Nancy acredita que o homem que invade seus sonhos e matou seus amigos trata-se de um personagem real, alguém atrelado ao sombrio passado do seu bairro, um segredo que inclusive envolveria seus próprios pais. Como uma vítima em potencial, ela começa a investigar o caso a fim de descobrir o que ou quem é que lhe aterroriza todas as noites e uma forma de acabar com os pesadelos. Você pode aguentar uma, duas ou até três noites sem dormir direito, mas imagine sempre ter o receio de que suas horas de descanso serão na verdade momentos de pura tensão. Um pesadelo é a melhor maneira de definir o que seria a sensação de medo. Dentro dele tudo é possível e não existem regras ou lógicas a serem seguidas. A maioria das vezes não conseguimos nos lembrar com detalhes a respeito do que nossa imaginação apresenta durante o sono, mas uma sensação incômoda costuma perdurar quando temos sonhos ruins.
O diretor e roteirista Wes Craven pinçou das lembranças de sua infância a imagem de um mendigo que o encarava com sadismo pela janela de seu quarto a noite ciente do medo e repulsa que despertava. O arrepiante som de unhas afiadas é cortesia da sensação que tinha quando seu gatinho de estimação arranhava o chão e as paredes. O nome do vilão foi propositalmente escolhido por causa de um garoto homônimo que praticava bullying nos tempos de escola do cineasta. Por fim, a ideia da morte justificada por pesadelos surgiu a partir de uma série de reportagens que noticiavam a morte de três jovens do Camboja que morreram repentinamente enquanto dormiam, casos aparentemente sem conexão e que a ciência explica como uma síndrome que causa morte súbita, uma espécie de paralisia rara e na maioria das vezes diagnosticada tardiamente. Craven conseguiu alinhavar todos esses pontos em um roteiro eficiente e intrigante aliado a um clima de constante tensão. Já os efeitos especiais soam ultrapassados e até risíveis, mas para a época eram o que havia de melhor, ainda mais se tratando de uma produção praticamente com os dois pés na seara dos filmes trash. Todavia, a cena da morte de Glen (hoje já não é mais um spoiler), tragado para dentro do colchão que depois jorra litros e mais litros de sangue, é antológica e impactante. Depp então fazia sua estreia como o típico galãzinho de fitas do gênero. Bonitinho, atlético e educado, o papel está muito aquém da capacidade que o ator viria provar em seus trabalhos seguintes, mas não podia ser diferente. Sem qualquer experiência na área, ele estava apenas acompanhando um amigo em um teste de elenco quando foi chamado para participar da seleção.
Ainda que tenha sido criado após Micheal Myers e Jason Vorhees, respectivamente das clássicas franquias Halloween e Sexta-Feira 13, Krueger logo conquistou seu lugar ao sol (ou seria nas trevas?), formando junto com seus predecessores um icônico trio que amedrontaria gerações. Englund conseguiu imprimir uma característica ao vilão que faz toda a diferença. Ele não é só teoricamente invencível por ser uma criação da mente de suas vítimas, mas a maldade faz parte de sua natureza irremediavelmente. Ele não foi maltratado na infância ou sofre de problemas mentais como seus citados colegas de vilania. Em uma rápida cena Craven esclarece a origem do personagem e deixa claro que ele é a própria encarnação do mal divertindo-se com o desespero e a dor alheia. Seus atos cruéis não têm explicação lógica senão o puro sadismo. Se sua maldade já não fosse o bastante, ele ainda tem a vantagem de atacar suas vítimas no momento em que estão mais vulneráveis. Sabendo que basta cochilar para o terror começar, Nancy e seus amigos entram numa paranoia e chegam a um ponto de não distinguirem mais o que é realidade e o que é fantasia. Assim, o telefone pode tocar mesmo com o fio arrancado da tomada e as famosas garras de Krueger emergirem na banheira para atrapalhar o prazer da hora do banho. Todavia, Nancy acaba sendo uma protagonista bastante insossa para o fardo que encara.
Insaciável quanto ao prazer de matar e podendo atacar em uma espécie de realidade paralela onde pode surgir em qualquer lugar e se transformar no que quiser, Krueger podia até hoje ser considerado literalmente o pior dos pesadelos, mas com o passar do tempo o personagem teve seu perfil alterado. Embora sempre sanguinário, nos cinco filmes seguintes da franquia a seriedade abriu espaço para situações de humor nem sempre bem alocadas no enredo, chegando ao ápice do ridículo com o crossover Freddy vs. Jason. Algumas situações bizarras das continuações acabaram desvirtuando a ideia original, mas Englund conseguiu equilibrar sarcasmo e maldade criando um perfil ímpar e curioso, porém, que estagnou sua carreira. Sua imagem ficou tão atrelada ao personagem que seus trabalhos seguintes ficaram restritos a pequenas participações em fitas menores, principalmente nas de terror e suspense aceitando os papéis como um tipo de homenagem a alguém que com um único personagem ajuda a sustentar o gênero até hoje. Ainda que não pareça tão assustador para as novas gerações, é inegável a importância de A Hora do Pesadelo para o desenvolvimento do horror no cinema e mais uma prova de que criatividade é a essência de um bom filme.
Terror - 91 min - 1984
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